Tráfico de animais impera no interior de Alagoas; Sertão e Agreste registram maiores índices

27 abr 2014 - 04:32


Macaco que seria traficado é apreendido pelo Ibama (Foto: Regina Carvalho / Gazetaweb)

Macaco que seria traficado é apreendido pelo Ibama (Foto: Regina Carvalho / Gazetaweb)

A ambição desmedida pelo lucro fácil e a falta de leis ambientais mais rígidas colocaram Alagoas na rota do tráfico de animais silvestres. Bichos são retirados da natureza, amontoados em cubículos de forma inadequada e muitos agonizam até a morte, antes mesmo de chegarem ao destino final. Só no ano passado foram apreendidos 10.647 animais silvestres em operações de combate por todo o estado. Até o mês de março deste ano, 2.976 animais já foram recolhidos em Alagoas. Órgãos comprometidos com a causa até se esforçam numa força-tarefa, mas os criminosos sempre encontram uma maneira de manter a prática em evidência.

É no Sertão e no Agreste onde o tráfico de animais silvestres aparece de forma mais devastadora. As áreas, já mapeadas pelo Ibama e pelo Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), são consideradas mais críticas por concentrar graves problemas sociais e não disporem de um policiamento suficiente para combater esse tipo de comércio ilegal. A fauna da região é mais abundante, favorecendo esse tipo de ação, difícil de ser combatida.

Alagoas faz parte da rota do tráfico por estar localizado entre outros estados e fazer parte de trecho da rodovia Governador Mário Covas, mais conhecida como BR-101, que atravessa 12 estados brasileiros, com início no Rio Grande do Norte e fim no Rio Grande do Sul. Aqui, a rodovia tem início no km 78, no município de Rio Largo, e finaliza no km 248, em Porto Real do Colégio.

Na avaliação do geógrafo Rivaldo Couto dos Santos, que atua no Ibama, como a Mata Atlântica está bastante destruída, a área mais suscetível a esse tipo de comércio é o Sertão alagoano. “Da Mata Atlântica, a gente tem apenas de 5% a 6%, que é espalhada e está bastante destruída. O Sertão é a área mais crítica em relação à captura de animais silvestres, principalmente de pássaros”, disse o geógrafo.

IBAMA RECEBE MILHARES DE ANIMAIS POR ANO

O Ibama recebe, por ano, cerca de 5 mil animais no Centro de Triagem, que fica na sede em Maceió. Desses, a maioria é fruto de apreensão durante operações desencadeadas com o apoio da Polícia Militar. “Alagoas é um dos estados com maior número de apreensão de animais silvestres no Brasil. Como a região tem menor efetivo de policiais do que a capital, é mais fácil para transitar”, reforçou Rivaldo Couto.

Só no ano passado, o BPA apreendeu 10.647 animais silvestres em todo o estado, em 163 operações realizadas em Alagoas. Entre os bichos apreendidos estão jabutis, cotias, capivaras, tatus, macacos e pássaros de espécies diversas e raras, como sanhaço, sabiá, galo da campina, curió, canário, arara e sete cores, estes dois últimos considerados em extinção na fauna brasileira.

Os preços cobrados por pássaros silvestres são altíssimos. Uma arara, por exemplo, pode custar R$ 8 mil, dependendo da espécie; por um pássaro da espécie curió, os comerciantes cobram até R$ 5 mil, caso o passarinho cante bastante; xexéu e sabiás são vendidos por até R$ 3 mil.

“Os preços cobrados são realmente muito altos. Em uma operação, apreendemos um canário e o ‘dono’ chegou a chorar, e disse que o passarinho valia R$ 10 mil no mercado ilegal de animais”, disse o sargento do BPA Jeilson Vieira, especialista em Ciências Ambientais.

MALTRATADOS, BICHOS TEM POUCAS CHANCES DE SOBREVIVER

É no Centro de Triagem do Ibama que os animais recebem os cuidados quando são apreendidos. Aqueles oriundos de feiras livres são muito maltratados. Uns morrem durante a captura, outros no transporte. Acontece que, segundo o geógrafo que é chefe da Divisão Técnica, apenas 10% sobrevive. “É um número bastante alarmante. Têm olheiros e feiras bastante movimentadas como na Levada, Tabuleiro do Martins e Benedito Bentes”, disse.

O Ibama e o Batalhão de Polícia Ambiental (BPA) são os principais órgãos que atuam no controle do tráfico de animais silvestres em Alagoas. “Fazemos fiscalização em feiras livres, onde os animais são comercializados. Temos ações de inteligência para identificar alguns locais que servem como depósitos”, disse Rivaldo Couto, chefe da Divisão Técnica do Ibama.

