TEMA DO CANTADOR

Clerisvaldo B. Chagas, 19 de agosto de 2015

Crônica Nº 1.475

(Para João Nepomuceno, Fábio Campos, Marcello Fausto e Ferreirinha).

AMANHECER NA SERRA DO ORORUBÁ. (Livro: Ipanema, um rio macho)

AMANHECER NA SERRA DO ORORUBÁ. (Livro: Ipanema, um rio macho)

Deixei tudo tudinho pra morrer

Num lugar sem cores sem poesia

Meu velho sertão robustecido

Os odores profundos dos frutais

Peixeira alongada nos bornais

Um cachorro vermelho e atrevido

O touro da fazenda enraivecido

Os beijos da moça que eu queria

O cochilo na rede ao meio-dia

Ou a barra do sol que vai nascer

Deixei tudo tudinho pra morrer

Num lugar sem cores sem poesia.

A torre da capela na tardinha

O gado deixando os seus currais

Bem-te-vi engrossando os madrigais

Os odores gostosos da cozinha

Uma arma de fogo que eu tinha

O café, o cuscuz que mãe fazia

A estrela que era a minha guia

Nunca mais pude vê-la renascer

Deixei tudo tudinho pra morrer

Num lugar sem cores sem poesia

Onde está meu cavalo das ribeiras

Minha sela de prata, meus arreios

Tempos invernosos, rios cheios

Garranchos das brutas quixabeiras

As balas que deixei nas cartucheiras

O quadro na parede, de Maria

O aboio que eu mesmo produzia

Quando à vida de gado pude ter

Deixei tudo, tudinho pra morrer

Num lugar sem cores sem poesia

Perdi o forró de pé de serra

A corrida de pega com a ema

O perfume mais doce da jurema

O mel de fabrico papa-terra

Deixei o sossego pela guerra

Nada é como quis e pretendia

Se lá fora a estrela reluzia

Aqui dentro não posso perceber

Deixei tudo, tudinho pra morrer

Num lugar sem cores sem poesia.

O MONSTRO DO BARROCO

Clerisvaldo B. Chagas, 18 de agosto de 2015

Crônica Nº 1.474

Foto: UM DOS LIVROS DE MÉRO (1982).

Foto: UM DOS LIVROS DE MÉRO (1982).

Tive relacionamentos literários curtos, com escritores maravilhosos que honraram com suas obras as Alagoas e o Brasil. O palmeirense Luiz B. Torres e o também Adalberon Cavalcanti Lins, mais o homem de Penedo, Ernani Otacílio Méro, continuam no meu respeito e na admiração dos seus trabalhos. Não tive condições de conhecer pessoalmente o outro palmeirense Valdemar Cavalcante Lins, que faz parte da história de Santana, imortalizado por Oscar Silva, meu preferido escritor da terra.

Sempre preciso rever cada uma das obras desses alagoanos nas pesquisas, quase repentinas. No momento, elaborando a história do povoado Barra do Ipanema, município de Belo Monte, precisei do livro, História do Penedo, daquele famoso escritor. Estavam lá na estante vários trabalhos de Méro, “O Monstro do Barroco”, mas logo surgiu a irritação: “Cadê, o meu livro que estava aqui?”, devidamente autografado. Péssimo hábito apoderar-se do empréstimo e deixar que o dono esqueça. Felizmente achei o trecho que procurava, em outros lugares. Espero que o sutil objeto do surrupio volte à minha estante.

Ernani Méro nasceu no dia 15 de fevereiro de 1925, Foi professor e apaixonado pela sua terra dedicando-lhe vários trabalhos de alto valor, como: História do Penedo, Coisas do Penedo, Penedo Ontem e Sempre, Painel Barroco do Brasil, Na Varanda do Tempo, Os Franciscanos em Alagoas e Barão de Penedo.

Ernani foi historiador, cronista, compositor, poeta e professor. Faleceu em 27 de janeiro de 1996. Penedo muito deve a esse filho que tanto detalhou e amou a sua terra, com uma vasta sequência literária.

