BONECA DE TRAPO

Eliane estudou no grupo Escolar Padre Francisco Correia. Naquele tempo não passava duma menina, nascendo os peitos ainda. Até os treze anos a Rua de Zé Quirino, era tudo o que conhecia na vida. Seu único mundo. Aquela rua fora o ventre que lhe gerou, a puta que lhe pariu. Filha bastarda, de pai anônimo. Poderia, ser filha do açougueiro, do sapateiro, ou o dono da banca do jogo do bicho. Rua de Zé Quirino, sua casa, sua sala de estar, seu quarto, sua cozinha. As margens do Panema seu quintal. O rio, que tanto lhe deu por herança: pele morena, os olhos castanhos, os longos braços que nadaram, e nadaram aquelas águas. As pernas engrossariam a correr nas suas areias. A escalar as montanhas do Cristo redentor, e do Cruzeiro. A encher a roupa de carrapicho, as pernas de latanhos de rasga-beiço, calombos de urtiga. E os cílios, de tanto mergulho nas águas salobras, pareciam sempre molhados.

De lá do terno passado retornou, numa foto de primeira comunhão, na igreja Sagrada Família. Se havia colocado de pé, ao lado duma fila de meninos e meninas, vestidos de branco. Em segundo plano lá estava. Os garotos trajavam ternos, gravata borboleta e calças curtas, as meninas como freiras mirins. Segurava em cada mão, um catecismo e uma vela enlaçada por uma fita vermelha. Não sendo Eliane o foco principal do flagrante, no entanto, atraía para si a atenção, pelo traje esdrúxulo, uma ínfima blusa, uma mini saia, sandálias de salto. Havia um quê de ingenuidade em seu terno semblante. De criança que não conhecera ainda a maldade humana, não em todas as suas nuanças. Sequer se percebia descriminada pelos demais que ali se encontravam. Muito embora existisse um preconceito, não de todo velado. Jamais imaginava o que o destino lhe preparava. Para sempre a guardaria na mente.

Os filhos de família tradicionais santanenses juntavam-se aos filhos da pobreza da periferia. Nos eventos cívicos e religiosos se misturavam. Desde o velho grupo escolar, onde ocupavam as mesmas bancas, sentados lado a lado. Meninos discriminavam meninas como Eliane por serem pobres. Sem saberem que meninas como ela poderiam ser sua irmã. Somente muitos anos depois ficariam sabendo que seus pais muitas vezes deixavam suas mães em casa e, na calada da noite, ia pra periferia deitar-se com pobres mulheres. E estas se submeteriam aos caprichos sexuais e teria filhas, como Eliane. Com aquelas mulheres teriam filhas, e não trariam o nome do pai na certidão de nascimento. Talvez um dia quando fosse dormir, sonhasse com um pai a pedir a benção, um pai que lhe levasse a passear na festa de Senhora Sant’Ana, e que se lembrasse do dia do seu aniversário. As semelhanças físicas com os filhos legítimos as denunciariam. E viriam as brincadeiras maldosas, as comparações. No grupo escolar, as diferenças quase se anulavam. Quase, não fosse os apelidos, de ”cabelo pichaim”, “boca de caçapa”, “Maria mulambo” que os meninos punham, em meninas como Eliane.

Estávamos no primeiro ano da década de setenta. O sertão enfrentava uma de suas piores secas. Pelas estradas que acessavam as cidades do interior nordestino, levas de retirantes. Deixavam pra trás dias de amargura, a ameaça de morrer à míngua. Preferível partir a ter as tripas puxadas pelo carcará. Virar pasto de ave de rapina, feito suas últimas cabeças de gado assim vitimadas. Pra fugir da fome e da sede implacável, mulheres virariam lavadeiras, engomadeiras, empregadas domésticas, prostitutas. Os homens estivadores, almocreves, jagunços, exímios jogadores de carta. E construíam suas rústicas moradas na periferia das cidades. Caso contrário fazia “A Triste Partida”. Pro sul do país, pra construção de Itaipu, da ponte Rio-Niterói. Seu Ozéias da bodega, depois de ver a propaganda do governo na Revista “O Cruzeiro” foi bater no meio da floresta amazônica, trabalhar na construção da Santarém-Cuibá. A nação brasileira era comandada pelo chefe das agulhas negras General Emílio Garrastazu Médici, com mão de ferro governava. O “Garrafa Azul” perseguiu todo que se mostrasse contrário a sua forma de gerir os destinos do país. Deu um fim as guerrilhas no planalto central. Com uma recessão econômica tacanha pôs freios na inflação, o consumo que já era acanhado refreou. Poucos tinham poder aquisitivo. Só a classe mais abastada podia possuir geladeira e televisão.

