O SONHO DO PADRE CÍCERO

(Padre Cícero (I) série de 4 crônicas)

Clerisvaldo B. Chagas, 5 de agosto de 2014

Crônica Nº 1.232

Juazeiro do Norte, antiga (Foto: Portal do Juazeiro)

Juazeiro do Norte, antiga (Foto: Portal do Juazeiro)

Após a sua ordenação, o novo padre permaneceu no Crato, aguardando o seu destino. Convidado para visitar um lugarejo chamado Juazeiro, pelo professor Simeão Correia de Macedo, o padre celebrou ali a missa do galo no Natal de 1871. Os habitantes dos ermos do Cariri ficaram impressionados com aquele jovem de 28 anos, olhos azuis, cabelos louros e voz melodiosa. A empatia também atingiu Cícero que, poucos meses depois, em 11 de abril de 1872, estava de volta com família e bagagem disposto a fixar residência no lugar.

Naquele lugarejo o padre, certa feita, fora descansar após um dia inteiro de confissões. O descanso fora num quarto contíguo à sala de aulas da escolinha onde improvisaram seu alojamento. Ao pegar no sono, Cícero teria tido uma visão que, depois, contada por ele, passou a fazer parte de vários livros a seu respeito. Viu Jesus Cristo e os doze apóstolos na mesma disposição da pintura “A Última Ceia” de Leonardo da Vinci. “De repente entra uma multidão carregando suas trouxas como os retirantes nordestinos. Cristo vira-se para aquele povo e fala sobre sua decepção com a humanidade, mas disse estar disposto ainda a fazer um último sacrifício para salvar o mundo. Porém, se os homens não se arrependessem depressa, Ele acabaria com tudo de uma vez. Naquele momento, Ele apontou para os pobres e, voltando-se inesperadamente ordenou: ─ E você, padre Cícero, tome conta deles!” Alguns livros falam que foi por essa razão que o padre resolvera fixar-se por ali.

O minúsculo arraial de casas de taipa tinha uma pequena capela erigida em honra a Nossa Senhora das Dores, padroeira do lugar, pelo primeiro capelão, padre Pedro Ribeiro de Carvalho. Cícero, com a cooperação geral, procurou melhorar o aspecto daquele templo.

O padre soube conquistar o povo com visitas, conselhos e pregações além de moralizar os costumes acabando com excesso de bebedeiras e com a prostituição.

Após essas iniciativas nunca vistas antes, muita gente vinha das redondezas para conhecer o novo capelão e ficavam morando por ali.

Cícero convocou, então, mulheres solteiras e viúvas e organizou uma irmandade leiga formada por beatas.

Ainda não havia acontecido o célebre milagre da hóstia.

O padre nascera em 24 de março de 1844 e se ordenara em 30 de novembro de 1870.

* Continua amanhã.

MIGRAÇÕES INTERNAS BRASILEIRAS

Clerisvaldo B. Chagas, 1º de agosto de 2014.

Crônica Nº 1.231

PADREFatores econômicos e sociais mobilizam pessoas dentro do território nacional. Esses fluxos migratórios já ocorreram em várias direções conforme as atividades produtivas, em fases brasileiras. Assim tivemos a fase econômica da cana-de-açúcar, no Nordeste; a expansão da pecuária no Sul; mineração em Minas gerais e no Centro-Oeste; o surto da borracha, na região Norte; a produção do café na região Sudeste, entre outras, ao longo da nossa história.

Em torno de 1930, a industrialização passou a atrair pessoas, destacando as migrações rural-urbanas, denominadas êxodo rural quando acontecia em grande volume e também as migrações de uma região para outra, como aconteceu com os nordestinos rumo ao Sudeste.

As migrações foram apresentando novas facetas, sempre acompanhadas pelos pesquisadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ─ IBGE.

Atualmente um novo quadro se apresenta com as migrações em massa rareando em direção a São Paulo e Rio de Janeiro. Os inúmeros problemas dos grandes centros urbanos e a descontração industrial, não atraem migrantes como em outras décadas.

O Nordeste, o maior emigrante de outrora, agora recebe imigrantes, muitos retornando de São Paulo em procura de oportunidades na região de origem. O Censo de 2010 mostra o Nordeste como a única região de saldo positivo em relação aos migrantes. Os estudiosos mostram que as regiões Sul, Centro-Oeste e Norte, permaneceram praticamente estáveis. Já o próprio Sudeste, antes grande centro receptor passa a ser a grande exportadora de gente, na primeira década do século XXI.

