Bandidos encapuzados, explosões e pessoas reféns. A descrição da cena assusta, mas, na verdade, ela fez parte de um dos simulados promovidos pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-AL), em março de 2022, na cidade de Palmeira dos Índios.
A atividade simulada de um assalto a banco, modalidade de crime “domínio de cidades”, foi a primeira realizada em Alagoas e faz parte das estratégias adotadas pela SSP-AL na capacitação do efetivo policial para situações de extremo risco no estado. A medida está prevista em uma metodologia conhecida como Plano de Defesa.
A doutrina, que tem como base bibliográfica o livro “Superando Desafios em Segurança Pública: A inovação como ferramenta de transformação em Alagoas”, vem ajudando o estado a se tornar referência na prevenção dessas modalidades criminosas.
De acordo com o chefe Especial de Inteligência e um dos autores do livro, tenente-coronel Raumário Jerônimo, o Plano de Defesa pode ser definido como “um documento institucional e metodológico para sistematização de atendimento de ocorrências de alta complexidade, alta intensidade e baixa familiaridade”. Ele surge a partir de estudos feitos por especialistas da área criminal, que observaram a ineficiência das equipes de policiamento ordinário, ou seja, aquelas que atendem as ocorrências de baixa complexidade no dia-a dia dos centros urbanos e rurais, no atendimento a crimes de alta complexidade. Os estudiosos constataram que o nível de letalidade dos primeiros agentes de segurança a chegarem aos locais dos fatos era alto, em especial aos crimes de assalto a bancos. Com isso, surgiu a necessidade de criar padrões de segurança avançados para a prevenção e retaliação desses criminosos.
Em Alagoas, a preparação é feita a partir da promoção de estágios técnicos desenvolvidos pela Secretaria de Segurança. Desde 2022, o estado já realizou nove dessas atividades, que incluem instruções teóricas e práticas. Conforme a SSP-AL, as ações simuladas aconteceram em 15 municípios de todas as regiões alagoanas, a exemplo de Maceió, Arapiraca, Penedo, Maragogi e Delmiro Gouveia. Uma das coordenadoras pedagógicas do Plano, a soldado Larissa Artemis, reforça a importância da multiplicação desses padrões de procedimentos durante ocorrências de domínio de cidades para diminuir os riscos à vida do policial e da população alvo do ataque. “A implantação de um Plano de Defesa deve ser abrangente e atingir o máximo de profissionais possíveis. Por isso, a SSP-AL promove essas atividades em cidades de todas as regiões do estado”.
Segundo a soldado, um exemplo positivo pode ser visto no 9º Batalhão, localizado na cidade de Delmiro Gouveia, no Alto Sertão Alagoano. A unidade se encontra em fase avançada na construção do seu próprio Plano de Defesa. A coordenadora reforça que, a partir de uma base teórica em comum, cada Força de Segurança do estado tem autonomia para construir o seu próprio Plano de Defesa, pois cada uma delas tem seu campo de atuação específico.
O que é o “Novo Cangaço”?
O universo dos crimes de domínio de cidades se difere das ocorrências cotidianas pelo seu alto grau de planejamento e poderio armado dos criminosos. Essa modalidade criminosa ficou conhecida como “novo cangaço”. O nome é dado devido à semelhança nas táticas de violência empregadas pelos criminosos com aquelas dos cangaceiros do passado. Esses crimes acontecem, geralmente, em cidades interioranas.
O ataque a agências bancárias e carros-fortes é um dos exemplos de crimes que assustam a população de diversas cidades pela “estratégia de terror” adotada pelos criminosos. Nessas ações, os bandidos costumam realizar um longo planejamento, desde o recrutamento de especialistas, até a realização de visitas prévias à cidade alvo. Eles utilizam armamentos pesados, além de explosivos altamente destrutivos. Os ataques acontecem em grupos numerosos, que costumam fechar entradas da cidade e tomar reféns para facilitar a fuga. Além dos assaltos, outro exemplo de crime de domínio de cidades é o resgate em massa de presos do sistema prisional. As estratégias e o poder de fogo dos envolvidos nessas ações são os mesmos.