A propaganda do governo chegava aos mais longínquos rincões. Até mesmo nos álbuns de figurinha, nas bancas de revistas, que as crianças compravam pra colecionar e colar. Figurões do alto escalão do governo, ministros Jarbas Passarinho, Mário Andreazza, Delfin Netto virados figurinhas que iam coladas, ao lado de cantores da jovem guarda, lutadores de teleket e comediantes. Livros, revistas, almanaques eram as maiores fontes de conhecimento, lazer e entretenimento. As bancas de revistas, cafés, lanchonetes eram pontos de encontro de jovens e intelectuais. Revistas com encartes, discos compactos, fitas k7, revistas com nus artísticos: playboy, Ele e Ela, tinham venda proibida pra menores de 18 anos, virava objeto de desejo dos meninos. Enciclopédias vendidas porta a porta, enalteciam o sesquicentenário da independência, eternizada na música de Miltinho. A Seleção Canarinha de Zagallo, virada mito, nos campos de Guadalajara. O narrador mexicano mais apaixonado por nossos craques que por seus patrícios. Lá fora ficávamos conhecidos como o país do futebol, do samba de Dorival Caymmi, das mulatas de Sargentelli, pintadas por Di Cavalcanti. Portinari retratou o sofrimento do retirante. Ter um fusca e um violão, era um sonho nacional. As mulheres imitavam os trajes e o cabelo de Jackeline Kennedy, O homem pisando na lua, Onassis o símbolo de riqueza. “Dona Flor e Seus Dois Maridos” da cidade de Salvador, da Bahia de todos os santos, de todos os pecados, de Jorge Amado. Leila Diniz quebrando tabus. Foi vendo e vivendo tudo isso que Eliane cresceu.

Cedo Eliane aprenderia que viver não era nada fácil. Cedo aprenderia que o mundo em que vivia, era um mundo cão. Via, sem ter direito a perguntar nada, homens de toda espécie, jogadores de baralho, boêmios, comerciantes, feirantes, entrarem na sua casa, e no dia seguinte irem embora. Homens que olhavam pra seu corpo de menina, com olhares de cobiça, de gulodices. Demorando-se propositadamente sobre seu sexo, peitos e bunda como se sevassem. Lá dentro do Panema, bolinada seria por um rapaz afoito pra quem deu ousadia. A primeira menstruação veio quando estava brincando de pega com outras meninas. Pensou que tivesse levado um corte. A mãe explicou-lhe “-Minha filha você agora é uma moça.” Por noites teve febre, delírios, pesadelo. Sonhou com um homem negro, muito gordo, vestido de paletó e gravata com chapéu de massa na cabeça, sapatos lustrosos, anel de ouro com pedra verde no dedo. Dizia que sua mãe tinha morrido a pegava no colo e a levava. Era noite, e iam entrar num carro preto que estava estacionado a porta. Dentro do carro o chofer lhe sorria um sorriso cínico, com um dente de ouro brilhando. E queria gritar por sua mãe, mas não conseguia.

Eliane decidiu que já era tempo de ir embora. A Rua de Zé Quirino ficara pequena, Santana do Ipanema não fazia mais, o menor sentido. Estudar pra quê? A sétima série já repetira duas vezes, cansada estava de estudos. Namorou um rapaz que tinha o apelido de “Bem-te-vi”. Com ele perdera a virgindade, também com ele provou maconha pela primeira. Afinal já fizera dezesseis anos. E com outra amiga foi morar em Maceió.

Na capital alagoana Eliane aprenderia muito mais. Se Santana do Ipanema descobrira o mundo cão. Maceió apresentou-lhe as delícias do inferno. Pouco a pouco foi se inteirando do poder que exercia sobre os homens. Poder de tirar do próprio corpo seu sustento. Decidiu que dele, e com ele, ganharia fama e fortuna. Investia parte dos ganhos em salões e academia. Em pouco tempo o que era belo, tornou-se extremo. Exuberância de seios, coxas e bunda colossal. Nada mais nela lembrava aquela cândida figura da fotografia. Queria tornar-se famosa, tanto que sua terra natal tivesse orgulho da filha ilustre. Pra isso precisava ser manchete. Mandou um aviso pra um jornalista duma emissora de tevê, dizendo que seria a primeira garota a fazer Top Less em praias Alagoanas. Hora, e local combinado. Noutra semana Eliane foi primeira página do jornal de maior circulação no estado. Passou a ser programa de celebridades, políticos e era vista frequentando festa de gente importante. Até um sambista carioca lá da Vila Isabel, de renome nacional, compôs uma música pra ela.

“Teka rendeira, Eliane praieira/ Vamos pra Paripueira/Vamos pra Paripueira/ Vai ter sururu/Vai ter sururu/E o maré fica na beira da Lagoa de Mundaú/ Da Lagoa de Mundaú/Da Lagoa de Mundaú.

