O ENIGMA
14 fevereiro 2014
“Uma lenda sobre a fundação de Santana do Ipanema”
Era uma vez, três irmãos, Frederico, Lutero e Pedro. Três donatários de terras remanescentes, que se estendiam desde a serra do Ororubá na capitania de Pernambuco, até a freguesia de Porto da Folha, sob a égide de Nossa Senhora da Conceição, as margens do rio São Francisco. Pois bem, esses impávidos desbravadores viviam conforme as vicissitudes de que suas terras lhes propiciavam. Frederico, pecuarista, tirava o máximo de proveito da região de clima ameno, no alto sertão, onde assentou moradia. Lutero, agricultor, vivia alternadamente períodos de fartura e escassez, devido à região que ocupava o médio sertão. E Pedro a despeito de ocupar as margens do “Velho Chico”, era pescador, vivia da pesca.
Frederico praticamente nascera encima dum cavalo, sua mãe, mesmo na sua gravidez, já perto do menino vir ao mundo vivia nas caatingas do sertão, na lida com os bovinos. Mulher destemida, laçava, derrubava e ferrava boi no mato. Separava as novilhas que já estava em época de pegar cria. E conhecia as características dos garrotes com capacidade de cobertura. A vaca boa de leite, sabia que não era a de carcaça cheia, volumosa. Vaquinhas leiteiras eram as magrelas, pois tudo que comiam era pra transformar no precioso líquido lácteo.
Touro era tratado no capricho, garantia de boas coberturas. Rebanho bom era rebanho manso, que bovinamente pastava no cercado. Ora contido no curral, ora na canga do carro gemedor, ou ainda sulcando a terra no bico do arado Tudo isso Seu Frederico aprendeu na vivência com os servis bubalinos. Se quiser saber quem é que acorda o sertão pergunte ao vaqueiro. Quem pensar que são as aves, a pipilar, ou o galo com seu despertador có-có-ri-có, ou mesmo o bezerro mugindo a desmama, no curral, está enganado, quem acorda o sertão é o vaqueiro. E a boquinha da noite, todos se reuniam no alpendre, e rezavam uma reza, que pedia a Deus proteção, para os bois de arado, que não houvesse ali cavalo desertado, nem naquela casa morresse mulher de parto. Um dia Seu Frederico teve um sonho, muito parecido com aquele que o faraó teve lá no Egito, narrado nas escritas sagradas.
Seu Frederico sonhou com sete vacas gordas, e sete vacas magras, e sete espigas de milho. Só que, ao invés das vacas magras engolirem as gordas, aparecia um touro brabo, dez vezes maior que as catorze vacas, e investia contra eles. Bem cedinho, no raiar do dia, foi até o curral, e algo incrível ocorreu, um dos bois, o mais velho, começou a falar com Seu Frederico, com sua voz de boi velho e cansado, ele disse bem assim: “-Seu Frederico, eu sei o significado do seu sonho, porém só contarei se o senhor prometer me soltar na mata, pra que possa viver livre o resto dos meus dias.” Seu Frederico concordou. Então ele continuou: “-As sete vacas gordas que o senhor viu no sonho é o senhor com sua propriedade. As vacas magras é seu irmão Pedro pescador, com suas posses. As sete espigas, o seu outro irmão Lutero, o agricultor. O touro brabo que investe contra vocês é o poder do império, os três precisam se unir para não perderem o que tem.”
Lutero o agricultor, puxou a seu velho pai, amava a terra. Desde pequeno acompanhava a lida do campo, tinha consigo ensinamentos conservados do velho patriarca da família, que lhes ensinara os preceitos do Padre Cícero do Juazeiro, que dizia: “Não derrube o mato, nem mesmo um só pé de pau; Não toque fogo no roçado, nem na caatinga; não cace mais, deixem os bichos viver; não crie boi nem bode solto, faça cercado; não plante de serra à cima, nem faça roçado em ladeira muito em pé; deixe o mato protegendo a terra; faça cisterna no oitão de sua casa para guardar água da chuva; represe os rios de cem em cem metros, ainda que seja com pedra solta; plante cada dia, pelo menos um pé de algaroba, caju, sabiá, ou outra árvore qualquer; aprenda a tirar proveito das plantas da caatinga, como maniçoba, favela e jurema; tudo isso pode lhe ajudar a conviver com a seca.” E procurava seguir à risca o decálogo Ciceriano, sempre, sempre que podia. Bem como outras práticas que só quem vive vida roceira conhece. Controlar o registro da máquina de plantar pra deixar cair a quantidade certa de grãos de milho e feijão, por cova. No plantio da palma fazer com que a raquete ficasse com a face voltada pra sol nascente de um lado, e poente do outro. Regular bem o caititu pra descascar a mandioca. Repreender os pequenos quando descobriam entre a ramagem uma melancia ou abóbora, pra não apontarem com o indicador, senão os frutos paravam de crescer. E como gostaria de entender porque um pé de abacate só dava frutos se estivesse ‘olhando’ pra outro pé. Seu Lutero era homem sensato, fazia cilagem pra enfrentar os períodos de estiagem. Armazenava grãos nos vasos, e no dia da armazenagem, sabe-se lá porque, não podia ter mulher ‘naqueles dias’, ajuntando os grãos. E temente a Deus destinava a paróquia de sua igreja o dízimo de sua colheita. E quando era de tardezinha todos se reuniam embaixo do telhado, os homens tiravam os chapéus da cabeça e agradeciam a Deus, os frutos da terra. Um dia, Seu Lutero foi olhar umas armadilhas que colocara pra pegar preás, e encontrou uma nambu, enroscada na rede. Algo incrível ocorreu, a pequena perdiz, começou a falar com Seu Lutero. Disse-lhe que se ele a soltasse contaria um segredo, o camponês concordou. E a ave falou da ameaça que pairava sobre os três irmãos, que ele procurasse ir ao encontro dos outros. E ele assim procedeu.