Entre os problemas do Sudeste, está o esgotamento do emprego, a carestia dos terrenos, a mobilização urbana, o racismo, entre outros, como o surpreendente problema atual da falta d’água na própria capital paulista e em vários centros importantes.

Muito ainda se tem para se falar sobre esse novo Nordeste que teve um crescimento econômico muito maior do que o restante do país. Será que a região poderá transformar-se em rica e poderosa como um todo? Só o futuro dirá. Pelo menos faço com toda a dedicação possível a minha parte… E a sua? ORGULHO EM SER NORDESTINO E SERTANEJO.

O CAVALO DO TEMPO

Clerisvaldo B. Chagas, 31de julho de 2014.

Crônica Nº 1.230

Pinturas rupestres na Serra da Capivara

Pinturas rupestres na Serra da Capivara

Vendo esse marzão de Maceió, aprendemos que milhares de anos atrás, o nível do mar era mais baixo. Isso fazia com que o litoral fosse muito mais extenso. Se as florestas eram pequenas, o ambiente de cerrado cobria grande porção do território. Com certeza viviam por aí macacos, antas, preguiças e tatus, guardados por um clima mais seco e mais frio. Os vestígios mais antigos encontrados onde hoje se chama Brasil, estão no estado do Piauí, no sítio arqueológico denominado Pedra Furada.

Restos de carvão, utilizados pelo homem em fogueiras, objetos de pedras e grande quantidade de pinturas rupestres, fazem os estudiosos pensarem em 40 mil anos atrás o povoamento da América. Mas não é somente o Piauí a testemunha dos fatos históricos. Ficaram famosos pelas suas descobertas também vários outros lugares do Brasil, como Lagoa Santa, por exemplo, em Minas Gerais, que rastreia a presença de seres humanos bem recuados no tempo. Objetos pontiagudos de ossos e pedras, machados, sepulturas com ossadas de adultos e crianças, são afirmações da presença humana e da competência dos pesquisadores.

Os fósseis nos revelam coisas incríveis como a estatura daqueles habitantes: nem altos nem fortes. Viviam da coleta de frutos silvestres, da caça e da pesca, porém, rodeados por tantos perigos que geralmente não chegavam aos 30 anos de idade.

Um sítio arqueológico, por pequeno que seja, pode revelar o inédito ou apenas complementar dados importantes de outros sítios, mas não deixa jamais de ser um achado significativo na história da humanidade.

Famoso mesmo no mundo inteiro é o Parque Nacional Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, no Piauí, que abriga 737 sítios arqueológicos. Entretanto, as dificuldades para manutenção do parque são inúmeras, pois tudo falta para que ele não seja destruído pelas ações dos moradores da área, pela intempérie e por alguns tipos de animais.

A Arqueologia caminha ao lado da História em benefício dos habitantes da Terra. Montemos O CAVALO DO TEMPO.

* Pintura rupestre. Serra da Capivara.

O CANDIDATO E O ANUM-PRETO

Clerisvaldo B. Chagas, 30 de julho de 2014.

Crônica Nº 1.229

Foto: Internet

Foto: Internet

Zé Neguinho era a ave humorista das capoeiras. Pássaro miúdo e negro gostava de vigiar o mundo no cabeçote das estacas. As balas roliças de barro seco zoavam sem parar, mas Zé Neguinho pulava, trilava, batia as asas como quem diz: “acerta o alvo cagão!” O bizaco de balas ia-se esvaziando e, às vezes, nem pedrinhas substitutas havia nas veredas.

Outro passarinho protegido, era o anum-preto. Medonho comedor de insetos derrubados pelos bovinos levava ─ sem merecer ─ a fama de devorador de carrapatos e por isso não era perseguido pelo homem. Entretanto, na raiva, pelo dia ser da caça, bem que o caçador procurava descontar a frustração em cima do Cuculiforme cuculídea das caatingas. Anum-preto não zombava como Zé Neguinho, mas parecia possuir uma rede protetora invisível. Meter-lhe bala de peteca ou chumbo de espingarda, somente matava de raiva o atirador. O bicho era tão difícil de ser atingido que o povo caboclo do sertão repetia o ditado: “Quem tem pólvora pouca não atira em anum”.