Mas o tempo cruel, vertiginoso com seu prazer mórbido, de enterrar na areia movediça do destino os mais coloridos dos sonhos. E nossa boneca de trapo novamente voltaria a ser destaque nos jornais. Desta vez, na página policial. Nua sobre uma cama de quarto de motel Eliane. Morta com três tiros.

Fabio Campos 18 de Fevereiro de 2015

ESCOLA DE SAMBA

Clerisvaldo B. Chagas, 23 de fevereiro de2015

Crônica Nº 1.372

Foto: G1

Foto: G1

“Escola de Samba é um tipo de agremiação de cunho popular que se caracteriza pelo canto e dança do samba, quase sempre com intuito competitivo. Sendo um tipo de associação originária da cidade do Rio de Janeiro, as escolas de samba se apresentam em espetáculos públicos, em forma de cortejo, onde representam um enredo, ao som de um samba-enredo, acompanhado por uma bateria; seus componentes ─ que podem ser algumas centenas ou até milhares ─ usam fantasias alusivas ao tema proposto, sendo que a maioria destes desfila a pé e uma minoria desfila sobre ‘carros’, onde também são colocadas esculturas de papel machê, além de outros adereços”.

“(…) o desfile de cada escola de samba é um trabalho considerado comunitário. Muito além de um grupo musical, as escolas frequentemente tornaram-se associações de bairros que cobrem a problemática social das comunidades que elas representam (tais como recursos educacionais e de cuidados médicos)”.

Lá no sertão de Alagoas, em Santana do Ipanema, houve tempo, na quarta metade do século XX, de tentativa de pelo menos uma escola de samba. Era uma coisa modesta, mas muito animada, de organização particular e empresarial quando o dinheiro corria com fartura na mão de poucos. Sua resistência não demorou tanto, pois o empreendimento é coisa mesmo para São Paulo e Rio de Janeiro. Movimento carnavalesco no interior que vive apenas da agropecuária, não tem como passar de alguns blocos que muitas vezes não contam nem com ajuda de prefeituras.

O Carnaval que vem desabando há décadas, no interior não tem condições de se erguer, vivendo hoje apenas com alguma zoada propaganda. Cada vez mais os três dias vão virando apenas desculpa para não se frequentar o trabalho.

Em Santana do Ipanema, mesmo, o que restou da tentativa de escola de samba, foi uma foto em preto e branco do passista Carlo de Filemon, em página do livro “Fruta de Palma”, do escritor Oscar Silva, e nada mais.

Entrevista completa com ALAN GLEISON ele que é Ruipalmeirense é destaque na moda e na arte.

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Alan Gleison Vieira Lima – 25 anos. Sonhos!? Não tenho muito, moro na cidade de Senador Rui Palmeira- AL. Os sonhos é ter meu próprio emprego, construir minha casa… Ajudar minha familia. Cursar uma faculdade de Arquitetura ou Designer. No momento estou trabalhando na Prefeitura Municipal  Cursando Educação Física na IET – Faculdade de Ensino Teológico.

CELEBRIDADE IN FOCO Como você descobriu que gosta da arte?

 Alan Gleison Com o meu irmão mais velho(Alex) ele é pintor e desenhista.. Dai me inspirei nele. Aos poucos fui me aperfeiçoando e gostando do que fazia… Hoje eu amo desenhar, amo meus desenhos, faço trabalhos escolares, caricaturas e encomendas.

 CELEBRIDADE IN FOCORiso já vi que além de ser um bom modelo, ainda um bom artista. Fale sobre isso.

 Alan GleisonNunca fiz nenhum curso relacionado a desenhos e nem a moda, desde pequeno venho me dedicando e aprendendo com os outros e com meu irmão. Agradeço sempre a Deus pelo Dom que me destes. Amo o que faço.

 CELEBRIDADE IN FOCO -Você se considera um jovem bonito? É qual é parte do seu corpo que você mais gosta?

 Alan GleisonNão, (RISO) não me considero. Mas sou bonito pelo o que sou, por dentro, pelo meu agir com as pessoas, minha humildade. Eu gosto do meu sorriso, meu olhar. Nada é tão sincero quando se olha nos olhos de alguém. Sou uma pessoa sorridente, ando sempre de bem com a vida, falo com todo mundo.

 CELEBRIDADE IN FOCOQual o recado que voce mandaria para as pessoas que buscam seus sonhos, e por dificuldades não podem realiza-los.