Pertenceu, Ernani, à Academia Alagoana de Letras e confirmou a sua Penedo como “Terra de Escritores”. Ao descrever o patrimônio barroco do baixo São Francisco e de Marechal, tornou-se um “monstro” no assunto. Sem dúvida alguma, um insigne alagoano.

FAZENDO SABÃO

Clerisvaldo B. Chagas, 17 de agosto de 2015

Crônica Nº 1.473

Foto: Wikipédia

Foto: Wikipédia

Em Santana do Ipanema, Alagoas, a primeira rua da cidade, após a formação do quadro comercial, foi apelidada: Rua do Sebo. A denominação antiga sugeria uma fábrica de sabão, cuja matéria-prima teria sido o sebo de boi que ficava exposto por ali.

Entretanto, uma expressão chula vogava na metade do século passado. Falava-se em “fazer sabão”, no sentido de xumbregar, namorar no escuro, apalpar as partes íntimas. Da mesma maneira, falava-se da “peniqueira”, também nome deseducado, de baixo calão, ao se referir à empregada doméstica. O termo vem desde os tempos de Dom João VI no Brasil. De fato, referia-se às domésticas encarregadas de levar e jogar os penicos cheios, da realeza, nos monturos. Ainda na metade do século passado, essa função amplamente existia, pois, muitas residências, nem fossas possuíam. Tudo era jogado no monturo, no amplo quintal da casa repleto de mato de todos os tipos. A peniqueira também funcionava como uma espécie de prostituta doméstica, conquistada pelos patrões, filhos dos patrões e rapazes da rua. Diferente das prostitutas, dificilmente cobrava pela safadeza.

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Fábricas continuam sendo atraídas pelo governo estadual. Elas vão ficando pelo litoral na dobradinha: Maceió, Marechal Deodoro ou Murici e Arapiraca: cimento, material elétrico, plástico, azulejos, biscoitos e várias outras, ainda. Ao sertão são entregues bodes, cabras, semente e risos. Interessante, não existe determinação para desenvolver o semiárido, nem de cima, nem dos “coronéis” da própria terra que insistem em manter o povo analfabeto, para não perderem a força do cabresto.

Até o leite de cabra que poderia abastecer os hospitais para pacientes sensíveis, vai ser transformado em sabão. Está aí o grande progresso conformista dos coronéis. Uma Sucupira novelesca digna de uma caprichada sertaneja. O sertão abandonado pelos próprios gestores só presta pra fazer sabão. Que coisa, meu Deus!

O adolescente Robert Rodrigo Oliveira Costa, 14 anos, é o vencedor da Olimpíadas de Matemática 2014

11896167_1807333202826445_5823964194852509867_nO adolescente Robert Rodrigo Oliveira Costa, 14 anos, é o vencedor da Olimpíadas de Matemática 2014, o 1º Primeiro colocado na 6ª Coordenadoria Regional de Ensino, estudante da Escola de Educação Básica São Cristóvão em Santana do Ipanema, o mesmo vai receber a medalha de bronze no dia 03 de setembro de 2015, no Palácio dos Palmares na capital alagoana. Achando pouco já foi classificado na primeira etapa 2015, sendo mo melhor aluno de matemática do sertao!!!!! Parabéns sucesso!!!!. 

NEGRO LINO

O dia nem bem havia nascido. Mas de certeza em trabalho de parto estava. Vinha vindo, vinha vindo. As entranhas da terra parindo, dando à luz, magnífico ser, sol nascente. A neblina láctea a derramar-se dos seios da montanha amamentado. Dos arroios das quebradas do sertão se nutrindo. Pelo sal da terra batizado. Sob as grinaldas, risonho e límpido, véu de orvalho, suspenso nas teias de aranha. Sertão impávido colosso somente dele (e nele) nasce o dia realmente.

