Em Alagoas, Pelé sempre foi rei: veja a história do jogador com o estado Maior jogador de todos os tempos visitou o Estado quatro vezes a partir da amizade com alagoanos Dida e Zagallo.

Wellington Santos / Agência Alagoas

29 dez 2022 - 18:22


Pelé no jogo comemorativo de inauguração do Trapichão (Estádio Rei Pelé) em Maceió (Foto: Arquivo Oficial de Alagoas)

Morre o homem e nasce o mito, diz o provérbio popular. Alagoas foi o lugar onde o reinado de Pelé primeiro se eternizou, muito antes de sua morte, nesta quinta-feira, dia 29 de dezembro.

O ápice dessa eternidade se deu há pouco mais de 52 anos, naquele inesquecível 25 de outubro de 1970, quando o maior jogador de todos os tempos ganhou um estádio para chamar de seu: o Rei Pelé, em Maceió.

O ex-governador Lamenha Filho naquele dia abriu mão de colocar seu nome no estádio para homenagear o rei, que teve seu legado representado em um pensamento do dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues.

“Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones ou etíope. Racionalmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: ponham-no em qualquer rancho e Sua Majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor”.

Cinquenta e dois anos depois, no Twitter, o governador Paulo Dantas representou este mesmo sentimento ao prestar condolências e destacar o valor inestimável de Pelé ao mundo.

“O Brasil perde hoje um dos seus maiores ídolos. Sensacional, magnífico, único. Faltam adjetivos para definir aquele que foi o maior jogador de futebol de todos os tempos. Em nome de toda Alagoas, prestaremos homenagens dignas de quem levou nosso país aos pódios mais altos do mundo”.

Mas essa história de amor, talento, solidariedade e presença especial começou bem antes e nesta reportagem homenagem vamos trazer todos os detalhes.

Amizade pessoal com Dida e Zagalo

Seleção brasileira antes de embarcar para a Copa de 58. (Dida de camisa escura sentado entre outros jogadores; e Zagalo ao lado de Pelé (Foto: Arquivo)

A primeira relação do Rei com Alagoas remonta ao ano de 1958 com dois atacantes da terrinha, na inesquecível Copa da Suécia. Dida e Zagallo participaram com ele da Seleção Brasileira campeã do mundo na Suécia —, laço muito forte, também eterno.

O atacante Dida estava entre os titulares na rodada de abertura, contra a Áustria. Na segunda partida, diante da Inglaterra, o alagoano ficou no banco. A partir do terceiro jogo, contra a União Soviética, Pelé entrou de vez na equipe e brilhou na conquista do título inédito. Ele nunca mais perdeu a titularidade.

Por seu alto rendimento no Flamengo, Dida foi convocado pelo técnico Vicente Feolla (1909–1975), para os preparativos para a Copa do Mundo de 1958. Era um atacante rápido, de gols e jogadas fenomenais. Jogava originalmente como ponta de lança, a mesma posição de Pelé que, aos 17 anos, despontava como o craque-revelação do Santos. Dida perderia a titularidade para o futuro Rei, com quem manteria a amizade junto com outro alagoano, Mário Jorge Lobo Zagallo.

No campo, foi com Zagallo que Pelé evolui, viu aquele falso ponta esquerda cumprir pioneiramente uma função tática considerada arrojada para a época. Zagallo ia ao ataque, mas voltava para dar combate e ajudar na defesa. E depois veio a Copa do Chile, em 1962, onde Pelé se machucou e brilhou a estrela de Garrincha, com o sempre voluntarioso Zagallo em campo. Novamente campeões.

Ainda com Zagallo, cada vez mais seu amigo, agora como técnico, Pelé já era rei quando foi tricampeão do mundo na Copa do México de 1970. Era a consagração para a amizade dos dois.

1965: Rei é apresentado a Alagoas pela primeira vez

Time do Santos que enfrentou o CRB na Pajuçara (Foto: Arquivo)

Era 25 de julho de 1965.  É desta data a primeira apresentação de Pelé em solo alagoano. Depois de duas Copas do Mundo, 1958 e 1962, o Rei do Futebol entrava em campo no lendário Estádio Severiano Gomes Filho, na Pajuçara. Um amistoso entre CRB e Santos, considerado por todos os esportistas da época como um dos melhores times do mundo.

Em campo, o Santos não tomou conhecimento do adversário e goleou o então campeão alagoano por 6 a 0, com dois gols do Rei. Naquela tarde, todo foco era em Pelé, que vivia o auge de sua fama. Segundo contou o historiador e jornalista esportivo Lauthenay Perdigão, a torcida começou a chegar às dez da manhã, todos queriam ver o rei. As arquibancadas e as cadeiras sociais estavam lotadas, como também os muros e árvores ao redor do campo.