 Alan GleisonQue nunca desista de seus sonhos, pois Deus age nas pequenas coisas… Eu ainda continuo sonhando, e aos poucos vejo Deus agindo em minha vida. Vc tbm, nunca desista daquilo que deseja. Tenha Foco, força e fé, que sempre almejara aquilo que se quer(deseja). É Deus que faz entender a poesia da vida, tornando mais valiosa a vida

 Créditos Alan Gleison11005603_10203483728326202_1398174273_n1525559_360936270711783_1920935205_n1385572_10200520611730139_2029210219_n10489922_1453896924870740_733376035147979669_n10458434_1551666331734973_912699583918088263_n15491_1551666755068264_734120222288642215_n11012249_10203483727206174_2066720699_n11012237_10203483727846190_1147651027_n11007485_10203483728526207_1588296017_n11005650_10203483774487356_306615645_n11016323_10203483727606184_1778767182_n

Equipe de Handebol Santanense foi campeã alagoana cadete masculino 2014

Crédito Edgar

Crédito Edgar

Equipe de Handebol Santanense foi campeã alagoana cadete masculino 2014 IPANEMA ATLÊTICO CLUBE HANDEBOL – Esse time com apenas um ano e meio que foi fundado, já está fazendo sucesso no estado de alagoas e fora do estado, onde a mesma representou Alagoas no mês de janeiro. Os meninos do juvenil masculino ficou 5º Lugar na Copa Ceará nosso handebol na cidade de Fortaleza no estado do ceará. CELEBRIDADE IN FOCO: Pergunto ao Edgar ele que é um dos técnicos do Club , como é para você representar a cidade, sendo a única equipe do estado de alagoas a ir pra essa competição ? Onde o mesmo fala que para eles é muito gratificante, póis sabemos como é dificil para levar a equipe de Santana do Ipanema, até o estado do Ceará, para participar destes jogos, como também por falta de patrocínios , onde vivemos em uma cidade que poucos ajudam e por ser uma equipe de 25 jovens. Continuo perguntando ao Edgar como é feito a seleção dos jovens para participar desta equipe? O mesmo fala que os participantes tem que está matrículados, ter tempo para os treinamentos, e que poderá ser qualquer jovem entre 12 a 14 e de 15 a 17 anos, o mesmo ainda ressalta que a maior dificuldade e a falta de patrocínio e que por muitas das vezes eles juntos com os pais dos atletas fazem cotinha para poder viajar. CELEBRIDADE IN FOCO: Pergunto a um dos participantes o jovem João Victor, com apenas 16 anos, estudante, que vem se destacando cada vez mais na equipe.João Victor como você ver essa equipe se destacando cada vez mais, O mesmo fala que para ele é muita satistação está nesta equipe e fazer parte desta família. João Victor como você ver hoje o handebol masculino se destacando, pois ainda existe um tabú que handebol é coisa para mulheres? João Victor não vejo (RISOS), pois vivemos é um país que não há diferenças, e que todos tem os mesmos direitos perante a Constituição Federal de 1988. CELEBRIDADE IN FOCO: Daniel um dos técnicos do club fala da importância para Santana do Ipanema, tem um equipe muito boa como está que vem sendo destaque em todo estado de alagoas e diz para ele a cada dia ficará mais feliz em fazer parte dela, é que todos os participantes eram como uma família. Os técnicos Edgar Silva e Daniel Santos ainda ressaltam a felicidade de terem cido campeões alagoanos na categoria, pois pela primeira na história da cidade uma equipe nessa categoria foi campeã alagoana e também deixam seus contatos para que os empresários que tenham interesse de ajudar a equipe para as competições de 2015 Edgar 9641-7191/8128-6099 Daniel 8168-0099. E que as portas do Club estão abertas para novos talentos. O ano de 2014 foi muito proveitoso pra equipe que conseguiu as seguintes colocações nas competições que participou: *Campeã alagoano cadete masculino. *campeã da primeira copa handsena *6º lugar na copa Nordeste de seleções cadete masculino. *4º lugar na copa guerreiros das Alagoas. * 5º lugar no torneio 24 horas de handebol. A comissão técnica e formada por: Técnico: Edgar Silva Graduando no curso de Educação FÍsica 7º período Técnico: Daniel Santos Graduando no curso de Educação Física 4º período Coordenador geral do Club: Edmílson Pereira da Silva (Dindo) 

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Crédito Edgar

Crédito Edgar

AS FOLHAS QUANDO CAEM…

Ilustração: Fábio Campos

Ilustração: Fábio Campos

Adalberto nunca tinha passado um carnaval daqueles. Na verdade nem sabia se aquilo poderia ser considerado um carnaval. A casa era só uma choupana no meio da caatinga. Duas caídas d’águas, um alpendre escorado por toscas estacas guarnecidas de ganchos. Ornados de cordas de caruá, amolecida de tanto trabalho duro. Num canto arreios duma montaria, um relho e um chapéu de couro de boi, tudo tão gasto, ensebado. Um balaio de vime, atarefado de palma, um facão de cabo preto embainhado um par de alpercatas Xô-boi. Dois homens Adalberto e Maurílio sentados num “Péla-porco”. Os pés cruzados embaixo do banco davam guarida pra um cachorro branco. Macerando verbo e fumo de rolo. Proseavam, os amigos. Coisas desinventadas por gente do mundo. Coisas que até Deus que é Deus duvidava.