“Tudo em vorta é só beleza

Sol de Abril e a mata em frô

Mas Assum Preto, cego dos óio

Num vendo a luz, ai, canta de dor”

O que vamos contar vem dum tempo lá de trás. De um daqueles anos que rabiaram a década de trinta Ano entrançado de sucedências ruins, uma atrás da outra. Por essa época perambulava em riba do couro do mundo um preto chamado negro Lino do Pedrão. O negro era assim um amontoado de músculo, encima duma cabeça que de tão feia só podia ter sido moldada pelas mãos do ‘Coisa ruim’. Brabo que não precisava muita coisa pra criar uma arenga. Nas rodas de conversa diziam que o nome Lino vinha de Virgulino. E o peste gostava de ser comparado a Lampião. Seu verdadeiro nome era Rosalino, que odiava e, preferia que chamassem de Nêgo Lino mesmo. Vem desse tempo o costume de se ajuntar o nome das pessoas ao nome do lugar donde vinha. Pedrão era um arruado fincado entre o Sítio Capim e o Gameleiro. Muito comum também agregar ao nome, o nome dos familiares de mais recurso, pra se ter algum reconhecimento, algum valor. Por exemplo, dona Adélia de Seu Canuto, Leônidas, neto de Seu João Lola, Mara Célia irmã da professora Dália. Dona Amália de Seu Doroteu, pais de Domingos, Mara Célia e Dália. E tinha Zé Costa, Enéas, Seu Esaú, e alguns outros mais, estão por aí porque gostam de prosear boa prosa, mas nem garanto que vão entrar na história. Um dia, no meio da feira um repentista vendedor de livreto de cordel tirou uma treta com o negro. Dele tirou estes versos:

“Nêgo Lino aqui chegado/ Nêgo Lino aqui chegou/ Receba essa tela/Tua venta é de esparrela/ Parece duas gamelas/ Brilha mais que Furta-Cor/ Os olhos são duas bolas/ Vão pular já da cachola/ Pregaram mais não colou/ Essa coisa que feiúra/ A beiçola ele pendura/ É uma coisa que avessou/ Toda vez que o bicho fala/ Junto com a voz exala/ Dum cassáco o fedor/ De tuim esse cabelo/ As orelhas dois bueiros/ Parece dois armador/ Quando ele ri faz careta/ É a imagem do capeta/ Mais parece um tumor/ As feição é dum macaco/ O mau cheiro do suváco/ Derruba quem já andou/ De parracha sua mão/ A voz rouca dum Barrão/ Cabeça de Cololô/ Os braços são dois cacetes/ Balanga num cacuête/ Parece que se soltou/ Sentado é uma armada/ De cóca uma presepada/ Brinquedo que desmontou/ É o cão chupando manga/ A besta fera de tanga/ Um mamulengo a motor/Dois desse vira uma Túia/ O que cabe numa cuia/ Na certa tem mais valor/ Os peitos são duma porca/ E o bicho quando se invoca/ Vira a Nêga Fulô.”

Gargalhada geral da roda de ouvintes. O negro saiu bufando, na tolda de Tonha Fateira pegou uma garrafa de cana tomou todinha sem tirar a boca do gargalo. Os olhos viraram duas brasas de fogo, assoprou álcool pelas ventas e partiu no encalço do embolador. A raiva que tinha dava pra matar o repentista de mãos limpas. Quando viram a bagaceira sete homens se atracou com o brutamontes. Mas só de olho de machado puseram-no a nocaute.

“Tarvez por ignorança

Ou mardade das pió

Furaro os óio do Assum Preto

Pra ele assim, ai, cantá de mió”

