Vicente e Nanete: do Litoral ao Sertão, uma história recíproca de amor

Foto: Arquivo Familiar

Foto: Arquivo Familiar

Recém convocado para compor as fileiras da Polícia Militar de Alagoas, o soldado Vicente Alves da Silva, recebe determinação do seu comando para fortalecer as tropas que prestavam serviços no Sertão do estado.

O ano era 1951 quando desembarcou em terras sertanejas o jovem Vicente Alves da Silva, oriundo da capital alagoana. O Estado era governado por Arnon Afonso de Farias Melo, enquanto isso Santana do Ipanema, a Rainha do Sertão, a qual se destacava como região promissora na economia agrícola, recebendo posteriormente o título de “Terra do Feijão”, se encontrava sob o comando político do prefeito Adeildo Nepomuceno Marques.

Com o coração cheio de esperança e obediente à sua corporação, o militar logo se enturmou com populares e, mesmo tímido, a cada momento construía novas amizades por todo o município, assim como fez ao longo de sua vida.

Na década de 1950 a juventude santanense se reunia nas imediações do Cine Glória, no bairro do Monumento. A casa de entretenimento vivia o auge da diversão, com exibições de grandes clássicos do cinema nacional e internacional, sempre aos sábados e domingos.

Naquele clima de trabalho e distração, o jovem militar enxergou pela primeira vez o olhar da sua amada. Ali o destino lhe reservou o que de melhor poderia ter acontecido em sua vida. Não demorou para que o moço se aproximasse daquela donzela que já arrematara o seu coração, fazendo com que nunca mais pensasse em voltar para a capital.

Filho de seu Antônio Plácido Silva e dona Valdomira Alves da Silva, Vicente Alves, que jamais tinha visitado o sertão, era natural da cidade de Viçosa, tendo ido morar ainda criança em Maceió, enquanto sua namorada, a jovem Maria Nanete Oliveira, havia nascido no Povoado Pedra d’Água dos Alexandres. No momento em que os seus olhares se cruzaram pela vez primeira, a jovem, que lecionava na zona rural de Santana do Ipanema, visitava a residência de sua tia Nina, na Avenida Coronel Lucena, como era de costume, sempre que tinha oportunidade.

Até que os dois estivessem enamorados e concretizassem as núpcias, tudo correu de acordo o protocolo tradicional da época e da localidade. Vicente cortejava a jovem Nanete, mas para que o seu sonho se tornasse algo concreto seria necessária a autorização dos pais da moça, Miguel Fernandes Oliveira e Francisca Fernandes Oliveira, residentes no Povoado Pedra d’Água dos Alexandres.

A data que marcou uma nova história na vida do casal foi outubro de 1953. Numa manhã ensolarada de terça-feira, a matriz de Senhora Santana testemunhou a cerimônia matrimonial do casal Vicente Alves e Nanete Oliveira: o único e eterno amor do “praça” oriundo da capital, que antes daquele momento distinto já agradecia ao comando da Polícia Militar o fato de tê-lo convocado para uma missão especial na região sertaneja.

Para o casal de sertanejos, que criou seus dez filhos a fim de que um dia pudesse vê-los formar suas famílias nos padrões educacionais da religião católica, a qual praticava, a simpatia foi recíproca com aquele que se tornaria um membro da família. Seu Miguel e Dona Francisca, carinhosamente chamada de “Dona Francisquinha”, não tiveram dificuldades para aceitar o galanteio do militar, que a essa altura já era bastante popular e muito querido na cidade.

Sob as bênçãos do padre Jeferson, pároco auxiliar do cônego Luis Cirilo da Silva, o casal Vicente Alves e Nanete Oliveira passa a viver os seus novos desafios. Inicialmente o casal morou na Rua Barão do Rio Branco, até realizar o sonho da casa própria, onde mora até hoje Dona Nanete, na Avenida Martins Vieira.

Sempre firme nas suas atividades laborais, com exemplo e retidão, Vicente Alves galgou o posto de 3º Sargento da Polícia Militar. Na década de 1970, com intuito de encaminhar os seus filhos para a vida profissional Seu Vicente dá suporte para o funcionamento de uma banca de revistas, o que lhe daria posteriormente o epíteto de “Seu Vicente da Banca de Revistas”.