Segundo o servidor do Ibama, é difícil combater a venda de animais porque ela está bastante pulverizada e movimenta um grande número de pessoas. “Tem o traficante, também tem os locais de capturas, normalmente na zona rural. Já sabe onde tem ninho, com rede e armadilha. Muitas pessoas movimentam isso, talvez pela própria impunidade. Tem a distribuição por encomenda e a venda pulverizada em feiras livres. A gente vai lá, combate e prende, mas volta tudo de novo”, afirmou.

OPERAÇÕES DO BPA AJUDAM A COMBATER O TRÁFICO

Mesmo com baixo efetivo, o Batalhão de Polícia Ambiental (BPA) realiza inúmeras operações para o combate ao tráfico de animais silvestres e demais crimes ambientais que são praticados em Alagoas. São 130 policiais, sendo 90 em atividade, quando seriam necessários 400 para suprir a demanda de crimes ambientais praticados em todo o estado.

No BPA, planejamento é a palavra de ordem para o êxito nas operações contra o tráfico de animais silvestres. “Planejar bem as ações faz toda a diferença no resultado do trabalho. Organizamos as operações por meio do setor de planejamento, que também é responsável em filtrar as informações das denúncias e nos preocupamos em capacitar os policiais ambientais, além de fazer operações em conjunto com o IMA e o Ibama”, explicou o coronel José Batista Oliveira, comandante do BPA.

‘PENA BRANDA FAVORECE”

Na avaliação do chefe da Divisão Técnica, como a pena para esse tipo de crime é considerada bastante branda, de apenas de um ano de detenção, então, em tese, os envolvidos acabam voltando ao comércio ilegal. “Eles assinam um termo circunstanciado de ocorrência, comprometendo-se a comparecer em juízo e vão embora. Não fica preso porque é de menor potencial ofensivo”.

A Organização Não Governamental (ONG) WWF-Brasil afirma que o crime de tráfico de animais silvestres é o terceiro maior do mundo, só perde para o de armas e o de drogas e o País é um dos maiores exportadores desses animais. Ainda de acordo com a ONG, o negócio movimenta mais de 1 bilhão de dólares e comercializa 12 milhões de animais anualmente.

Segundo Rivaldo Couto, geógrafo do Ibama, Alagoas é rota de passagem desse comércio ilegal de animais silvestres. “Como somos um estado pequeno, nosso consumo é pequeno. Recebemos pouco, mas a gente é rota de passagem do tráfico e de capturas no Sertão”, disse o servidor.

O servidor afirma que os principais locais de capturas estão concentrados nos estados da Bahia e em Pernambuco. “Alagoas também exporta, grande parte dos animais vai para o sudeste do País como o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Enfim, Alagoas está na rota nacional, mas não na internacional”, diz Rivaldo Couto.

Segundo informações do BPA, o tráfico não tem origem em Alagoas, os animais vem de outros estados e a maioria passa por aqui para serem entregues em outras regiões do Brasil, como a Sul, Sudeste e Centro-Oeste, e do Nordeste como Bahia e Sergipe. Na Bahia, os animais são exportados para outros países.

MUDANÇA NA LEI

Para fazer com que esse tipo de situação seja apurada de forma mais rigorosa, o Ibama aposta que seus integrantes ligados a cargos políticos podem ajudar a contribuir com a alteração do código penal para tornar mais dura a pena de quem participa do comércio ilegal de animais.

A lei branda acaba “contribuindo” para que o tráfico de animais permaneça. “A gente associa que esses números não caem primeiro pela impunidade (não é que seja feita vista grossa), já que a lei é muito branda e pouca gente para fiscalizar”. Para Rivaldo Couto, em tese, o risco compensa. “Na nossa avaliação, o tráfico de animais silvestres não cai por causa da impunidade”.

Os animais recolhidos ao Ibama são oriundos de apreensões, entregas voluntárias e resgate. Estimativa feita pela direção do órgão aponta que dos animais que o Instituto recebe, 80% são pássaros e 20% são répteis. As aves são os animais preferidos na hora da comercialização. “Quem tiver um pássaro em casa, que não for legalizado, vai receber uma multa. Se for papagaio ou arara será R$ 5 mil por animal, além de responder por crime ambiental”. Se for animal ameaçado de extinção e que consta em alguma lista internacional fica em torno de cinco mil reais. “Já animal comum, é R$ 500 de multa”, lembrou Cou to.

SEM DELEGACIA ESPECIALIZADA

Os crimes sobre tráfico de animais silvestres podem ser investigados pela Polícia Federal, Civil ou Militar. Normalmente, os casos considerados “mais graves” vão para a PF, mas a Polícia Civil não dispõe mais em Alagoas de delegacia especializada para acompanhar esses tipos de casos. “Quase toda semana se fazia operação conjunta, mas agora a Polícia Militar, no caso o BPA, tem o poder de lavrar o TCO”, disse o coronel Oliveira.