Nesse tempo, as coisas do mundo andavam assim tão serenas. Na caatinga do sertão a cor prevalecida era a cor do barro, e o verde das catingueiras. Nos vilarejos não tinha muita vistosidade nas cores. Tudo era como esmorecido. Por conta do material de que tudo era feito, de madeira, ferro, zinco, estanho, porcelana, couro e barro. As pessoas mais influentes da vila Seu Canuto e dona Adélia tinham casa de comércio, muitas terras e gado, ceifavam com aviltamento, algodão, feijão e milho. Tudo a se perder de vista. O único sobrado existente na vila era deles. Não eram poucos os que gostariam de entrar além dos portões daquela casa. Comentava-se como tanta coisa bonita havia pra ver além daqueles muros. O mobiliário era todo de madeira bem trabalhada. Dava gosto ver a cristaleira, uma mesa com um conjunto de cadeiras bem torneadas. Uma espreguiçadeira, um violino repousado sobre a cômoda. Belíssimos quadros, pinturas a óleo de caçadas equestres, nas paredes. Um cabide do tipo pedestal, o acabamento, o verniz, tinha a graça de uma mulher esbelta. Uma bengala de mulungu e cabo de madrepérola. Nas casas mais modestas o cabide era de parede do tipo sanfona. Um baú todo trabalhado no couro. Baú do pobre era chamado de burra. Um camiseiro de jacarandá, um pilão de cedro, uma espingarda “papo-amarelo” por sobre os retratos da família impondo respeito. O caibrado da varanda todo de umburana de cheiro pra não dar cupim. O ferro do portão com duas camadas de tinta. O estilo barroco e arcádico retorcia-se nos corrimões das escadarias. Copiado das sacadas dos camarotes dos teatros da capital. Nos portões suntuosos dos jardins, estatuetas de querubins e ninfas na fonte de água. A cal e o índigo sobrepujavam nas muradas e caixetas, nas eiras e beiras, graciosos lampiões a cada quina. O estanho ia a cozinha e o quarto, nas torneiras, nos urinóis, nas escarradeiras de porcelana. As joias de ouro, os dobrões de prata encerrados nos cofres. As franjas das cortinas os quadros com molduras de carmim.

“Assum Preto veve sorto

Mas num pode avuá

Mil vez a sina de uma gaiola

Desde que o céu, ai, pudesse oiá”

Negro Lino contava que tinha umas visões esquisitas. Alguns momentos pra ele nada fazia sentido. Do jeito que se apresentava parecia que tudo estava de cabeça pra baixo. O mar um dia lhe apareceu, lá encima no firmamento. Estupendo mar sereno, revolvendo suas ondas tranquilamente, se comportando como estivesse cá embaixo. Uma gota sequer caía lá de cima. E de repente viu despencar uma chuva de peixes. -Chuva de peixes? Perguntou Casteado. -Isso mesmo? –E caiu onde? -No céu? O céu estava cá embaixo. Tudo incrivelmente incomum de se acreditar. –E a donde ‘vormicê’ apoiava os pés? -Não havia onde… Onde devia estar o chão só havia o nada. Terra firme não havia, inexistia lugar onde pudesse firmar os pés. E afirmou: -Não há nada pior pra uma criatura que tem dois pés, não ter onde sentar a planta deles. Aquela imensidão de tudo era um abismo só. Diante daquela situação, sentia náusea, talvez labirintite, ânsia de vômito. Lembrou que não estava no seu corpo, portanto não tinha estômago. O corpo, massa muscular, sangue bombeado pra o coração adrenalina, sudorese, taxas de triglicerídeos, colesterol alto. Não precisava se preocupar com essas coisas naquele instante. Era sua alma vagando. Só tem uma coisa que o espírito fora do corpo físico não consegue se livrar: do medo.

“Assum Preto, o meu cantar

É tão triste como o teu

Também roubaro o meu amor

Que era a luz, ai, dos óios meus

Também roubaro o meu amor

Que era a luz, ai, dos óios meu”

“-Outro dia eu vinha pela estrada do Caboclo. O sol já ia derreando por acolá, e um cachorro passou por mim, sem tirar o cigarro da boca deu boa tarde, e tossiu uma tosse seca. “-Mas era um cachorro, cachorro mesmo? Desses que late e mija no poste? “–Desses mesmo aí sim senhor! Até um jumento que estava lá no cercado, parou de comer capim olhou pro lado de cá e disse: -Cuidado compadre pra essa tuberculose não virar uma tosse!” Ah! Me desculpe! Mas assim já é demais! –A pois eu juro por essa luz que alumia os meus olhos! –Homem! Tu num diz isso que Deus castiga!”