O “Sargento Vicente”, como era mais conhecido por seus colegas de farda, entre outros hobbies, gostava de futebol.

Com todos os percalços, mas também aproveitando as bênçãos que a vida lhes reservou, o casal conseguiu educar e entregar para a o mundo seus oito filhos: Carlos Alberto, Miguel Antonio, Carlos Jorge, Ana Lúcia, Paulo Fernando, Adenilson, Roberto Cezar e Maria Élcia.

No dia 25 de julho deste ano, véspera do dia em que a cidade que o adotou homenageia sua padroeira Senhora Santana, Dona Nanete, filhos, netos, genros, noras e amigos receberam, com pesar e tristeza, a notícia do falecimento de Seu Vicente. Naquele momento ele acabara de cumprir sua missão aqui na terra. Este viveu 84 anos, sendo 63 deles dedicados a Santana do Ipanema e sua família.

ESCRITOR FARÁ PALESTRA NO CAIITE

O escritor santanense Clerisvaldo B. Chagas, será um dos palestrantes do Congresso Acadêmico Integrado de Inovação e Tecnologia – CAIITE.

O Escritor Símbolo de Santana do Ipanema, falará sobre “Rio Ipanema, fonte de vida para o município”. Chagas representará a AGRIPA e terá a árdua missão de comentar sobre a importância ecológica e financeira da corrente d’ água mais importante do sertão alagoano com suas características intermitentes.

A palestra do escritor Clerisvaldo B. Chagas, acontecerá na próxima segunda-feira (18) às 21 horas, na sala Órbita dos Cometas da UNEAL.

A Associação Guardiões do Rio Ipanema – AGRIPA – fará na sessão semanal na tarde de hoje, as últimas recomendações para que a palestra do seu representante tenha êxito garantido. Os guardiões já adiantaram que o palestrante será auxiliado por outros membros da Equipe, inclusive, coadjuvado pelos cantores e compositores Ferreirinha e MM o Imperador do Forró.

A propósito, o escritor terá como base o livro “Ipanema, um rio macho”, um paradidático da sua autoria, lançado em 2001, pela Grafpel e que tem alcançado enorme sucesso no Nordeste.

ABÍLIO PEREIRA DE MELO

Santana do Ipanema, 14 de agosto de 2014

Crônica 1.240

Foto: Domínio Público

Foto: Domínio Público

Revendo o mapa do comércio da minha terra, década de 60, (livro: O boi, a bota e a batina, história completa de Santana do Ipanema) vou me deter em armarinho, na “Casa Atrativa”. A Casa Atrativa estava localizada no antigo “sobrado do meio da rua”, demolido pelo prefeito Ulisses Silva, em sua 2º gestão (1961-1965). Ela ficava na esquina do prédio, mais próxima da subida pela Rua Coronel Lucena. Na parte de trás do prédio, no alto do sobrado, havia um alto-falante das notícias da rádio da prefeitura para o seu programa: “A voz do Município”.

Era ali, tendo como vizinhas outras casas comerciais como Arquimedes autopeças (no meio) e a Casa Triunfante de José e depois Manoel Constantino, na outra esquina. Entre essas duas últimas estavam sempre no seu ponto, o João Engraxate com sua cadeira-trono, muito procurado na época.

Abílio Pereira de Melo, que também fora vereador em Santana e presidente da Câmara em 1951, negociava com produtos de armarinho, possuindo mostruário no próprio balcão, em caixotes horizontais de madeira e cobertura de vidro.

Assumira a prefeitura com o afastamento do coronel José Lucena de Albuquerque Maranhão, prefeito, para se candidatar a deputado. O comerciante, também chamado de Seu Abílio passara apenas poucos meses no comando do município. Abílio Pereira também era fazendeiro nas imediações da Imburana do Bicho puxando para a Timbaúba, faldas da serra da Camonga.

Com a demolição do prédio do meio da rua e do sobrado do meio da rua ─ construídos nos tempos de vila para fins comerciais ─ Seu Abílio passou a negociar abaixo do atual prédio do Banco do Nordeste, ocasião em que ergueu o primeiro prédio de dois andares do comércio de Santana do Ipanema, três andares contando com o térreo. Ali no largo Senador Enéas de Araújo, Abílio Pereira de Melo passou a negociar com ferragens, auxiliado por seu filho Neilton Pereira. Neilton e sua irmã haviam sido ótimos colegas de turma, em nossos estudos no antigo Ginásio Santana, escola Cenecista.