O primeiro tempo terminou em zero a zero e o inesperado aconteceu: Pelé chegou a ser vaiado pela torcida alvirrubra. E olhe que era apenas um amistoso. Mas, no segundo tempo, a resposta viria, pois toda a constelação santista e Pelé brilharam e  “carimbaram” a faixa do campeão alagoano, com uma goleada e show memorável do rei.

O ex-atacante Xavier, apelidado de Flexa Negra, foi uma das testemunhas oculares daquela data histórica. Natural de Penedo, em 1964, depois de rodar pelo Bahia, Fluminense de Feira e Botafogo da Bahia, Xavier voltou à terra natal para defender as cores do Penedense. O desempenho no Campeonato Alagoano daquele ano despertaria o interesse do CRB, para onde se transferiu no ano seguinte. Foi quando participou da histórica partida do Galo contra o Santos.

“Quem mandou cutucar o Pelé com vara curta”, brinca Xavier, ao lembrar da zoação que fizeram com o rei na sua ida aos vestiários no fim do primeiro tempo.  “Mangaram do Pelé e ele se encabulou, mas deu o troco no segundo tempo. Eu já estava na banheira me ensaboando, pois tinha sido substituído pelo Humaitá, quando ouvi os gritos de fora, gol do Pelé! e depois outro, e outro. Ele fez dois, o CRB perdeu de seis a zero. Não sei para que o povo foi mexer com o Pelé”, completa o ex-atacante do CRB.

1970: Estádio Rei Pelé uma homenagem que ficou para história

Principais revistas da época fizeram ampla cobertura do evento (Foto: Arquivo)

Depois de deixar sua marca em 1965, no lendário estádio Severiano Gomes Filho, na Pajuçara, Pelé volta a Alagoas pela segunda vez, agora como tricampeão do mundo pela Seleção Brasileira para uma honraria ainda maior: inaugurar o estádio que leva seu nome, fato que ocorreu no dia 25 de outubro de 1970. 

Nesta segunda visita, o grande homenageado marcou presença no amistoso entre Santos e Seleção de Alagoas. Com Pelé em campo, o Peixe santista goleou por 5 a 0. A camisa número 10 de Pelé, autografada pelo ídolo naquela partida de inauguração do estádio que leva seu nome, é a prova viva da presença do rei na primeira partida oficial naquele gramado, diante de cerca de 40 mil pessoas. 

A badalação sobre a equipe paulista era tão grande que no dia anterior à inauguração, que as autoridades alagoanas ofereceram um jantar aos jogadores do time paulista no Clube Fênix Alagoana. O autor do primeiro gol do estádio foi o meia Douglas.  Pelé marcou dois gols e Nenê mais dois, lembrados com clareza 52 anos depois.

Já sobre o batismo (e a mudança repentina) do nome do estádio que se chamaria Governador Lamenha Filho, de acordo com Lauthenay Perdigão, em julho de 1970, quando o Brasil ganhou o tricampeonato mundial no México, foi organizada uma grande festa na Praça dos Martírios. Jornalistas que trabalhavam com o governador disseram que ele ficou entusiasmado com as comemorações e a conquista.

Como Pelé foi o grande nome da Seleção e estava se despedindo das Copas, o governador retirou o seu nome, que seria dado ao estádio, e colocou o nome de Rei Pelé. Essa notícia foi dada pelo rádio e causou grande repercussão no Brasil inteiro. Seria o único Estado em todo o mundo que levaria o nome do maior jogador de todos os tempos.

A camisa 10 azul do rei: da Suécia para Alagoas

Camisa 10 doada pelo Pelé chegou a Alagoas pelas mãos de Dida e ficou exposta por 10 anos no Museu dos Esportes, no Estádio Rei Pelé (Foto: Arquivo)

Pelé via o alagoano Dida como uma inspiração. O tempo em que os dois estiveram juntos na Seleção aumentou a admiração do rei do futebol pelo alagoano. Dida já era uma fera, enquanto o Rei era apenas um adolescente. Depois da final, o craque presenteou o ídolo alagoano com a famosa camisa azul. Foi exatamente essa mesma camisa 10 que chegou a Alagoas pelas mãos de Dida. Ela ficou exposta durante dez anos no Museu dos Esportes, localizado justamente no Estádio Rei Pelé.