De limo negro as telhas diziam tristeza. Uma bica esturricada de tempo dormia pros lados do oitão esperando chuva. E quando viesse, porque em fevereiro sempre vinham, choraria a desaguar num tonel. E havia um céu perfeito a flamular de azul, sublinhado dumas nuvenzinhas, brancas que só. Com o rei brincava de luz, não luz. Do terreiro até aonde as vistas quisessem ir tinha mundo pra ver. Tinha uma roça que não dizia nada. Com paciência de Jó, aguardaria os obreiros que não tardariam. Formigas formigando a epiderme da mãe terra, caravaneavam tudo que pudesse fornecer alimento no inverno. Pros recônditos porões escuros, morno, úmido e cheiroso ventre da mãe terra campeavam. Onde a cigarra laboriosa cantava angariando longínquos ouvidores. Mangangás nupciais cortejariam xim-xins, orquídeas e frutos dos mandacarus.

A conversa estava boa, mas era preciso dizer pra que estavam ali. Maurílio filho de Seu Claudomiro e dona Paulina, tinha nove irmãos, Claudomero, Teodorico, Teodebaldo, Teodeberto, Teodomiro, Dagoberto, Ferdemundo, Ferdinando e Betânia. Adalberto um caboclo bem afeiçoado vindo das bandas do Sítio Capim. Apareceu por ali, pra passar uma temporada de plantio de roça com os tios, conheceu Betânia e cinco anos já fazia que se casaram. No mesmo dia, na mesma igreja e com o mesmo padre casou também Maurílio, com Robevânia que acabou de entrar na história. E de quebra, era prima legítima do noivo. Todos, com exceção de Maurílio, foram embora pra São Paulo. No sertão o povo tem umas crenças que devem ser respeitada, isso porque fazem parte da natureza humana. Diziam os mais velhos, que casamentos de dois parentes no mesmo dia não era muito recomendado. Porque um, iria carrear pra si, todo tipo de sorte predestinada pro outro. No tempo que os amigos se casaram eram jovens e se quer se aperceberam disso. Foram pro mundo, e cada qual seguiu seu cada qual.

De dito popular, em dito popular vive o sertão. Tem um que diz que, Deus não dorme. Bem diz, não dorme. Não fala em cochilo. Pois acreditando que uma vez perdida, assim, quando alta vai a madrugada, e o povo está mais desocupado de aporrinhar com seus infinitos rosários de pedidos. O Criador deve pelo menos dar um cochilo. Pois justamente entre um desses benditos cochilos, é que Leviatã aproveita pra pintar os canecos. E se conselho fosse bom não se dava vendia, mesmo assim o amigo desconfie do que diz: “O diabo não é tudo o que pintam.” Pois acredite, é tudo o que pintam sim, e um bocado mais. Acontece que o tempo gastou mais três lustros das histórias dos dois amigos. Adalberto tornou-se empresário do transporte alternativo. Sua modesta frota cobria linhas rodoviárias em todo o sertão. Prosperou o filho do camponês, que no passado teve dias de amargura. Enchiam-se os olhos d’água salobra quando lembrava os primeiros anos de casado. Morava numa tapera, numa situação que era de cortar coração. As histórias sofridas das canções de Luiz Gonzaga e Teixeirinha eram luxo diante do que passou. Guardara de lembrança uma foto do tempo que era fichado nas Frentes de Emergência, do governo “da Coalização Arenista” Guilherme Gracindo Soares Palmeira, o bacharel em Direito redentor da pobreza. Os sertanejos como Adalberto, à época o tinha como um homem abençoado. O suporte que dera para que a Sudene implantasse aquele programa que mataria a fome de tantos. Na foto Adalberto ao lado de outros “cassácos” como eram apelidados, só couro e osso. Com fé em Deus aquilo seria coisa do passado. Hoje gozava de uma vida confortável. Em sua chácara na praia de Miaí era onde ultimamente passava os feriados prolongados com a família, inclusive os carnavais. Acontece que deu vontade de voltar as origens e por isso estava ali, ao lado do velho amigo Maurílio que jamais saíra do sítio Pau Ferro.