Morando na primeira esquina da Rua Martins Vieira, por muitos anos, Abílio Pereira foi um dos destaques do município, entretanto, não anda bem visível uma homenagem pública aos saudosos Manoel Celestino das Chagas, Tibúrcio Soares ─ figuras importantíssimas na terra ─ e ABÍLIO PEREIRA DE MELO.

O TREM DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS

Clerisvaldo B. Chagas, 13 de agosto de 2014

Crônica Nº 1.239

Foto: Ilustração

Foto: Ilustração

Toda a movimentação entre o interior sertanejo e a capital Maceió, era feito através de navios. Ia-se até Pão de Açúcar, cidade ribeirinha do rio São Francisco, onde se embarcava em um navio (vapor) até deixar o rio através de Penedo, ganhando-se o oceano Atlântico.

Quando a via férrea em Alagoas, chegou da capital até a cidade de Viçosa, já foi considerado um grande avanço para o sertão. Quem tinha negócio a resolver na capital, saía do sertão e alto sertão a cavalo até a cidade de Viçosa, onde tomava o trem. Não temos a certeza em quanto tempo o cavaleiro rompia as léguas que separavam o semiárido de Viçosa, Zona da Mata Alagoana. Calculamos em, aproximadamente, três dias.

Foto: Ilustração

Foto: Ilustração

No livro “O boi a bota e a batina, história completa de Santana do Ipanema”, vamos ler sobre o ex-intendente de Santana, padre Manuel Capitulino de Carvalho, chegando de Maceió a Santana do Ipanema, com mais de cem cavaleiros, vindos do desembarque do trem, em Viçosa. Entrava-se na cidade pelos subúrbios Bebedouro, Maniçoba e a festa era grande com duas bandas de músicas santanenses em recepção aos cavaleiros.

Depois o progresso adiantou os passos e o trem de Viçosa chegou mais perto, até a cidade de Quebrangulo, no patamar dos 500 metros, entre o Agreste e a Zona da Mata. Isso fez com que os cavaleiros reduzissem suas cavalgadas, porém, chegar a Maceió ainda era um grande sacrifício.

Posteriormente o trem chegou até a cidade de Palmeira dos Índios, perto da fronteira entre agreste e sertão. Houve ainda projeto para o cavalo de ferro chegar até Santana, mas nada disso aconteceu e o trem foi desviado rumo a Arapiraca e rio São Francisco.

Nessa fase, ainda dá para lembrar quando alguém da família levou-me até Palmeira dos Índios numa longa viagem de estrada de barro. Na Princesa do Agreste, dormimos para embarcar no trem antes de amanhecer o dia, andando pelas ruas escuras de Palmeira dos índios.

O progresso continuou e tivemos, então, a primeira rodovia asfaltada de Alagoas, década de 50, Palmeira-Maceió. Aliviava para o sertanejo que saía do sertão a Palmeira através de carro de aluguel ou “sopa”, apelido do ônibus, na época. Pensemos nas dificuldades, principalmente em tempo de inverno.

Somente quando o asfalto chegou a Santana do Ipanema, tudo mudou. Viagens com os mais diferentes transportes que duravam dias, passou a acontecer em apenas três horas.

Hoje procuramos o trem. O TREM DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS.

BULHÕES E O TEMPO

Clerisvaldo B. Chagas, 12 de agosto de 2014

Crônica Nº 1.238 

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

Vendo a figura de Silvio Bulhões, filho de Corisco e Dadá, nas redes sociais, demos uma boa recuada no tempo. É que sempre tivemos a expectativa de que o professor do curso médio e funcionário público estadual escrevesse um livro sobre o seu pai adotivo. Achamos, porém, que Silvio não pensou no assunto quando na realidade tinha o “diabo louro” na cabeça.

Ficamos pensando, então, porque outras pessoas ilustres que viveram e conviveram com o pároco não o fizeram. No livro “O boi, a bota e a batina, história completa de Santana do Ipanema”, todos os padres que serviram as duas Paróquias estão representados, entretanto, o significado do padre José Bulhões para Santana do Ipanema e sertão alagoano, ganha relevo na influência regional do catolicismo no semiárido.