Como a lei não especifica o tráfico de animais, a reincidência pode ser enquadrada em outro crime, que tem pena maior. “Quando o indivíduo pratica o mesmo crime várias vezes, além de ser feito o procedimento de TCO, entramos em contato com a Polícia Federal, que enquadra o criminoso em um artigo do código penal que trata do crime de receptação, que prevê reclusão e multa, dependendo do tipo”, explicou Jeilson Vieira, do BPA.

O delegado da Polícia Federal, Adriano Moreira, que responde pela Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado informou à Gazetaweb que não há registro de tráfico internacional de animais em Alagoas. “Eu acredito que tenha caso, mas a população não denuncia. É cultural no Nordeste, a população gosta de criar pássaros silvestres. Hoje temos mais inquéritos sobre a extração irregular de minérios, de areia, sem autorização dos órgãos ambientais”, disse o delegado federal.

Adriano Moreira alega que seria importante Alagoas ter uma Delegacia da Polícia Civil especializada em crimes ambientais. “É importante porque os criminosos são os mesmos. Na maioria dos crimes, os envolvidos acabam respondendo em liberdade. O tráfico internacional de animais é um dos mais crimes mais rentáveis do mundo. Quem lucra mesmo é quem faz a ponte, é quem consegue esquentar a documentação e levar esses animais para o exterior”.

A Gazetaweb entrevistou Alice Reisfeld, gestora ambiental e coordenadora de projetos da SAVE Brasil, Sociedade para a Conservação das Aves do Brasil. É uma organização sem fins lucrativos, que tem foco na conservação das aves brasileiras.

Alice Reisfeld é responsável pelo projeto ‘Plano de Voo’ que tem como objetivo devolver à natureza aves apreendidas pelo comércio ilegal de animais silvestres.

Gazetaweb – Como funciona o tráfico de animais silvestres?

Alice Reisfeld – O tráfico de animais ocorre principalmente com a captura de aves canoras, que são retiradas da natureza em grandes quantidades para serem vendidas em diversos lugares do Brasil e até mesmo para outros países. Esses animais, depois de serem capturados, viajam longas distâncias em péssimas condições sanitárias e sob muito estresse. Por isso, uma alta porcentagem das aves que são retiradas da natureza morre durante o transporte. As aves que sobrevivem são encaminhadas para serem vendidas, o que ocorre mu ito comumente em feiras de rolos nas cidades. Infelizmente, ainda há a forte cultura de se manter aves presas em gaiolas, e os animais provenientes do tráfico são mais baratos do que os que vêm de criadouros licenciados pelo Ibama. Dessa forma, muitas pessoas optam por comprar animais de origem ilegal, fomentando o tráfico.

O Nordeste está inserido nesse tipo de situação?

Sim, muitas das aves que são vendidas no país inteiro são capturadas no Nordeste. Um caso icônico do tráfico de aves no Nordeste é o da ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), que atualmente é considerada extinta na natureza, existindo apenas em cativeiro, devido à forte pressão que sofreu por ter sido capturada ilegalmente em grande escala na Bahia. Muitas das espécies de aves que aparecem como as mais apreendidas são capturadas no Nordeste para serem vendidas no Brasil inteiro, como o Azulão, o Cardeal-do-nordeste e diferentes espécies de papagaios.

O Ibama informou que o tráfico de animais no Sertão alagoano aparece com destaque. Para onde vão esses animais?

Muitas das aves capturadas acabam sendo vendidas próximas ao local de captura, mas grande parte desses animais segue para a região Sudeste, onde são vendidos em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro e também são enviadas para fora do país.

Quais os animais mais cobiçados para o tráfico no Nordeste?

Dentre os mais capturados no Nordeste estão: o canário-da-terra (Sicalis flaveola), o azulão (Cyanoloxia brissonii), o cardeal-do-nordeste (Paroaria dominicana), diversas espécies de papagaio, o pássaro-preto (Gnorimopsar chopi) e o tico-tico (Zonotrichia capensis). Essas são algumas das espécies mais vendidas no Brasil.

Para denunciar o tráfico de animais silvestres e outros crimes ambientais praticados em Alagoas, as pessoas devem ligar para o telefone do Ibama: 2122-8300, IMA -3315-1738, BPA -3315-4325, ainda pelo disque-denúncia, no 181 ou ainda pelo e-mail: bpa.alagoas@gmail.com. Não é preciso se identificar.

Por Pollyanne Costa e Regina Carvalho / Gazetaweb

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