Estamos vivendo mais uma fase de campanha eleitoral. Como mandar é bom e gastar dinheiro alheio também, não faltam brigas de raposas pelas tocas idolatradas. Está cada vez mais difícil cordeiro jantar com carnívoro canídeo, isto é, entrar no seu a pulso como diz o povo.

Em Alagoas, concorre a genética, pois nada muda entre os aspirantes ao continuísmo.

O ex-candidato a governador Eduardo Tavares, ouviu muito bem o canto da sereia. O canto faz esquecer as condições do barco. Sem ser ainda bastante conhecido para um embate desse porte, o, então, candidato Tavares pelo menos mostrava ser bem intencionado em relação ao nosso território. Alagoas precisa com urgência de um nome novo com respaldo moral em garantia. Os donos da política, entretanto, não permitem que o alagoano sonhe com o novo. Quem sabe se o nome tão esperado pelos sofredores caetés, não seria o Tavares! Entrando pela porta errada e tendo que recuar, Eduardo deixa o povo a vê os mesmos dentes afiados de sempre. Que pena! O dito popular continua em voga: “QUEM TEM PÓLVORA POUCA NÃO ATIRA EM ANUM”.

LAMPIÃO, O FIM DO REINADO

Clerisvaldo B. Chagas, 28 de julho de 2014.

Crônica Nº 1.228

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

Setenta e seis anos separam o dia de hoje da hecatombe de Angicos. Uma noite/madrugada gélida e chuvosa “frio de matar sapo”, ocultou o avanço heroico de três volantes alagoanas nas águas e terras do rio São Francisco.

Três canoas unidas por caibros e cordas de caroá, descem nas águas agitadas do Velho Chico, entre 19 e 20 horas, enfrentando os perigos da corrente e mais tarde uma lua nova fantasmagórica. São 48 homens nus, tiritando de frio nas canoas laterais. Roupas, armas e munições estão sob a lona que encobrem a embarcação do meio.

O tenente João Bezerra, comanda as três volantes: a sua, a do sargento Aniceto e a do aspirante Chico Ferreira, mesmo em constantes desentendimentos. Com a chuva miúda, as águas agitadas, o ranger constante do ajoujo e a nudez escondida pelas trevas, alguém sentencia: “Vestido de Adão ainda pode haver salvação”.

Em torno das 22 horas as embarcações chegam ao lugar Remanso, praticamente defronte o coito de Lampião. Uma das canoas vai buscar o coiteiro Pedro de Cândido, abaixo do povoado Entremontes, cerca de 1 km. Entre tortura e ameaça o coiteiro que se tornou mais conhecido, termina levando as volantes até a grota da fazenda Angicos, com seu irmão Durval.

Os volantes bebem muita cachaça e Pedro de Cândido traça o cerco. Pertinho do amanhecer, escuro ainda, acontece o ataque aos cangaceiros. Os policiais estão conduzindo e atirando com metralhadoras. No final do ataque são contados 11 cangaceiros mortos que são degolados pelos soldados raivosos. O restante do bando conseguiu escapar, alguns dos mortos tiveram os nomes confundidos e, atualmente, estão escritos em Angicos os nomes: Lampião, Maria Bonita, Quinta-feira, Mergulhão, Enedina, Luiz Pedro, Elétrico, Moeda, Alecrim, Colchete II e Marcela.

Os corpos dos bandidos ficaram amontoados sob pedras no leito do riacho onde estavam acampados. As 11 cabeças foram expostas em várias cidades e povoados de Alagoas até chegar a Maceió onde foram entregues.

O reinado de terror lampiônico acabava de ruir e com ele (mais Corisco, dois anos depois), a página negra sobre o cangaço foi virada.

· Texto baseado no livro “LAMPIÃO EM ALAGOAS”, dos autores Clerisvaldo B. Chagas e Marcello Fausto, onde o prezado leitor encontra todos os detalhes que procura. A maior obra escrita sobre o cangaço no estado.

O TEREZÃO E A FESTA DE SANTANA

A história que a gente se inventa de contar, é história de um povo, de uma festa religiosa, numa cidade do sertão. Num tempo em que dez réis e vintém eram dinheiro. Tempo que ainda existia matuto de verdade. Daqueles que corria léguas só de ouvir o ronco dum carro pela primeira vez. O mês de julho vinha se encostando por ali, como quem não queria e querendo. Aí Santana e os santanenses se viravam noutros. Com afinco, suas ações voltadas todinhas pras festas da padroeira, Senhora Sant’Ana.