O vigário, oriundo da região sanfranciscana de Belo Monte, Alagoas, nascera em 03 de junho de 1886. Ordenara-se na Catedral de Maceió, em 08 de dezembro de 1912 e, dois dias após, celebrava a sua primeira missa na capela do Senhor Jesus do Bonfim, no Bairro do Poço, na mesma Maceió.

Em 1917, Bulhões chegou a Santana do Ipanema como coadjuvante do padre Manoel Capitulino de Carvalho que também era político. Tomou posse como vigário da Paróquia de Senhora Santa Ana aos 26 dias de janeiro de 1919, contando com trinta e dois anos de idade, completos. Passou para a história conhecido como padre Bulhões e, seu período foi muito conturbado entre secas, cangaceirismo e movimentos volantes da polícia de Lucena Maranhão.

Bulhões se entendia muito bem com Lucena. A partir da morte do coronel comerciante, Manoel Rodrigues da Rocha, em 1920, assumiu papel preponderante da história municipal, tornando-se figura de destaque em parceria com José Lucena, até o seu falecimento acontecido em 17 de outubro de1952.

Muitos episódios em Santana e região envolvem o padre Bulhões que depois se tornou cônego. Foi ele o responsável pela segunda reforma da igreja Matriz da Padroeira, com o padre Fernandes Medeiros (pró-pároco) natural do Poço das Trincheiras, 1949-1951.

Bulhões participou de todos os eventos sociais de Santana, exercendo rigorosa liderança local.

Com o seu falecimento, o padre Fernandes Medeiros foi deslocado para Penedo, ganhando assim a Paróquia um novo vigário, vindo da serra da Mandioca, Palmeira dos Índios. Começa nova fase santanense com o padre Luiz Cirilo Silva, o mais popular dos vigários de Santana. É assim que o livro da nossa autoria: “O Boi, a bota e a batina, história completa de Santana do Ipanema”, apresenta isso e muito mais em BULHÕES E O TEMPO.

O SINAL E A SANTA CRUZ (Parte I)

A porta que dava pro terreiro dos fundos se abriu. Lá dentro tudo escuro. Pondo ainda mais luto na viuvez, de marido vivo, de minha vó, que olhava a luz do mundo. E de tanto olhar, viu mais um dia chegando. O primeiro, do mês de agosto. Sequer deu-lhe passagem, mesmo assim ele entrou. Gélida mão do tempo, penteara seu fino cabelo liso. Com tanta força e vontade o fizera que se tornaram brancos como as nuvens que estavam lá. Seus olhos, duas pedras de sal, de lágrimas que nunca caíram pelo seu rosto. E toda a verdade do dia, sem dó nem piedade viera lhe abraçar. Triste, tristemente frio. O terral fumou o caminho da roça. Fumou a serra, e a roça. Não dava pra ver, mas estava tudo lá. Sempre estariam. As nuvens escondiam tudo o que tinha nela, e pra além dela.

A casa da roça era de taipa. Cedo ainda o feijão ia pro fogo, a lenha. Meu avô dali a pouco iria pra barbearia. No gole de café de ver pela janela, a quebra do jejum. A filha primogênita sonolenta surgiu no umbral da porta do quarto. “Sua benção meu pai.” “Deus lhe abençoe.” “-É pra você ir pra roça. Catar algodão mais sua mãe. O tempo promete muita chuva! E se não for catado vai se perder.” Se amanhecia com neblina, era sinal de um dia muito quente, e era. Assim o sertanejo conseguia decifrar ao longo dos tempos, os sinais vindos dos céus. Tudo isso ia passando de geração a geração. E na hora oitava, da primeira metade do dia, se fez com muita luz e calor, abafado. Como se era esperado. Os capuchos de algodão saltavam do pé pro saco feito pipoca. E a moça dos olhos tristes de cristãos, sem costume da lida da roça acabaria adoecendo. Lá da infância voltou a asma, reação alérgica, a poeira vermelha da estrada, o cisco do mato seco. Com água quente de barreiro banhou o rosto, em fogo. Tinha muita sede mas não tinha coragem de beber. O sol ardendo na cabeça. A noite teve alucinações, sonhou com seu primo, que foi pra São Paulo, que um dia prometera vir buscá-la. E o enorme sapo que quase não a deixou passar na estrada, saltando entre as poças d’água, sem o beijo da quebra do desencanto, jamais se transformaria no seu príncipe encantado. Madrinha Moça ao pé da cama enxugava o suor da testa, da sua febre alta, dos delírios. E ouvia toda confidência duma alma cheia de ansiedade, medos, dúvidas. E a beberagem feita com fezes de porco, que era tida como remédio eficaz, a mãe não a obrigou beber. Também achou asqueroso, fétido! Moreninho farmacêutico quando chegou das bandas do Capim, recomendou quatro injeções, que só ia encontrar em Santana. Um motorista dum caminhão Ford que vinha somente dia de feira, dias depois traria a encomenda. Depois de três delas aplicadas, se sentiu curada, e acabaria não tomando a quarta.