Quando foi noutro dia, lá vinha Nêgo Lino da feira. Vinha que vinha zonzo pela estrada do Pedrão. Bêbado que só um guará. E não é que foi topar logo com uma ticaca choca! Já era de noite, tudo pardo. Os dois se atracaram, e né que o troço da ticaca lhe estraçalhou a cara, e lhe arrancou um olho fora. Nisso vinha um carro de boi. Ao ver aquela presepada o carreiro meteu a vara de ferrão pra cima, e acabou acertando o outro olho de nêgo Lino. Selando assim sua sorte, a de pedir esmola na porta da igreja. Fazia isso cantando moda de viola que falava de passarinho sofredor.

Fabio Campos 08 de agosto de 2015.

RABO DE CAVALO

Clerisvaldo B. Chagas, 14 de agosto de 2015

Crônica Nº 1.472

Ilustração

Ilustração

Relembrando a sede implacável pelo poder, dos parlamentares, foi intensa a movimentação em época passadas, visando à criação de novos municípios. Meros povoados sem condições nenhuma, além do umbigo, alvoroçaram-se com a possibilidade real de emancipação. Época de governo e leis fracas, parlamentares tornaram-se reis da noite para o dia. Visando os votos daqueles habitantes e a cadeira de prefeito para si ou para seus paus-mandados, projetos e mais projetos municipalizaram territórios.

Com esse modismo desencadeado intensamente, surgiram de fatos alguns municípios novos que adquiriram certo progresso. Muitos, entretanto, malgrado verbas estaduais e federais injetadas nas veias novas, ainda hoje não tem o que mostrar à sociedade, salvo o abandono, a pobreza e o encolhimento. Junto a eles, inúmeras sedes de antigos municípios, acompanham o que se chama oficialmente de decadência. Citar nomes desses municípios é perda de tempo e modo de humilhação.

Estagnados como poças d’água em rios temporários, ficam os cidadãos vivendo como o início do século XX, onde o tempo só passa na televisão. Em vários desses municípios, Brasil e Nordeste afora, a única coisa que cresce é a casa do prefeito, sede do feudo moderno onde, projeto e curso feito pelos funcionários, são empregados em suas fazendas. Recentemente, um munícipe revoltado e esclarecido nos falava disso, coisa que acontece no município onde nasceu. Para se construir uma estrada até um povoado próximo, o gestor alega que jamais, pois o povoado poderia se transformar em local de prostituição.

É assim com essa mentalidade medieval e podre, que centenas de municípios são dirigidos, onde os olhos do governo não conseguem chegar.

Ainda no final desta semana estarei, com certeza pesquisando em um desses feudos, em Alagoas. É preciso ter muita fé para se dizer que Deus não abandona o seu povo. Povo esse que só possui o único modo de crescer com a direção desses infelizes: para baixo, igual a rabo de cavalo.

COMENDO RAPADURA

Clerisvaldo B. Chagas, 13 de agosto de 2015.

Crônica Nº 1.471

Foto: Ilustração

Foto: Ilustração

Desde que a rapadura nordestina passou a ser exportada para a Europa que o olhar de desprezo mudou o ângulo. Servida na merenda de escolas alemãs, para evitar anemia, fez despertar os brasileiros. Temos a tradição da rapadura desde o século XVI, trazida dos Açores ou das Canárias.

Esse caldo de cana cozinhado e endurecido era popular até a década de 60. No Nordeste foi amplamente transportada em caixotes, em lombos de burro e, amplamente vendida nas feiras livres. O costume de comer rapadura nessa região, em todos os estados, sempre foi amplo, principalmente pela classe média e baixa da população. Tão popular como o bacalhau e o charque, a rapadura sempre esteve em evidência desde os escravos da Mata aos vaqueiros do Sertão. Servida pilada com farinha ou não, tornou-se eficiente nos bornais dos retirantes, romeiros, cangaceiros e forças volantes perseguidoras dos bandidos. Pilava-se também a rapadura junto aos grãos de café nas fazendas e povoados sertanejos.

