O que pode acabar com o embargo dos EUA a Cuba?

02 jan 2014 - 07:47


Foto: Pragmatismo Político

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A presença da blogueira cubana Yoani Sanchez no Brasil trouxe ao centro da discussão política a fração autoritária da esquerda brasileira, que parecia relegada ao esquecimento. Não por coincidência, junto com seus arroubos, essa franja política manifestou outra característica do esquerdismo latino-americano da Guerra Fria, a ingenuidade. Manifestantes tentaram fazer com que Yoani assinasse um manifesto pelo fim do embargo norte-americano a Cuba e alardearam o fato de ela não ter corroborado o que dizia o documento. O esforço é inútil. Apenas uma profunda incompreensão da realidade pode explicar o fato de pessoas acreditarem que protestos ou abaixo-assinados farão o boicote ser derrubado.

Entre os poucos consensos da comunidade internacional, a avaliação de que o embargo norte-americano a Cuba é uma atrocidade se destaca. Desde 1991, a Assembleia Geral das Nações Unidas condena anualmente o boicote. Em 2012, a resolução recebeu 188 dos 193 votos (apenas EUA, Israel e Palau foram contra). Projetos condenando os massacres na Síria e os abusos de direitos humanos na Coreia do Norte, por exemplo, não chegam nem perto de obter tantos votos. Ocorre que pressões internacionais não funcionam para fazer o governo norte-americano, o mais poderoso do mundo, mudar de opinião.

O embargo a Cuba, ainda que cause desgosto e indignação generalizadas no mundo, é um assunto interno dos Estados Unidos. Instituído em 1962 pelo então presidente John Kennedy, o embargo é sustentado, desde 1992, também por um ato do Congresso. Segundo esta legislação, o boicote só poderá acabar quando Cuba realizar eleições livres e passar a tolerar a oposição política, dois avanços ainda muito distantes. Para o Congresso e a Casa Branca modificarem suas posições, seria necessária uma mudança no clima político norte-americano. Ela já pode ser vislumbrada, mas ainda está distante.

A postura da Casa Branca

O governo de Barack Obama tem posições contraditórias a respeito de Cuba. Como todos seus antecessores desde Kennedy, Obama ratifica o embargo todos os anos e o defende nas Nações Unidas. São decisões inescapáveis, cujo não cumprimento implicaria em crise política.

No dia a dia, Obama lida com Cuba da mesma forma como faz com outros problemas internacionais. Faz o que considera ser possível sem gastar muita energia e provocar controvérsia. Em 2011, a Casa Branca afrouxou uma série de restrições a respeito das viagens de norte-americanos a Cuba, num aparente sinal de boa vontade. A aproximação parou depois que o governo cubano condenou o norte-americano Alan Gross, de 63 anos, a 15 anos de prisão. Ele foi acusado de entregar à comunidade judaica de Cuba equipamentos de comunicação que permitiriam uma conexão com a internet mais rápida que a precária autorizada pelo governo cubano.

Ao seu redor, Obama tem auxiliares que favorecem a aproximação. O novo chefe da diplomacia norte-americana, John Kerry, é um crítico de ações norte-americanas de “promoção da democracia” em Cuba que só fazem provocar o regime castrista. Em 2011, como presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, Kerry chegou a bloquear um desses programas até que mudanças fossem realizadas. Chuck Hagel, nomeado de Obama para a Secretaria da Defesa, é um ferrenho opositor do embargo. Em 1999, Hagel avaliou o boicote como “ultrapassado, ineficaz e irrelevante para o próximo século”. Nos anos subsequentes, apoiou diversas leis contrárias ao embargo, que não chegaram a ser votadas.

Apesar da postura de Obama, Kerry e Hagel, é improvável que a Casa Branca tente colocar fim ao boicote. Ao contrário da esquerda autoritária, Washington não enxerga Cuba como uma prioridade. Há questões mais urgentes que, sozinhas, já provocarão desgaste suficiente no Congresso.

A disputa política no Congresso

Entre os congressistas norte-americanos, Cuba é um assunto que provoca paixões intensas. Muitos senadores e deputados sem qualquer relação com Cuba ou outros países latinos são frontalmente contra o fim do embargo. Esses vivem ainda o clima da Guerra Fria e acreditam que, se os Estados Unidos voltarem atrás, seria uma prova de fraqueza diante da ditadura comunista. Há, entretanto, aqueles que enxergam a situação de maneira diferente. Uma comissão parlamentar liderada pelo senador Patrick Leahy esteve nesta semana em Cuba para tentar negociar com Raul Castro a libertação de Gross.

O clima da Guerra Fria é mais vivo entre os parlamentares ligados à comunidade latina, especialmente os da Flórida. Miami é o coração da comunidade cubano-americana, cujo anti-castrismo é conhecido. Nos anos 1980 e 1990, os setores mais radicais dos imigrantes chegaram a financiar atentados terroristas contra Cuba. Hoje, a violência não é mais uma alternativa atrativa, mas muitos ainda são amplamente favoráveis ao embargo e prometem não pisar no país de origem enquanto Fidel Castro estiver vivo.

As eleições presidenciais de 2012 mostraram, entretanto, que com o passar dos anos as coisas podem mudar. Assim como a maioria dos jovens norte-americanos, os jovens “cubanos nascidos nos Estados Unidos” votaram em peso em Obama, fazendo com que a comunidade, historicamente fiel ao Partido Republicano, desse igual (ou maior, segundo algumas estimativas) número de votos ao Partido Democrata. Mesmo no condado de Miami-Dade, tradicional bastião republicano, Obama teve 47% dos votos, segundo estatísticas oficiais. Um resultado expressivo.

No último sábado, a estudante universitária Vanessa Garcia, “cubana nascida nos EUA”, publicou no jornal Miami Herald um artigo sobre sua posição política. No texto, Vanessa conta que convenceu os pais e os avós a votarem em Obama em 2008 e 2012 e diz “não aguentar mais a posição deles [os mais velhos] a respeito do embargo”. Vanessa é a personificação de uma mudança demográfica que não ocorre apenas na Flórida, mas em todos os Estados Unidos, e que, a médio prazo, poder levar ao Congresso parlamentares mais razoáveis que os linha-dura atuais, como Ileana Ros-Lehtinen e Robert Menéndez.

Os jovens cubano-americanos, assim como boa parte da classe política naquele país, entendem o embargo como ele realmente é. É uma prática hipócrita, pois os EUA têm relações abertas com diversas ditaduras; cruel, pois prejudica a população cubana; e contraproducente, pois serve como justificativa para os fracassos da ditadura.

A situação só vai mudar, no entanto, quando a voz desses jovens for maioria, tornando politicamente viável a retirada das amarras que, ao longo dos anos, fizeram do boicote um fato imutável. Quando isso ocorrer, o legado dos Castro estará realmente à prova, pois deve enfrentar um choque de capitalismo capaz de abalar de vez as estruturas do regime.

Por José Antonio Lima / Carta Capital

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