A cada ano, um mês juliano, novinho em folha se instalando, e o sertanejo com cara de bezerro que não largou a mama, se pondo a esbanjar alegria. Oferecido, o sertão assanhava suas asas por riba das coisas dos homens, em nuvens brincalhonas, ora inchadas de brancura, ora plúmbeas d’água de chover. Fazendo Senhora Caatinga vestir sua mais exuberante saia verde. Pintassilgado de vermelho o fruto do mandacaru, a saudar com solene reverência a avó de Jesus netinho! Ó povo sertanejo, sapientíssimo! De saber como, e de onde, tirar o máximo de proveito do que ela, a vida sempre estaria a lhes mostrar uma saída. Desconfiado por natureza, um olho no gato outro no peixe: um na roça outro no céu. Assim era o matuto. A volver em preces e pedidos, a avó amabilíssima que providenciasse o necessário pra que sua festa fosse aquela, a mais bonita.

O Largo em frente á igreja nesse tempo nem calçamento tinha. Pelas festas, o prefeito ordenava que colocassem carradas de piçarra no passeio, pra dar condição do povo andar sem se atolar na lama. O secretário de obras baixara portaria, estabelecendo que o trânsito de animais e carros de boi, no período dos festejos, ficaria limitado a Rua da intendência, pela Rua do Sebo, e a Rua da Cadeia Velha. O serviço de difusora da praça central, arribado num poste, a alegrar o rosto do dia. Silabando os avisos governamentais e sibilando aos ventos varonis, belas páginas musicais. Modas de Dalva de Oliveira e Carlos Galhardo. Sempre oferecidas por “alguém apaixonado” a “alguém que já sabia quem era”. Com a proximidade da noite, o palanque oficial amplamente ocupado pelas autoridades. Os discursos solenes engomados, em trajos sóbrios de linho riscado. Flor na lapela, sapato envernizado, chapéu de massa. No parapeito riquíssimo buquê de fitas de cetim, com as cores da bandeira do município. Homens novos, meninos velhos, A se espremerem, protegiam-se da garoa fina embaixo do coreto. A bandinha Santa Cecília nos degraus à porta da igreja. Ladeado de coroinhas portando lanternas dotadas de velas acesas, pendidas nos mastros seguia o cortejo. Pelo corredor central do interior da nave rumo ao altar mor. O coral alumiado pelas vestes e cânticos fulgurantes. Entre floreios de vozes, como se o tempo todo a dizer: “Óóóó!” E as bocas a tomar a forma daquela letra. Dali a pouco dar-se-ia início a mais uma novena em louvor, honra e glória da excelsa padroeira Senhora Sant’Ana.

Tudo ainda era como antigamente, nada tinha mudado. O altar belamente ornado. As imagens da padroeira e de São Joaquim adornadas. Efusiva profusão de flores coloridas e perfumadas entre luzes proeminentes em sibilante fulgor etéreo. Nuvens de incenso se expandido por entre os presentes. Emprestando diafaneidade ao ambiente, instigando narinas. Acólitos, seminaristas, sacristãos, diáconos. O pároco anfitrião, o sacerdote, o vigário, o bispo da arquidiocese, a mitra violeta apontando o alto, estola branca franjada de dourado. O báculo e o anel episcopal à destra. A assembléia de pé atenta, convivas. O sino no alto do campanário escrevendo agudas notas nas partituras celestes borradas de negro, pra muito além do frontispício. Os fogos pipocando, assustando escutas pueris, pardais e pardocas revoando dos ninhos das árvores do centro da cidade. Não era difícil decifrar o que dizia o calendário. Naqueles dias fogos estourariam sempre ao meio dia, e às seis horas da tarde. O banho do matuto na beira do açude de tardinha. O cheiro do sabão da terra, o afetado perfume de meio de feira a muito custo esconderia a inhaca da montaria. Enquanto a brilhantina luzidia no cabelo crespo. O café engolido as pressas. A roupa, especialmente encomendada pra aquela ocasião, voltaria manchada de picolé e banha de carne de galinha. Os sapatos novos criariam calos, o que obrigaria a tirar dos pés antes do fim da festa. O sono reparador debaixo da marquise da loja. E os pisantes novos, que seriam pagos em prestações que iam durar até o final do ano, ganhavam novos donos. O prazer de passear naqueles brinquedos rústicos de doer. Os corrupios, engenhoca que girava e girava, a embebedar gente nas cadeiras de balanços suspensas no ar. As barcas, puxadas por uma corda pelo próprio brincante, era mais desprendimento de força que diversão.