Rapadura também é chamada raspadura que vem da origem da raspagem dos tachos. Ela é feita a partir da cana-de-açúcar, após a moagem, fervura do caldo, moldagem e secagem.

Em Alagoas, fabricava-se rapadura, tanto na zona da Mata quanto na região serrana de Mata Grande e Água Branca. As alturas do maciço daquelas cidades facilitavam o plantio da cana e o fabrico da rapadura.

No encarecimento de escravos, segundo, Evilásio Brito, dono de fabriqueta de calçados e depois comerciante, em Santana, um proprietário escravocrata teve uma ideia. Comprou dez moças escravas, apenas, e pediu a um negro da fazenda para tomar conta. O negro aceitou a incumbência, mas pediu ao patrão para ser abastecido todos os dias com rapadura, negócio fechado.

É bom saber que a Índia é o primeiro fabricante do mundo e a Colômbia, o segundo. No Brasil, o Nordeste é o maior produtor, com o estado do Ceará à frente.

Alguns estados já usam o produto na merenda escolar como fonte de ferro.

Vamos comer rapadura, gente!

O NOSSO DENDÊ

Clerisvaldo B. Chagas, 12 de agosto de 2015.

Crônica Nº 1.470

DENDEZEIRO. (voltaindia.blogspot)

DENDEZEIRO. (voltaindia.blogspot)

Interessante à reportagem do Globo Rural, edição 09/082015, quando fala amplamente do coco dendê. Aliás, o Globo Rural parece ser a única peça da Globo onde não se destila ódio contra o governo e se fala a verdade.

De fato, quando se fala em dendê no Brasil pouco se sabe além das localidades produtoras. A primeira impressão é sempre a da exótica culinária baiana, famosa dentro e fora do país, de acordo com as aventuras contadas por personagens corajosos. Duvidamos, portanto do conhecimento da existência dessa propriedade produtora da palmeira dendê na região amazônica; propriedade esta que possui, somente de estrada dentro das fazendas, 1.600 quilômetros.

É de encher a boca, mesmo, ao dizer da grandeza desse empreendimento, pelas informações do agrônomo Túlio Dias Brito: 39 mil hectares de dendê, quatro indústrias, escritórios, galpões, 64 mil hectares de matas próprias, 5.200 funcionários e tudo funciona como uma pequena cidade. Não ficam de fora quatro vilas espalhadas pela plantação, um ambulatório médico, uma escola e uma academia para a população.

Mas não é somente da cozinha baiana que vive o azeite de dendê. Ele rende também vários outros tipos de óleos e gorduras vegetais. “São ingredientes que entram na fabricação de produtos da indústria de alimentos e cosméticos; em receitas de cremes, hidratantes, sabonetes, fabricação de bolo, massa, sorvete e margarina”.

E se você pensa que fica somente nisso, é preciso saber que ele ainda é base para produção de biodiesel de dendê.

Só o cacho do bicho, quando maduro, vai pesar 25 quilos e dele tudo se aproveita.

“O maior produtor de dendê no Brasil é o Pará. Com 170 mil hectares plantados, o estado responde por 83% da safra nacional”.

E para completar, o dendezeiro é originário do oeste da África. Até parece que pelas suas variadíssimas utilidades o óleo de dendê seja o novo petróleo do Brasil.

Talvez numa descomunal aventura a comer acarajé você descubra isso.

LÁ SE VÃO AS ÁGUAS

Clerisvaldo B. Chagas, 11 de agosto de 2015

Crônica Nº 1.469

MANCHA DAS GARÇAS NO RIO IPANEMA,  AGUARDA FIM DE INVERNO.  Foto: (Clerisvaldo).

MANCHA DAS GARÇAS NO RIO IPANEMA, AGUARDA FIM DE INVERNO.
Foto: (Clerisvaldo).

