Casos de mortes por justiçamento vêm acontecendo com frequência no estado de Alagoas. Dados da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB atestam que de janeiro a agosto de 2023, 55 casos foram registrados, o que causou a morte de 22 pessoas. O termo justiçamento é empregado para situações em que a população resolve “fazer justiça com as próprias mãos”. Na maioria são pessoas suspeitas de cometer crimes que são espancadas, amarradas, apedrejadas e até mesmo assassinadas por grupos de pessoas nas ruas, sob a alegação de que o crime tem que ser punido.
Em todo ano de 2022, foram registrados 67 casos de justiçamento, dos quais 13 resultaram em mortes. A recorrência de casos causa preocupação, tendo em vista o aumento significativo de óbitos. Este ano, o número de ocorrências não ultrapassou o do ano anterior, no entanto, a quantidade de vítimas que vieram a óbito em situações de linchamento cresceu exponencialmente no estado.
Para o advogado criminalista Leonardo de Moraes, não é compreensível pensar em uma prática como justiçamento acontecendo em pleno século XXI. Ele ainda explica que a principal motivação para que casos como esses continuem acontecendo é justamente a morosidade da resolução dos fatos pelo Poder Judiciário.
“Essas pessoas substituem o poder público para que ela mesma faça justiça com as próprias mãos, seja com socos, murros ou tapas, que levam, em alguns casos, à morte. Mas é preciso lembrar que essa é uma prática criminosa, muitas vezes cometendo crimes piores do que o suposto criminoso cometeu”, ressalta.
Por essas ações, o responsável pelo justiçamento pode responder por lesão corporal, que possui pena de até um ano, que vai aumentando de acordo com a gravidade, podendo chegar até lesão corporal gravíssima, com pena de até oito anos. Existem ainda casos que pode haver indiciamento por tortura e homicídio, previstos pelo Código Penal.
O número de casos pode estar atrelado à naturalização da justiça com as próprias mãos e à falta de conscientização de que o ato é considerado crime. Em muitas situações, as vítimas são, inclusive, confundidas pelos autores e morrem sem terem cometido crime algum.
“Tem casos em que essas vítimas são confundidas com outras pessoas, principalmente em casos que geram mais indignação na população, como crimes cometidos contra crianças. São dois erros praticados ao mesmo tempo. Portanto, o melhor é esperar uma solução feita pelo Estado, por mais que seja um pouco mais demorada, especialmente para evitar que a pessoa que pratique um fato como esse responda por um processo penal ou um ato indenizatório por danos morais”, aconselha.
O advogado lembra que essa tentativa de preenchimento de uma função de responsabilidade do Estado acaba não proporcionando uma solução civilizatória, transformando pessoas que seriam vítimas de um crime como autora de uma ação criminosa. Ele também explica que cabe ao judiciário substituir a inatividade das partes e fazer justiça de acordo com o caso concreto.
“Uma sentença acontece quando há um terceiro imparcial, ou seja, alguém sem interesse em condenar ou absolver. Se alguém me agride, eu não vou agredir de volta, eu vou procurar o Estado para que promova de forma civilizatória a justiça, aplicando a pena em alguém, seja de privação de liberdade ou indenizatória”, destaca.
Esse tipo de ação, diferente da legítima defesa, não tem respaldo e amparo legal, sendo o praticante indiciado pelos crimes cometidos, como lesão corporal ou homicídio. A diferença entre o justiçamento e a legítima defesa é que o primeiro é uma vingança privada e a segunda é tolerada e amparada pela legislação quando há um revide de reação moderada. Caso haja um excesso na reação, não é considerada legítima defesa. Essa é uma prática que o Estado não estimula, mas que tolera perante a lei.
Há também outro aspecto que deve ser observado e levado em consideração: o movimento da população capturar o suposto criminoso até a chegada da polícia. Essa prática não é considerada crime, já que qualquer pessoa pode dar voz de prisão quando há um crime em flagrante, sendo esse tipo de abordagem compatível com a legislação, mas que não pode ser usada de pretexto para praticar violência física, moral, torturas e até a morte.
Por fim, Leonardo de Moraes salienta que o surgimento das redes sociais proporcionou que certos discursos de ódio se propagassem de forma naturalizada, onde pessoas com quase nenhum conhecimento emitem opiniões que estimulam as pessoas a adotarem esse tipo de comportamento.
“Elas não são as responsáveis pelos justiçamentos, mas esse comportamento praticado em massa ajuda a disseminar discursos de ódio e pouco pacificadores. A sociologia e a criminologia estão unidas nesse sentido, com pesquisas que comprovam essa tese, tanto que o número tem aumentado muito com o passar dos anos. Às vezes há um estímulo genérico, mas que vai gerar uma interpretação. Isso faz com que muitas pessoas se sintam no direito de praticar algum ato em prol de combate a uma injustiça, um ato errado do ponto de vista civilizatório e de responsabilidade civil e criminal”, finaliza.