Mas o que era mesmo o “Terezão”? Tratava-se de um Cassimiro Coco, constituído de bonecos gigantes, que representavam os cangaceiros de Lampião. Enfim um rude teatro de bonecos. Matuto só ia ver se tivesse coragem! É preciso que se diga que o centro da cidade tomado pelo povo, nas noites de festa da padroeira, ficava dividido em três territórios distintos: Desde a frente da igreja matriz até o fim da Rua Tertuliano Nepomuceno circulava a pobreza, o matuto o povo da roça. Por conta disso se concentrava por ali, os brinquedos mais rústicos; da frente da igreja indo pro lado da Rua de São Pedro, até a entrada da Rua professor Enéas circulava o classe média, principalmente o santanense que morava e vivia em Santana; da esquina do sobrado do hotel de Maria Sabão subindo em direção a Avenida Coronel Lucena, até a bifurcação com a Rua Benedito Melo (antiga Rua Nova) ficavam a prosear a classe mais importante, o classe alta, os filhos de empresários e comerciantes. Em especial os que residiam e estudavam na capital do Estado e em Recife. E nessa área se concentravam os diversos jogos de azar, roletas do bicho, jogos de apostas nos dados era maioria em número de bancas.

Existia um matuto vendedor de inhame e macaxeira que atendia pelo nome de José Costa Cândido, mas que todos chamavam de Zé Cândio. Na última noite de festa uma segunda-feira, a boquinha da noite estava no carteado da Casa de Jogo de Zé Chagas, que ficava ao lado da Vidraçaria “A Triunfante” dos irmãos Carvalhos, um pouco a cima do Cine Alvorada. Consultou o cobrinho que restava no bolso, e viu que o apurado de sábado praticamente havia ficado todo ali. Restando-lhe três contos de réis. Saiu de lá acreditando que quando alguém entrava em uma casa de jogo, um tinhoso chamado Zé Pilintra se encostava no cabra, ou abria as portas da fortuna, ou dava as costas. Aquele fora um dia avessado. Desses que quando a gente acorda parece que pisou em rastro de corno. Ganhou a Rua dos Porcos, entrou no bordel de Dona “Madame Conceição” a cartomante. Ceiçinha pros íntimos. Os dois eram amigos,tiveram longa prosa.

Depois da conversa com a rameira Zé Cândio ficou mais animado. Pediu um litro de Ron e refrigerante. Dançou com a rapariga, bebeu, e bebeu. E mais alegre ainda ficou. As orelhas pegando fogo, os pés como se pisasse em rolimã, partiu pelo meio do povo. Quando chegou enfrente a barraca do Teresão, gritou: “- Zé Pilintra seu “fio” duma égua! Devolva meu dinheiro!” E sem mais nem menos resolveu invadir o teatro de bonecos. Em vão o porteiro tentou segurá-lo. Trôpego, sem dizer coisa com coisa, partiu o mangaieiro pra tentar tirar um punhal de madeira que um dos bonecos tinha na cintura. O povo que pagara pra assistir, sem entender patavina. Alguns riam pensando que a cena fazia parte do show. Dado ao intento de tirar o punhal do boneco gigante, disposto estava o cabra. Em vão os funcionários tentavam lhe conter. A polícia chegou. Finalmente nosso herói foi dominado. E o último dia de festa de Sant’Ana foi curtir sua ressaca, a ver o sol nascer quadrado, trancafiado no xilindró.

Fabio Campos

VIVA SENHORA SANTA ANA!

Clerisvaldo B. Chagas, 25 de julho de 2014.

Crônica Nº 1.227

Foto: Clerisvaldo

Foto: Clerisvaldo

A última noite de festa de Senhora Santa Ana, em Santana do Ipanema, Alagoas, molda mais um quadro interiorano religioso. Vindo de longa tradição os festejos relativos à avó do Cristo, sempre se dividiram entre a fé e o profano.