A velha tradição do inverno alagoano, de novo se faz presente. Normalmente a estação chuvosa se encerra em meados de agosto, numa despedida entre sol e chuva que vai rareando com o “casamento da raposa”. A frieza vai se distanciando e dando lugar a nova mudança de tempo, não saudável, principalmente para os alérgicos e os sensíveis à doença dos pulmões. O esquentar gradativo do tempo, provoca a chegada dos mosquitos indesejáveis que atormentam o ser humano. Essa é a ocasião em que o sertanejo começa a se preocupar com o período que vem após o seu inverno, principalmente se ele não fez água. E fazer água na linguagem matuta é encher barreiros, barragens e açudes.

“O futuro a Deus pertence”, diz o homem do campo, mas a inquietação começa logo cedo com a pergunta que fica no espaço, se haverá trovoada entre o inverno que se finda e o inverno que virá. Esse ano, pelo menos, existe já a realidade do Canal do Sertão que irá amenizar parte do estado na estiagem que se aproxima. É certo, porém, que o canal não passa por toda biboca do semiárido alagoano, mas possui seus mecanismos para atingir os lugares que ainda não contemplaram a sua face. Mesmo assim, o prosseguimento dos trabalhos sem interrupções, não deixa de ser uma esperança para o sertanejo com essa oba considerada a nossa redenção.

Retiradas às safras do feijão e do milho, não nos resta muita coisa, pois deveria haver pelo menos uma lavoura de cunho industrial para complementar com dignidade a renda do agricultor. O algodão que se foi há muito com a tromba do “bicudo”, até hoje nos tirou o equilíbrio financeiro que nos assegurava as boas festas de fins de ano.

A tentativa, chocha, minguada, capenga em substituir o algodão por outra lavoura de indústria, parece esbarrar numa preguiça oficial sem força nenhuma de progresso. Como as ervas do campo, o agricultor é entregue à própria sorte, levando a meninada pela aridez do solo e pela barriga da necessidade.

CACHAÇA COM CIMENTO

Clerisvaldo B. Chagas, 10 de agosto de 2015

Crônica Nº 1.468 

FÁBRICA DE CIMENTO ZUMBI. Foto: (Divulgação)

FÁBRICA DE CIMENTO ZUMBI. Foto: (Divulgação)

Jornais vivem de notícias ruins. São tantas e vulgares que nos enfadam e somem com elas à vontade de escrever. Uma vez ou outra, surge alguma coisa boa que até na sua pequenez merece um comentário.

É o caso da informação do jornalista Felipe Coutinho, sobre a cachaça alagoana de marca “Caraçuípe”. Eu até pensava que Alagoas não fabricava mais cachaça, pois há muito se deixou de falar na famosa “Azuladinha das Alagoas”. É surpresa, portanto, a informação que exista a Caraçuípe e que tenha sido eleita o 2º melhor destilado do mundo, no 12º Concurso Mundial de Bruxelas EdiçãoBrasil – Concurso Nacional de Vinhos e Destilados. Aconteceu o evento, segundo o jornalista, em 2 e 3 de julho no “Wine Weekend São Paulo Festival”. Foram premiados ainda outros cem rótulos, 49 vinhos e 51 cachaças.

De quebra ainda vem a estatística alcoólica: o brasileiro consome 11,5 litros de cana por ano na disputa de mais de 4 mil marcas que disputam o mercado. Os produtores chegam a 40 mil e movimentam mais de 7 bilhões com a bichinha.

A priori, a cachaça é produzida no município alagoano de Campo Grande.

A outra notícia refere-se à expansão industrial do estado, dessa vez com uma fábrica de cimento no Polo Industrial de Marechal Deodoro. A Empresa ─ que está em entendimento com o IMA ─ segundo Carlo Silva, sócio-diretor da indústria, irá gerar 90 empregos diretos. Quanto à produção, estimam-se em cerca de 500 mil toneladas de cimento por ano.

“A equipe do IMA tem acompanhado o desenvolvimento da obra de instalação da fábrica, a fim de garantir a correta destinação dos resíduos que serão gerados com o funcionamento, além da comprovação do cumprimento das condicionantes feitas com a emissão das licenças”

O nome do cimento é forte, fácil e alagoano, vai pegar bem no mercado, trata-se do chefe do Quilombo dos Palmares: Zumbi.

O pó e o álcool se misturam em Alagoas.