Maurílio desde que casara nunca saíra dali. Uma moradia digna pra si e sua família não conseguira na vida. Juntamente com os três filhos. Dois rapazes, uma moça e a esposa Robevânia, morava na mesma tapera que servia de abrigo pros seus velhos pais. Seus avós moravam distante dali algumas braças. Quando era a tardinha sempre ia ver vó Orminda e vô Juliano. Era um casarão antigo de portas e janelas enormes lembravam os tempos coloniais. O pé direito ia lá nas alturas. E o telhado de tão pesado rangia nos dias de ventania muito forte. Ao entrar no casarão se anunciava: “-Ô de casa?” E ouvia: “-Ô de fora! Quem vem lá, que venha de paz!” Dona Orminda na penumbra da cozinha ficava olhando seu neto Maurílio. Parado no umbral da porta principal. Abria o ferrolho bem devagar e vinha até onde ela estava. “–Sua benção vó!” E esticava o mãozão cascudo, de dedos nodosos de capinar roça e amansar boi brabo. “-E por que “meu fio”não mandou o homem entrar ‘tombem’?” “–Que homem vó? Vôte! Eu ando só…””-Não senhor tinha sim um homem ali por trás de “ôcê” inda’gora.”

Domingo de carnaval, e se ouvia ainda o canto da cigarrinha, dos bem-ti-vis rodeando a casa. Os acordes de Zé Pereira forjaram-se num chiado vindo duma boca de som de um antigo rádio, em frequências de ondas médias. Robevânia a pedido de Maurílio serviu vinho ao ilustre convidado afinal era carnaval. Um garrafão posto entre eles colocou animosidade ali. Copos tilintaram em brindes. Estalos de língua, alegria a muito não vista naquela morada chegou em sorrisos tintos. As teias de aranhas atravessadas pela luz de fretas coloriam em confetes e serpentinas. E o pó da poeira caindo dos caibros suspenso no ar diáfano. Uma coisa Adalberto observava a esposa do amigo, continuava a mesma. Sempre a admirara. Esmerada nos gestos. Parcimoniosa no proceder. Os longos cabelos negros, sedosos, compunham belamente seu rosto. O colo gracioso. Mesmo sabendo corpo proibido, desejava-a. No íntimo do seu coração a consumia. Maurílio, Adalberto e Robevânia ganharam o caminho do açude. A banhar-se do fogo das paixões que os consumiam. Soprando seu sopro de fazer cócegas nos ouvidos o Caboclo vermelhinho sorria. Seu sorriso cheio de dentes e baba viscosa, luxurienta.

“O profeta Natã diante do rei Davi contou-lhe a seguinte história: Dois homens, um rico e um pobre. O rico possuía muitas ovelhas, enquanto o pobre tinha apenas uma, que cuidava muito bem. Um viajante aproximou-sedo rico pedindo comida. O rico então pegou a ovelha do pobre. A única que aquele possuía, e tomando-a como se fosse sua a deu ao nômade. Enchendo-se de cólera o rei Davi esbravejou: “-Tão certo como meu Deus de Israel vive! O homem que praticou esta infâmia merece a morte! Deve ele pagar com a vida quatro vezes mais do que foi o sacrifício do cordeiro, pois praticou o que é mal aos olhos de Deus e sem o menor remorso!” Natã no entanto advertiu-o: “-É o senhor meu rei, este homem! Eis que o Senhor Deus de Israel me disse: “-Eu ungi você (Davi) rei de Israel, e o livrei das mãos de Saul. Eu o tornei mestre da casa e as esposas do mestre ficaram em seus braços. Eu dei a casa de Israel e Judá. E se isso tudo fosse pouco eu lhe daria muito mais. No entanto o que fez você? Sacrificou a Urias “o hitita” fez com que fosse ferido de morte, a fio de espada. E tomou a esposa dele como sua. Como castigo a espada jamais deixará tua morada.” Betsabá esposa de Urias banhava-se na varanda de sua casa. Do seu terraço Davi a viu, e a desejou em seu coração. Mandou chamá-la até ele, e deitaram-se em coito. Deste ato nasceu-lhes um filho. E sendo fruto do pecado viria a perecer como castigo.”

Adalberto uma pergunta mais faria a Maurílio. Queria saber se o amigo não tinha ambição de crescer na vida. Sair daquele fim de mundo, ir embora. Podia até deixar Robevânia por uns tempos, com os filhos. Ir aventurar-se no Sul do país, pedir um emprego a um irmão próspero empresário da construção. E aquele, por resposta Cantarolava baixinho uma música do rei das paradas que dizia: ”As folhas quando caem nascem outras no lugar…” Dois mais estavam ali, embora eles não viam. Natã que meneava a cabeça de desaprovação. Enquanto Leviatã largueava mais e mais o asqueroso sorriso, afirmativamente. Afinal era carnaval.

Fabio Campos

A PERSISTÊNCIA DOS CORONÉIS

Clerisvaldo B. Chagas, 20 de fevereiro de 2015

Crônica Nº 1.371

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

Quem assistiu a reportagem do SBT, Conexão Repórter, com Roberto Cabrini, “Os Filhos dos Coronéis”, em Abaré, na Bahia, quarta-feira última, ficou completamente estarrecido. Foi aquele mesmo choque das denúncias do coronelismo em Traipu, estado das Alagoas.