A praça central da cidade, encravada no comércio, defronte a Matriz da padroeira, foi pródiga nas constantes páginas de amor à santa pelos devotos do município e centenas de outros espalhados na região. Outrora marcada como a maior festa religiosa do interior alagoano, o novenário que havia perdido espaço com sua própria cria, a chamada “Festa da Juventude” ─ hoje independente, mas separada apenas por alguns dias ─ esvaziou-se. Ultimamente, porém, parece ter adquirido novo vigor num balanço contrário aos últimos anos entre as duas festas. A introdução do carro de boi no início dos festejos foi um dos responsáveis dessa nova força. Começou com apenas 300, em média, pulou para 600 no ano seguinte e há quem fale que havia mais de 2.000 desses veículos de madeira puxados por bois, neste ano da copa no Brasil. Acompanhando também à procissão, inúmeros cavaleiros vieram injetar vigor e brilho à charola de Santa Ana.

É certo que faltaram os balões de outrora, soltados por trás da casa comercial “A Triunfante”, no antigo “sobrado do meio-da-rua”; a banda de música de Penedo ou do Maestro Miguel Bulhões; as dezenas de mesas de jogos do centro ao Mercado de Carne; as gravações do parque, oferecidas por rapazes e moças aos seus admiradores na voz de Waldick Soriano, Moacir Franco, Agnaldo Timóteo; mas, a essência é a mesma na evolução das coisas.

Enquanto isso, o mês de julho vai se estirando para o seu final entre sol, frieza, chuva rala e uma seca verde que vai enganando.

A procissão de encerramento da festa de Senhora Santa Ana é, sem dúvida alguma, um dos mais belos espetáculos do sertão. O tempo promete uma ajuda extra. É quase a despedida de julho em grande estilo. VIVA SENHORA SANTA ANA!

* Foto extraída do livro inédito do autor: “227”. Em breve no mercado.

MORCHE: VOVÔ JEJÊ-NAGÔ

Clerisvaldo B. Chagas, 23 de julho de 2014.

Crônica Nº 1.226

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

Tive o prazer de receber em minha residência, a visita do grande escultor santanense, hoje radicado em Blumenau, Santa Catarina, Marcel Ricardo de Almeida. Isso veio trazer a lembrança da época em que trabalhávamos no Encarte Jornal do Sertão, quando fui o redator do matutino, Marcel e Roberval Ribeiro, diagramadores. Trazendo notícia daquele estado do Sul, Marcel falou-me dos seus irmãos, hoje escritores Marcello Ricardo Almeida e Morche Ricardo Almeida, cuja família dedicou-se às letras e às artes, vencedores longe do Nordeste.

Vou debulhando trabalhos presenteados pelo escultor como “O Dente Cariado de Monalisa” e mais um ensaio do ex-companheiro de jornal (gerente de vendas) Marcello Ricardo. Do escritor Morche, vieram juntar-se à “Bruxa do Ribeirão”, da sua autoria, “A Pândega do Boi”, o programa oficial da 20ª Feira do Livro, realizado em Florianópolis, com a participação do escritor de Santana e mais um mini folheto que conta a origem do mundo visto através do povo africano. Este último trabalho, leva o título de “Vovô Jejê-Nagô e o mito afro-descendente dA ORIGEM DO MUNDO”. É que o amigo Morche é historiador e africanista em Blumenau e vive no ambiente da Educação e nos salões da Literatura.

“A Pândega do Boi” é um livro destinado a cinco contos, puxados pelo “Pândega” que trata da tão conhecida nacionalmente “farra do boi”.

Faz parte da literatura dos Almeida, também, a mãe dos escritores acima, Maria do Socorro Farias Ricardo, que resolveu enveredar pelas misteriosas e gratificantes veredas literárias, acompanhando os batedores.

O resultado é que a família produziu livros para todos os gostos, porém, o Marcel preferiu trabalhar na madeira. Suas obras são vendidas para vários países e, o escultor trabalha sob encomendas. Lembro-me que entrevistei Marcel e Maria do Socorro quando dispunha de um programa (Forró da Academia), na Rádio Cidade, em Santana do Ipanema.

Sucesso para todos os que fazem a família Almeida na pessoa do Morche e seu VOVÔ JEJÊ-NAGÔ.

BOI DA CARA PRETA

Clerisvaldo B. Chagas, 22 de julho de 2014.

Crônica Nº 1.225

bumbaRecentemente, em uma roda de amigos, foi abordado o tema: aplicações de hormônios em carne de frango e, outros assuntos semelhantes que fizeram acumular boa quantidade de escuros vasilhames sobre a mesa.