De 1993 a 2003, a camisa do rei foi a principal peça da coleção do museu Edvaldo Alves Santa Rosa (o Dida), coordenado pelo jornalista e historiador Lauthenay Perdigão (1934-2021), amigo e fã de Dida. No entanto, o museu passou por uma séria crise financeira. Paredes mofadas, goteiras e o risco de perder todo o acervo. Por isso, o historiador colocou a camisa à venda na casa de leilões Christie’s, em Londres. 

Seu “Lau”, como também era carinhosamente conhecido, pensou, pensou, pensou e teve a solução (que depois se arrependeria) — teria de leiloar a camisa de Pelé da Copa de 1958. Foi leiloada na Inglaterra e tudo indicava que os custos da manutenção seriam sanados com tranquilidade. Ledo engano: não compensou. “Só ficaram R$ 52 mil para a manutenção do museu”, lamentou Lauthenay, à época. 

Da camisa, então, restou somente uma foto pendurada na parede. Apesar do baixo valor, o jornalista contou com um pouco de sorte. No mesmo leilão, uma camisa de Zagallo também foi colocada à venda por outro colecionador, com valor estimado entre 10 mil libras e 15 mil libras e um par de chuteiras avaliado entre 3 mil libras e 5 mil libras; apesar do valor histórico, os itens não atingiram o preço mínimo e nada foi vendido.

Árbitro do gol mil de Pelé também era alagoano

Pelé ao lado do juiz da partida onde marcou o milésimo gol (Foto: Arquivo)

E a relação não parou por aí. Fora de Alagoas, mais um filho da terra de Calabar e de Zumbi dos Palmares também seria eternizado com o Rei Pelé em campo. Manoel Amaro de Lima (1946-2009), natural de Murici, foi o árbitro que  apitou o famoso pênalti contra o Vasco, que seria o icônico milésimo gol do Rei do Futebol.

O jogo era tenso e estava empatado por 1 a 1. O Vasco abriu o placar, aos 16 minutos do primeiro tempo, com Benetti, e o Santos empatou com gol contra de Renê, aos 10 minutos da segunda etapa.

Após um lançamento de Clodoaldo, Pelé dividiu a bola com Fernando dentro da área do Vasco, e o árbitro alagoano marcou a penalidade, aos 33 minutos. Após muita reclamação dos vascaínos, quase 15 minutos depois da marcação, Pelé acertou o pé direito na bola e fez a bola morrer no canto esquerdo de Andrada.

Ali, diante de mais de 64 mil torcedores, o Rei do Futebol atingiu a marca histórica dos mil gols.

1995 e 2010: ativismo, solidariedade e hall da fama

Foto: Arquivo

Mas o Rei do Futebol pisaria o solo alagoano mais uma vez. Na sua quarta e última passagem nas Alagoas, era 25 de junho de 2010, e após fazer um sobrevoo com o então governador Teotônio Vilela para ver os estragos provocados pelas enchentes que deixaram rastro de mortes e 70 mil desabrigados naquele ano no Estado, Pelé desembarcou de helicóptero para reinaugurar as melhorias no estádio que leva seu nome.

Entrou pela lateral de acesso aos novos vestiários que estavam sendo inaugurados no Estádio Rei Pelé naquele dia. Depois de circular pelo novo equipamento, Pelé, muito solícito, concedeu uma tumultuada e disputada entrevista onde todos buscavam uma frase ou uma foto com o Rei. Depois, subiu o túnel de acesso ao gramado. No centro do gramado, com a bola na marca de saída, Pelé ainda bateu bola, acenou e sorriu para fotos.

A partida de reinauguração foi entre CSA e CRB, e o rei cumprimentou um por um cada jogador daquele duelo, além de dar o pontapé inicial da partida. Pelé ainda deixou a marca dos seus pés no Hall da Fama do Museu dos Esportes. A visita deixaria fotos e recordações para todos que já reconheciam tamanha realeza.

Rápida passagem

Pelé teve uma passagem relâmpago em ato político de ativismo na luta contra o racismo. O Rei do Futebol pisaria o solo alagoano mais uma vez, mas essa quase ninguém se recorda, nem a mídia deu o destaque merecido sendo que essa foi a única ação engajada de Pelé num evento de afirmação racial em terras alagoanas, quando compareceu ao Tricentenário de Zumbi, no dia 20 de novembro de 1995, em União dos Palmares. Pelé era ministro dos Esportes no então governo de Fernando Henrique Cardoso e sua passagem por União dos Palmares foi muito rápida, de apenas um dia, acompanhando a comitiva presidencial.

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