Veja abaixo:

Por Carol Pires (Vereadora de Abaré-BA)

“Caros,

A denúncia que realizei junto a vocês referente à escola numa casa de taipa tomou proporção muito grande e o renomado repórter investigativo Roberto Cabrini veio a Abaré. Foram meses de investigação junto com sua equipe sobre as irregularidades encontradas em nosso município. venho agradecer a todos que contribuíram nessa missão e avisar que a Conexão Repórter irá ao ar nesta quinta, dia 05 de setembro, pelo Sbt após “A praça é Nossa”, como segue no link. (…)

Aproveito para mandar fotos em anexo sobre a reportagem e texto assinado por Glauber Dantas a respeito desta matéria”.

“O município de Abaré, na Bahia, é uma das provas do descomprometimento e da insensibilidade de gestores públicos do Brasil. A população sofre uma dura realidade, marcada pelo drama da seca, precariedade do sistema de ensino e diversas outras mazelas que se agravam com um comportamento retrógrado dos seus líderes, mostrando um grande paradoxo: em pleno século XXI, no auge da consolidação da democracia e dos direitos humanos, vive-se como no período do coronelismo, quando o povo não tinha voz nem vez, e era submetido aos desmandos dos caciques políticos, que buscavam atender aos interesses particulares da elite em detrimento das reais necessidades das camadas sociais menos favorecidas. No dia 05 de setembro, à luz da antítese desenvolvimento x estagnação, vislumbrada no município baiano, o programa Conexão Repórter, exibido pelo SBT, apresentado pelo renomado jornalista Roberto Cabrini, vai denunciar a opressão dos líderes políticos de Abaré e, por conseguinte, os resquícios da desídia administrativa que perpetua o poder e condena a população, nutrida por pseudo-promessas oriundas de jogos políticos, que assiste atônita à exasperação do caos, presente desde os casebres de lona que servem como salas de aula, perpassando os barracos sub-humanos onde moram, se é que isso pode ser chamado de residência, e culminando na escassez de água e luz. É mergulhando neste Brasil que não chega aos olhos de boa parte da população que a vereadora Carol Pires engaja e fortalece o real motivo da sua jornada política: a melhoria de vida da população com o orgulho de representar o povo de Abaré, Carol conclui que a denúncia do programa é apenas o primeiro passo para a consolidação do progresso do município”.

Abraços”.

Quem ontem viu a reprodução da reportagem não acredita que isso acontece no Brasil. Dizer mais o quê?

CLIQUE AQUI e veja a reportagem

O LUTADOR E O PAPELÃO

Clerisvaldo B. Chagas, 19 de fevereiro de 2015

Crônica Nº 1.370

Foto: Divulgação UFC

Foto: Divulgação UFC

Como outros fãs do lutador, também ficamos perplexos diante do que nos foi reservado. Anderson mesmo não pode apenas ter ouvido falar de dificuldades na vida. Quem vem de baixo conhece muito bem a luta e o valor de cada posição conquistada. A grande maioria não teve o privilégio de chegar aonde o Aranha chegou. Com muita briga, raça e dificuldades sim, mas a meta atingida soa como privilégio de poucos. Tendo o mundo aos seus pés, em parte também pela humildade, o brasileiro jogou fora o respeito mundial nocauteando os seus admiradores.

Todos erram e até possuem o direito de errar. Mas agir como Anderson agiu e ainda procede, além de decepcionar, irritou os fãs que foram contemplando pedaços do ícone cair uns após outros.

E para não engasgar a garganta estreita com a decepção larga, melhor exibir apenas parte do bilhete vermelho:

“A Comissão Atlética de Nevada (NSAC) resolveu suspender temporariamente Anderson Silva durante audiência realizada nesta terça-feira, em Las Vegas (EUA). O brasileiro já havia sido flagrado em um exame surpresa no dia 9 de janeiro, menos de um mês antes do UFC 183, quando venceu Nick Diaz, e voltou a ser pego nos exames pós-luta. O de urina acusou drostanolona, como no exame anterior, e o de sangue apontou para temazepam e oxazepam, substâncias que são usadas como sedativos e proibidas de acordo com a entidade. Com isso, o lutador fica impedido de voltar ao octógono até ser julgado pela NSAC”. (Evelyn Rodrigues).

“Anderson Silva não apareceu na audiência e foi representado pelo seu advogado, Michael Alonso, que participou por telefone e pediu mais tempo para se preparar para uma audiência. Ele deve ser julgado em março pela Comissão Atlética. A tendência é que a vitória de Anderson sobre Nick Diaz no UFC 183, dia 31 de janeiro, se transforme em ‘No Contest’ (luta sem resultado), mas isso só deve ser oficializado após o fim do processo”. (Evelyn Rodrigues).