Manoel nunca voltaria pra revê-la. As cartas cheirando a pó de arroz, amarradas com fitilho vermelho, traziam num cantinho escrito à nanquim, em esmeradas letras cursivas: “A você que tanto amo, com muito amor…”. De tão triste, e de tanto esperar, desbotaram, as cartas e o amor. E para sempre guardas ficariam numa lata de bombons Sonho de Valsa. O casal na embalagem indiferentes ao que acontecia dançava e dançava. Ao som do bandolim, cujas notas musicais se materializando iam trazendo um gosto cor de rosa. O primo “Casteado” acertou um dia de serviço pra fazer o serviço que a moça não conseguiu terminar. E sentado bem ali, naquele banco que tem o apelido de “Péla Porco” comeu cuscuz com leite, numa tigela de barro de louça que não tinha mais tamanho. Segurava pelo fundo com uma das suas enormes mãos, bem próxima do rosto, enquanto a colher vadiava noutra. Queria saber: “-Por que madrinha Amância botou luto, se padrinho Thomaz estava vivo?” Era uma promessa que tinha feito a “meu” padrinho Ciço Romão Batista. Outra pergunta: Queria saber qual era. Não contaria pra não perder de alcançar a graça. A moça sabia, a promessa era porque tinha receio de estar grávida. Uma gravidez que acabaria se confirmando, e ficaria morta de vergonha. Na idade que estava, grávida! Seria motivo de comentários, e isso era odioso. Nos próximos nove meses não mais sairia de casa pra rua. Seria de casa pra roça, assim mesmo de madrugada. Se a promessa não vingasse, a criança nasceria no finalzinho do mês abril, do ano vindouro.

A criança, uma menina, deu de vir ao mundo. Tanta foi a comoção, e a moça chorou quando viu pela primeira vez a irmãzinha. Aquele novelinho de gente, chorona que só! Os cabelinhos preto, a pele vermelha, ora todo mundo estava vendo, que ia ficar moreninha. E assim foi. Contava com sete anos mais ou menos estava a mesa, a tomar café com leite, num pires. A dar chupões no beiço da louça produzindo barulho característico. Ao tempo que fazia uma munganga, um requebro. De repente caiu de rosto no chão, um caco do pires quebrado provocou um corte enorme próximo ao supercílio direito, o que deixaria imensa cicatriz. Cresceu, esticou-se mais que a irmã, virou moça também. Metiam-se a cantar durante os afazeres doméstico, varrer a casa e forrar as camas o serviço de Maura. O mais pesado, o da cozinha, ficava com a irmã mais velha, que em vão reclamava. Filha caçula sempre fora o xodó dos pais. Um dia, participaria na encenação duma peça, na escola, no papel duma negra empregada. Tantos trejeitos criou pra personagem, a torná-la caricata por conta própria. Muitos risos arrancou duma platéia surpresa. Leônidas um rapazote metido a galanteador, pendeu as asas pra Maura. Os pais do moço, no entanto, não aprovaram o namoro nem bem começado. Temiam que desse em casório cedo. Cuidavam que devia estudar, se formar, trabalhar. Mandaram-no pra Cacimbinhas, pra casa duns parentes, como se fosse o fim do mundo, e era. Chegou Juvêncio vindo de Pão de Açúcar, conquistou o coração da morena, e a menina acabaria nos pés do altar, declarando fidelidade pro resto de sua vida aquele pedreiro, metido a pescador, fichado no Dnocs. Um dos que estava na turma que sentou as pedras de fundação da ponte General Tubino.