Pedro tinha uma particularidade, só ia pescar, depois de consultar em que fase se encontrava a lua. Era ela, a mãe lua, que ditava os dias bons pra pesca. Fosse com rede de arrasto, que pegava peixe graúdo, Ou que dias de tarrafa, que trazia peixe miúdo. Os dias do jereré traziam camarão, e pitu. Do terreiro de sua casa dava pra ver o rio. O amanhecer ali era algo divino, contemplar as águas se acordando vindo encher os olhos. O sol se espreguiçando, lavando o rosto, se olhando no magnífico espelho d’água. E o rio amava o homem, que amava o rio. E era um amancebo tão sincero que se despiam um para o outro, sem pudores. E como se amavam. Tanto, a ponto de se sentirem um só, rio e homem. Um dia, melhor dizendo num cair de tarde, Pedro estava pescando com vara, sentado na barranca. E fisgou um peixe enorme, que de tão grande quase arrebenta a linha. Ao trazê-lo pra si, o peixe começou a falar, pedindo que se o pescador o soltasse lhe revelaria um segredo. Teria lembrado a Pedro um sonho em que ele, feito o profeta Jonas da Bíblia, fora engolido por uma baleia. Orientou que procurasse seus outros dois irmãos, e assim iria entender o que significava. Segredo revelado, o peixe foi solto.
E eis que os três irmãos se encontraram. De comum acordo decidiram ir à presença do rei, para saber se realmente havia interesse da parte daquele, de retomar suas terras, ou que outros planos o monarca arquitetava para com os três irmãos. Em sua presença revelariam os sonhos, os casos dos animais falantes, os segredos revelados. Na manhã do dia 02 de outubro de 1789, no porto de São Vicente, da capitania de igual nome, Frederico, Lutero e Pedro, decididos, viajaram em busca de se encontrar com o rei. A bordo do navio “Albatroz” sob o comando do almirante Francisco de Paula partiram em direção a Europa, foram ter com o rei que se encontrava numa reunião importante na França, dias depois da revolução.
Diante dos três, na presença de toda a corte, o rei disse o seguinte: “-Realmente, eu estava pretendendo retomar as terras devolutas daquela sesmaria. Por considerar que nenhum retorno trouxe até então, pra Coroa. Porém tenho uma proposta, farei a cada um de vocês uma pergunta se responderem acertadamente, voltarei atrás com meu plano, deixando tudo como está. Caso todos errarem, já sabem, levarei avante meu plano.” Pedro adiantando-se confabulou “-Digníssimo rei! Na minha humilde opinião, acho justo que caso, pelo menos um de nós acertemos uma de suas adivinhas, sejamos também merecedores de inquirir também o rei num enigma. Concorda?” O rei achou sensato. E tudo ia sendo transcrito pelos escribas. E o rei perguntou ao primeiro, dos irmãos: “-Que mulher sendo pequena na terra é grande no céu?”
Frederico respondeu: “-Maria, a mãe de Jesus Cristo!”. “-Errou!” disse o rei: “-Ana, seria a resposta certa. Ana, no céu e profetisa, na terra por conta de um acento, vira anã!” “-Que montaria é digna de um rei?” foi a pergunta dirigida a Lutero. “-O cavalo!” respondeu. “-Errou também. O jumento, foi a montaria que o rei dos reis, Jesus Cristo, usou quando entrou em Jerusalém!”
Finalmente a pergunta a Pedro: “-Responda-me: O que é, que mesmo sem sair do lugar, pode nos levar a lugares distantes?” E Pedro respondeu: “-Ó nobre monarca! Achas que irei responder o pensamento. Mas a resposta certa é o rio.” “-Oh!
Muito bem!” disse o rei. “-Afinal há alguém inteligente aqui! Pois bem meu rapaz agora chegou sua vez, pode fazer a sua pergunta!” Pedro então disse: “-Ilustríssimo imperador, quero primeiro dizer que esse enigma encerra uma terrível maldição, caso vossa alteza não acerte se transformará imediatamente num bicho!” O rei ficou aflito, no entanto não podia voltar a trás. E Pedro perguntou: “-O que é, o que é seu rei, que lhe pertence porém os outros usam mais que vossa senhoria?” O rei pensou, pensou, e finalmente disse: “-Ora! É o meu palácio!” Pedro esclareceu: “Não majestade! É o seu próprio nome.”
Imediatamente o rei, diante de todos se transformou num horrendo lobisomem, que fugiu dali pra montanhas. E Pedro daquele dia em diante, por sua arte em decifrar enigmas, ficou conhecido por Pedro Malasarte. Os irmãos retornaram a sua terra, decididos a prosperar. Fundariam uma vila que teria Senhora Sant’Ana como padroeira, um rio remanescente, e o jumento seria homenageado em praça pública.