Quem deve julgar jornais que publicam declarações mentirosas?

Assessoria

10 dez 2023 - 16:00


A consulta a fontes de informação, portanto, é essencial para o trabalho jornalístico (Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil)

Toda vez que assuntos jornalísticos precisam ser judicializados, ressurge o debate a respeito da liberdade de imprensa. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) condenando o Diário de Pernambuco, no último dia 30 de novembro de 2023, por ter publicado falsas acusações é uma evidência muito clara da interferência do poder judiciário sobre uma prática muito comum no jornalismo e, por isso, causa arrepios.   

Citar declarações de fontes de informação condiz com o que a socióloga estadunidense Gaye Tuchman entende como “ritual profissional”. Segundo ela, os jornalistas estão habituados a usar as declarações, uma vez que não estão em condições de presenciar os acontecimentos do cotidiano. A publicação de “aspas” é uma prova de que o jornalista buscou informações com pessoas ou instituições, firmando um contrato fiduciário com o público que busca informações em jornais.  

Se o fato é a matéria-prima do trabalho jornalístico, a fonte é o elemento concreto que assegura, no mínimo, uma versão sobre os acontecimentos. A menos que o jornalista testemunhe o acontecimento, ele dependerá sempre de terceiros para construir a notícia com alguma veracidade. A consulta a fontes de informação, portanto, é essencial para o trabalho jornalístico.   

Mas qual a garantia de bom senso nisso? É aí que o interesse comercial do jornal encontra o valor ético do jornalismo. A longo prazo, tudo que não é bem apurado, que não considera a pluralidade de opiniões, as versões contraditórias, entre outras falhas possíveis no jornalismo, estão sujeitas a um julgamento público (ou pelo judiciário). Mais cedo ou mais tarde, o erro aparece. E todo jornal com alguma noção clara de negócios sabe que uma informação errada não combina com audiência duradoura, com a venda de assinaturas e espaço publicitário e com sucesso comercial.  

Já o jornalista sabe que a fonte se dispõe a ceder informações por interesses particulares. Trata-se de um jogo, ainda mais quando envolve política ou negócios. E essa relação exige alguma negociação que pressupõe a confiança da fonte de que o jornalista publicará as informações repassadas e do jornalista de que a fonte cederá informações verdadeiras. Isso não quer dizer que o jornalista deva reproduzir sempre tudo o que a fonte diz. Só um jornalista muito ingênuo ou um jornal completamente vendido editorialmente publica uma declaração ou dados de uma fonte sem minimamente publicar a contestação da versão ou checar as informações. Por isso, o caso envolvendo o Diário de Pernambuco está no âmbito da ética jornalística.  

Os colegas jornalistas criticaram duramente a decisão do STF, como ficou evidente em notas de entidades representativas da categoria e das empresas. Afinal, a tese aprovada pelo Supremo pode abrir precedentes para novos processos contra jornais que publiquem declarações mentirosas.   

Por outro lado, e que não se comenta, é que a publicação da entrevista com o delegado Wandenkolk Wanderley, realizada pelo jornalista Selênio Homem de Siqueira, em 25 de julho de 1995, pelo Diário de Pernambuco, foi um erro. O jornal não checou as informações que incriminavam o professor e engenheiro Edinaldo Miranda e o ex-deputado federal Ricardo Zarattini, na época militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Vale lembrar que ambos foram inocentados do atentado a bomba em Recife, em 1966, do qual foram acusados, conforme atestado pela Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara.  

Certo ou não, os holofotes sobre a polêmica estão virados para o lado errado. O problema não é o STF. A decisão é mais uma dentre outras tantas que apontam a interferência do Judiciário sobre o jornalismo e que vão continuar ocorrendo, assim como as críticas de políticos e daqueles que não sabe distinguir jornalismo e mídia. O julgamento do STF é uma resposta à ausência de mecanismos de vigilância ética que precisa urgentemente de recursos autônomos que permitam ao jornalismo ser avaliado por… jornalistas. Médicos, advogados, engenheiros, enfermeiros, entre outros tem o seu conselho profissional. Quando é que questões éticas serão avaliadas por jornalistas?  

(*) Guilherme Carvalho é professor de graduação em jornalismo do Centro Universitário Internacional Uninter e do mestrado em jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Tem pós-doutorado em Jornalismo e doutorado em Sociologia. É vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo (ABEJ). 

Comentários