Estamos acostumados a perder, a ganhar e a torcer por nossa Seleção de Futebol, mas desde os 7 x 0 para a Alemanha, nunca mais seremos os mesmos.

Você até pode dar a volta por cima, Anderson, ninguém irá deixar de vê-lo na arena. Mas, cabra velho, nunca mais, nunca mais será a mesma coisa.

TERNO E GRAVATA

Clerisvaldo B. Chagas, 18 de fevereiro de 2015

Crônica Nº 1.369

TERNO E GRAVATANo descambar dos anos 60, ainda bebíamos água das cacimbas arenosas do leito seco do rio Ipanema. O velho Panema ainda fazia a cidade crescer e progredir. Por trás do comércio havia o importante balneário Poço dos Homens, diversão principal de jovens e adultos. Poucos tomavam banho nu, porém, ao espremer os calções, alguns não tinham muito cuidado em relação ao casario situado a cerca de 80 metros, ribanceira acima.

Por isso ou por aquilo (já narramos esse fato antes) alguém foi dizer ao delegado civil, comerciante José Ricardo, sobre a falta de vergonha de alguns banhistas.

O delegado, então, proíbe severamente o banho com uso de calções. Para isso soldados ficavam entre o Beco São Sebastião, no comércio e a descida para o poço, atração gostosa da cidade.

Logo os maiores frequentadores do balneário entre as pedras lisas do Ipanema, tomaram conhecimento. E como Zé Ricardo era um homem de bem, mas de queixo duro, a rapaziada preferiu não criar problema com a autoridade e nem mais utilizar os calções da safadeza.

A solução encontrada foi descer para o banho de terno e gravata, mergulhando com roupa e tudo naquela delícia.

O caso “folclórico” foi comentado com riso frouxo durante semanas e meses às costas do delegado.

Diante da exigência moderna, vai ficando sem prestígio o do calção, da bermuda, das roupas afuleiradas ou mesmo os dos trapos comuns… O tapa sexo completo de cada dia. O olhar alheio para o caráter exemplar em roupa coletiva passeia do pescoço ao calçado.

O terno bota para correr o mau cidadão e rouba momentaneamente à dignidade de quem tem. É o homem enganando o próprio homem. A frase que se usa hoje como brincadeira, não passa da verdade embutida: “Homem de gravata eu respeito”.

Bem, por via das dúvidas, vá de terno mesmo compadre. Mesmo sem colete e a rima danada que ele tem.

Afinal, o que é o tempo senão as repetições das horas!

Sua ordem ainda tem prazo de validade, Zé Ricardo!

O CAVALINHO DE MANÉ

Clerisvaldo B. Chagas, 17 de fevereiro de 2015

Crônica Nº 1.368

Foto ilustração (cavalos-animais.info)

Foto ilustração (cavalos-animais.info)

Subindo a colina do rio Ipanema, ouço a história contada pelo amigo Mileno Carvalho (hoje, aposentado magnata da Petrobrás). Um homem havia matado um veado. E, diante dos três filhos pequenos, falou dos seus planos: “Vou à rua vender esse veado e com o dinheiro da venda comprar um cavalinho para Mané”. Manoel era o filho mais novo. O rebento mais velho quebrou a sequência do planejamento paterno e disse, agitando os braços: “Eita!Vou montar e pular no cavalinho de Mané até matar!”. O pai, ignorante e juiz antecipado, pegou o filho mais velho e deu-lhe uma pisa, dizendo: “Isso é porque você matou o cavalinho de Mané”.

Se a anedota é da minha juventude, o sentido continua o mesmo na terceira idade.

Quando alguém disse que a nossa democracia ainda está engatinhando, parece ser puro realismo. E os ideais de servir com honra, dignidade, desinteresse do homem voltado para o homem, não resistem nem às prévias da prática republicana do voto. As articulações sombrias de grupos têm início muito cedo, quando o patrimônio público já é espiritualmente fatiado. Reservadamente, o leão da quadrilha antecipada, perde inúmeras noites de sono, articulando seu bocado nobre. Com truques, astúcias e manobras, objetivos são atingidos e o grande cuscuz amarelo é fatiado pela faca titã, camuflada de cabo verde.

No meio de tudo isso ainda surge certo senador de Alagoas para apresentar emenda visando dificultar o afastamento de políticos. Os caras de pau estão em todos os lugares porque a erva daninha prolifera muito mais do que o trigo.

Enquanto essa democracia não se levanta, anda e amadurece, os escândalos continuam acontecendo no vale tudo pelo poder à semelhança da Roma Antiga. Eles conhecem todos os pilares de pano e as brechas de manteiga das nossas açucaradas leis.

O povo… O povo? O povo, para eles é apenas o cavalinho de Mané.