A Polícia Militar de Alagoas conta com um Batalhão de Elite para a atuação no domínio de cidades. Com uma estrutura organizacional diferente das unidades de área, o Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), investe no treinamento para atuar em situações de risco. O comandante da unidade, tenente-coronel Jatobá, explica que o acionamento rápido e a prontidão do efetivo são fundamentais para mitigar o poder destrutivo de criminosos. “Após a chegada da informação sobre a ocorrência, todas guarnições de serviço são acionadas e um plano de chamada interno se inicia para reunir o máximo de efetivo possível, com todos equipamentos disponíveis, a exemplo de fuzis de precisão e assalto, além do esquadrão antibombas.”
O tenente-coronel Jatobá também explicou que o BOPE tem uma atuação de protagonismo a partir do acionamento do Plano de Defesa para a “ativação dos bloqueios estratégicos das entradas e saídas das cidades, além do combate aos assaltantes, se possível, no momento da ocorrência, ou na procura dos mesmos após ocorrência, seja em ambiente rural ou urbano.”
Exportando conhecimento
O nível de preparo de Alagoas no combate a crimes de domínio de cidades tornaram suas forças policiais referência. Dados do Núcleo de Estatística e Análise Criminal (Neac), da SSP-AL mostram que o estado está a quase cinco anos sem registrar ocorrências de assaltos a bancos. O último registro aconteceu em setembro de 2022, no município de Paulo Jacinto. O bom histórico e a qualidade técnica levou as chefias de inteligência e ensino da Secretaria de Segurança a promoverem, em novembro de 2023, uma capacitação no estado do Piauí. No total, cerca de 57 alunos das Polícias Civil, Militar e Penal, Corpo de Bombeiros, Perícia Criminal e Exército participaram das instruções sobre os procedimentos adotados em um Plano de Defesa.
No âmbito estadual, um estágio do Plano de Defesa foi iniciado com a Secretaria de Ressocialização e Inclusão Social (Seris) voltado à preparação de membros do sistema prisional para situações de alta complexidade. A atividade foi concluída com uma simulação de fuga e resgate de reeducandos. O chefe de inteligência da SSP-AL destaca que o Plano de Defesa é fundamental para a manutenção dos bons números, pois “age embasado em teorias criminais, especialmente no quesito dissuasório, demonstrando que o Estado de Alagoas está treinando e preparado para lidar com crimes de domínio de cidades, mesmo que em grande escala.”
Em abril deste ano, o estágio técnico do Plano de Defesa chegou a sua nona edição. Desta vez, os participantes foram os cadetes do Curso de Oficiais (CFO) da Polícia Militar de Alagoas (PM-AL). Os futuros comandantes produziram um plano com foco no combate a grupos criminosos nos centros urbanos, a partir da disputa territorial pelo tráfico de drogas ou questões ideológicas, como torcidas organizadas. O simulado de encerramento aconteceu no Estádio Rei Pelé. O plano produzido pelos cadetes foi supervisionado e aprovado pela Secretaria de Segurança Pública de Alagoas.
Importância da divulgação
A dissuasão se transforma em um importante arma contra à criminalidade. Os autores do livro “Superando Desafios em Segurança Pública” mostram que a divulgação da realização de simulados e dos procedimentos adotados pelas equipes policiais ajudam no processo de desencorajamento de ações criminosas. Os bandidos começam a perceber que o Estado está preparado para combate às ameaças, em especial a crimes de alta complexidade. Os criminosos terminam percebendo que o alto custo dessas ações não compensa se comparado ao benefício do seu sucesso.
Além disso, a população também se torna peça da construção de uma política de defesa estatal. A divulgação prévia das atividades simuladas mobilizam cidades e despertam a curiosidade da população, que pode acompanhar de perto todas as atividades realizadas durante os exercícios. Um exemplo desta parceria foi a prisão de suspeitos de planejarem um assalto à agência bancária realizada pela PM na cidade de Anadia. A ação teve início com o apoio da população anadiense, que informou à guarnição do Grupamento da Polícia Militar na cidade, pertencente à 1ª Companhia Independente, sobre indivíduos que estavam registrando fotos no entorno do banco. Entre as características apontadas, os populares disseram que os suspeitos nunca tinham sido vistos antes na região.
Essa reportagem é a segunda de uma série em quatro partes. Leia aqui a primeira matéria.