João Doroteu, irmão da minha vó, gostava de cantar em velórios. Quando alguém morria nas redondezas, ele era avisado e lá ia cantar no velório. Naquele tempo, velava-se um defunto com cantoria a noite todinha. Sendo os cantores acompanhados por tocadores com seus instrumentos musicais, sanfona, viola, até amanhecer o dia. Quando foi um dia, lá estava João Doroteu velando um morto. Às seis da manhã, o caixão saiu para o sepultamento. Naquele mesmo dia Seu João se encontrou com o compadre Antonio Tenório, no povoado Pilões, foi um encontro ao acaso, os dois conversavam e ele lhes dizia: “-Esta noite compadre, enquanto velava um defunto, eu tive uma visão: Um sinal. Dizia que num determinado local, bem adiante daqui, num lugar onde há uma Santa cruz na beira da estrada, dois homens estariam de tocaia, lhe preparando uma emboscada. De modo que o melhor que compadre faz é não viajar esta noite. Vamos pernoitar numa pousada que tem aqui, amanhã viajaremos, retornaremos por outro caminho” O compadre concordou.

Quando o dia amanheceu, Antonio Tenório acudiu a chamar o compadre pra viajarem. Achou estranho pois ele não se encontrava mais ali. Pensou, lá com ele mesmo: “-O compadre devia estar apressado, se adiantou.” E voltou sozinho pra casa. Mantendo o cuidado de não passar no local onde estaria a tocaia. Assim chegou ao destino, tendo retorno seguro. Qual não foi sua surpresa ao chegar a casa, e ficar sabendo que seu compadre João Doroteu. Naquela noite que ele jurava tê-lo encontrado, jamais fora ao povoado Pilões. Enquanto cantava Tivera um enfarto e morrera, na casa onde velava um defunto.

Fabio Campos

ONDE O GUERREIRO MORA

Clerisvaldo B. Chagas, 10 de agosto de 2014

Crônica Nº 1.237

Foto: Ascom Maceió

Foto: Ascom Maceió

A friezinha do mês de agosto não quer me deixar sair da cama. O quentinho do leito faz imaginar que lá fora está caindo gelo. Sertão de Alagoas. Chuva fina sem parar, noite e dia, comadre. O espanta-boiada corta os ares com o seu grito estridente, anunciador. Vai para as baixadas do relevo, às margens encharcadas do rio Ipanema. Uma força segura no lençol, outro impulso chama para o cafezinho quente, para a luz do dia. É o mês de agosto com suas caracterizadas chuvas constantes e frio de matar lavoura. Nem sei o porquê, vem à cabeça o guerreiro, peça folclórica genuína desse território. Lembro-me de uma empregada da casa de meu pai ─ figura de guerreiro – e reforço o pensamento da moçona Expedita:

O avião

Subiu

Se alevantou

No ar

Se peneirou

Pegou fogo

E levou fim…!

Os pingados maneiros sobre o teto, os garranchos da chuva fina, tangidos pelas lufadas do vento brando, trazem a voz também de espanta-boiada de Clemilda, a cantora, que tanto admiro:

Mestre Pedro

Eu saí de Penedo

Domingo bem cedo

Às seis horas…

Só agora

Estou recordando

Sou alagoano

Onde o guerreiro

Mora…

E diante da xícara fumegante, parece que chegam as explosões folclóricas como se dissessem: “Vamos dançar guerreiro, Clero”. Credo em cruz! Sabem até o meu apelido carinhoso, de família. Volta Expedita com o seu folguedo:

Toda mata tem espinho

Toda lagoa tem peixe

Toda velha tem “me deixe”

Toda moça tem carinho…

O mundo hoje está mais para crônica do que para cronista. Ô meu Deus, só mais um pouquinho na cama, Jesus.

É o canto da Clemilda:

Me lembrei

De Palmeira dos Índios

Pra lá vou seguindo

Agora…

Sou devoto

De Nossa Senhora

Sou alagoano

Onde o guerreiro

Mora…

Arre! Que frieza! Só tenho compromisso à noite. Ah é? Vamos dormir mais um pouquinho, eita quenturinha boa, a do lençol.