Contei que essa desconfiança em relação à carne é até bem antiga. Nos anos sessenta correu o boato no Brasil que o homem não deveria comer do boi de Minas Gerais, justamente por causa de certos tipos de injeções nos rebanhos, daquele estado. Em Santana do Ipanema, mesmo, compadre, lá no sertão de Alagoas, as mulheres andavam preocupadas e os marchantes eram interrogados constantemente sobre a origem das reses abatidas. As senhoras tinham um medo danado de que os respectivos maridos extinguissem o vigor sexual. E o pior: virassem coluna do meio.

Para esquentar o boato, chegou um sujeito à cidade e foi morar na Rua Nova. Era um cinquentão, tinha a cara quadrada, cabelo de índio, fumava bastante e, parece-me que se relacionava com música. Logo chegou o Carnaval e o sujeito improvisou um bloco que ele mesmo comandava, tocando violão à frente e, a “bebaria” pulando atrás. Sempre pensei que a composição fosse dele, mas em recente pesquisa, descobri que os autores eram: Paquito/Romeu Gentil e José Gomes. Foi cantada por vários cantores, como marchinha de carnaval, inclusive pelo grande Jackson do Pandeiro:

“Olha o boi da cara preta…

Olha o boi da cara preta… (Menino)

Olha o boi da cara preta…

Olha o boi da cara preta…

Coitado do Valdemar…

Tá dando o que falar…

Comeu carne de boi e falou fino…

E deu pra se rebolar… (Que azar).”

Vocês imaginem como ficaram as interrogações no Mercado de Carne e no curral do abatedouro!

Cinquenta anos depois desses vexames, volta à tela o produto que transforma o macho em pirobo (ô). Montado no presente e espiando o passado, com licença:

Olha O BOI DA CARA PRETA, aí gente!

MASTIGANDO A ENTREVISTA

Clerisvaldo B. Chagas, 21 De julho de 2014.

Crônica Nº 1.224

Foto: Arquivo

Foto: Arquivo

Recebemos em nossa residência, final da semana passada, um grupo de jovens estudantes para uma entrevista curiosa. Queria o grupo de rapazes e moças saber os mistérios do gênero literário: “crônica”. A entrevista fazia parte dos acirrados estudos para as Olimpíadas da Língua Portuguesa.

Fomos logo rodeando o prato quente para o ataque final ao miolo. E, fazendo como o nosso saudoso mestre, Alberto Nepomuceno Agra, colocamos os conselhos à frente, mesmo lembrando das más línguas sertanejas: “Se conselho fosse bom era vendido”.

De fato, a crônica, essa narração curta produzida essencialmente para ser veiculada em páginas de jornal e revistas, agora também em livros e sites, deriva do Latim chronica. No início do Cristianismo funcionava como um registro cronológico daqueles eventos. Com o desenvolver da imprensa (século XIX), a crônica passou a fazer parte dos jornais, desde 1799, em Paris. Ao chegar ao Brasil como forma literária, adquiriu novas características.

Nos jornais e agora nos sites, a crônica, geralmente ocupa o mesmo espaço e a mesma localização, fazendo com que os leitores possam se familiarizar com quem escreve. A crônica pode ser apresentada pelo jornalista que não deve alterar os fatos. Já o escritor trabalha entre as duas linhas, isto é, literatura e jornalismo, sempre com esse texto curto que pode ser o registro diário das coisas com um pouco de crítica e ironia. É como se o autor estivesse sempre dialogando com seus leitores. Os temas, entretanto, são os mais variados possíveis e o cronista imprime seu estilo de escrever que logo é identificado pelo legente costumeiro. O dia a dia é captado pelo escritor como o jornalista, mas o cronista põe os seus ingredientes próprios e a sua visão particular dos acontecimentos narrados.

Encontramos a crônica narrativa de fatos banais, a descritiva, dissertativa, narrativo-descritiva, humorística, lírica, poética, jornalística que pode ser policial, desportiva, como exemplo, e, até mesmo histórica.

Mas, voltando ao início, após algumas dúvidas, à altura das suas compreensões, propusemos uma crônica só, confeccionada por todos. Assim demos o título “Dia de Azar”, e rompemos o trabalho. Os estudantes iam acrescentando suas frases dentro do título proposto e assim compusemos juntos a crônica “Dia de Azar”, cujo desfecho foi belas gargalhadas e a segurança por parte dos jovens em tentar vários outros trabalhos sem ajuda.

E, se o importante não é fornecer o peixe, mas ensinar a pescar, desejamos sucesso aos estudantes santanenses e sertanejos em geral nas Olimpíadas da Língua Portuguesa.