Sou alagoano

ONDE O GUERREIRO

MORA!…

JUAZEIRO

Clerisvaldo B. Chagas, 8 de agosto de 2014

Crônica Nº 1236

Ilustração

Ilustração

Após a nossa série de quatro crônicas sobre o padre Cícero, tornou-se necessário apresentar um pouco da árvore chamada juazeiro.

O juazeiro é uma árvore típica do sertão nordestino, muito apreciada pelo sertanejo e que resiste a seca. Cantada e decantada por inúmeros cantores do Nordeste ─ inclusive Luiz Gonzaga ─ ela é uma planta de lugar quente, adaptada ao semiúmido e semiárido, mas também viceja em clima úmido.

O juazeiro é uma planta de regiões secas, mas gosta de lugares onde possa retirar água do subsolo, em baixadas e margens de riachos. Interessante é que encontramos essa árvore em todas as zonas ecológicas do Nordeste, inclusive no norte de Minas Gerais, apesar de ser espécie típica da caatinga.

Acredite se quiser, o juazeiro pode até crescer lentamente, mas pode passar com facilidade dos cem anos.

Interessante é que o juazeiro prima pelo isolamento, isto é, não gosta de formar capão de mato como outras espécies sertanejas bem conhecidas.

Apesar dos fazendeiros não apreciarem derrubar o juazeiro, mas sua madeira pode ser usada em diversas atividades rurais, por causa da sua durabilidade.

Além da sombra, refrigério dos rebanhos, seus frutos amarelos, pequenos e abaulados e, suas folhas, alimentam bovinos e gado miúdo. O juazeiro também pode ser abortivo para as vacas e causar problemas aos animais que ingerem seus frutos em grande quantidade.

Seus espinhos são longos, duríssimos e torneados, causando uma imensa dor grossa e duradora.

Sua madeira também é usada para cabo de ferramentas, caixões, portas, canzis, tarugo e mesmo lenha. As rapas da entrecasca servem de dentifrício e sua casca é bastante usada como tônico capilar e contra a oleosidade. A água do fruto amacia a pele, a casca é usada em dermatoses, a entrecasca, sabendo usar serve contra indigestão e blenorragia, além de tratamento contra tosse, úlcera e bronquite em xarope extraído das folhas. Essa árvore tão querida do sertanejo ainda possui outras propriedades medicinais usadas pelos populares.

E para não cansar o leitor com tantas informações desse símbolo do sertão, suas flores chegam com os meses mais secos, novembro e dezembro, fazendo com que as abelhas aproveitem bem suas floradas (quase única, nessa época) para o mel tão apreciado no mundo rude e civilizado. É assim O JUAZEIRO.

O FIM DA SEDIÇÃO

Padre Cícero (IV) Final da série de 4 crônicas

Clerisvaldo B. Chagas, 7 de agosto de 2014

Crônica Nº 1.235

Foto: Divulgação

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 Em 9 de dezembro de 1913, os jagunços já haviam invadido o quartel da força pública e tomado as armas. Após esse acontecimento o “Círculo da Mãe de Deus” foi feito. As forças estaduais retornaram ao Crato e pediram reforço. Franco Rabelo enviou mais soldados e um canhão. O canhão falhou e a tropa foi derrotada.

Passaram-se alguns dias para a reação do governo central. Tropas da capital juntaram-se aos soldados do Crato. Sem conhecer o terreno e nem a disposição dos jagunços, os atacantes fracassaram. O reforço sofreu demora e o tempo não ajudou no segundo ataque realizado em 22 de janeiro. Outra humilhante derrota para os legalistas. Parte das tropas deixou a região. Enfurecidos, os defensores do Juazeiro partiram para invasão e saques de cidades da vizinhança, inclusive o Crato. Os saques, dirigidos para alimentos e armas, ficaram incontroláveis, pois, aproveitadores partiam também para o roubo de bens pessoais.

Foto: Divulgação

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Houve ainda outra investida legalista, cujo comandante chamava-se José da Penha e que acabou morto na refrega durante o mês de fevereiro, apontado como o último combate.

Foi importante a ida de Floro Bartolomeu ao Rio de Janeiro em busca de apoio como o de Pinheiro Machado.

A Marinha procurou realizar um bloqueio marítimo em Fortaleza com o avanço dos rebeldes em direção à capital. Cercado e sem ter como escapar, Franco Rabelo não passou do dia 14 de março, quando foi deposto. Foi nomeado interinamente Fernando Setembrino de Carvalho, pelo presidente Hermes da Fonseca e novas eleições foram convocadas. Já vimos o resultado com Benjamim Liberato Barroso eleito governador, padre Cícero eleito vice, de novo com o retorno da família Acciolly ao poder.

Em relação ao médico e articulador da luta armada, Floro Bartolomeu, foi eleito deputado estadual e depois federal.

A influência política do padre Cícero Romão Batista, continuou juntos aos coronéis e se estendeu até o final do período da História Brasileira chamada República Velha.

Nem os percalços da política ou da Igreja evitaram a fama adquirida pelo sacerdote do Juazeiro, considerado conselheiro, visionário, ecologista, taumaturgo e santo.

O padre Cícero Romão Batista, nascido em 24 de março de 1844, era filho de Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Romana. Faleceu em 20 de julho de 1934. Após a sua morte aconteceu mais uma das suas inúmeras profecias: “Quando eu morrer é que Juazeiro vai crescer”.

Cícero foi eleito o cearense do século. O povo nordestino canoniza–o a seu modo: PADRE CÍCERO, O SANTO DO NORDESTE.

* Final da série de 4 crônicas sobre o padre Cícero.

A SEDIÇÃO DO JUAZEIRO

(Padre Cícero (II) série de 4 crônicas)

Clerisvaldo B. Chagas, 5 de agosto de 2014

Crônica Nº 1.233

DEPUTADO FLORO BARTOLOMEU E PADRE CÍCERO

DEPUTADO FLORO BARTOLOMEU E PADRE CÍCERO

As desastradas fórmulas da chamada República Velha, fizeram com que acontecesse uma revolta no sertão cearense e que ficou na história como “A Sedição do Juazeiro”. Governava o país, Hermes da Fonseca, sobrinho do Marechal Deodoro, entre 1910 e 1914 quando nesse último ano a revolta foi gerada. Era a intervenção do governo central na política dos estados.

Querendo ampliar o mando da situação e impedir que opositores ocupassem cargos importantes como governador, Hermes criou a “política das salvações” para interferir nos estados contra seus opositores. O presidente apoiava as oligarquias estaduais em troca de apoio à Presidência.

No Ceará, Hermes da Fonseca procurava impedir o acesso das oligarquias de oposição ao governo do estado. O senador gaúcho José Gomes Pinheiro Machado liderava essas oligarquias. As medidas do presidente Hermes, causaram insatisfação nos políticos daquele estado.

Desde 1911 que havia uma disputa entre o padre Cícero e o presidente porque o padre queria manter a família Acioly no poder. Entretanto, em 1912, o presidente retirou os Acioly do comando. Nessa época o padre Cícero ocupava o cargo de prefeito do Juazeiro e de vice-governador do estado.

O interventor nomeado, Coronel Marcos Franco Rabelo, em 1914 começou a perseguir o padre Cícero. Destituiu o sacerdote dos dois cargos políticos e ordenou sua prisão. Os grupos oligárquicos revoltaram-se fazendo com que Floro Bartolomeu liderasse um batalhão formado por jagunços e romeiros em defesa do padre Cícero.

Franco Rabelo envia uma expedição para prender o padre Cícero. No Juazeiro do Norte, porém, havia sido construída uma trincheira em redor da cidade em apenas sete dias e que recebeu o nome pelo sacerdote de “Círculo da Mãe de Deus”. Houve vários combates, sempre com a vitória dos revoltosos. As tropas do governo retornaram à Fortaleza em busca de reforço. Floro Bartolomeu foi ao Rio de Janeiro em busca de apoio de Pinheiro Machado. Enquanto isso, os revoltosos partiram para Fortaleza e depuseram o governador Franco Rabelo.

O jeito que houve foi o presidente Hermes da Fonseca convocar novas eleições para o governo do Ceará. Ficou no cargo Benjamim Liberato Barroso e o padre Cícero retornou ao cargo de vice-governador do estado.

* Continua amanhã.