MATANDO BODE
13 julho 2018
Aos sábados, com o pouco dinheiro no bolso, o menino saía para gastá-lo na feira. Procurava broa, quebra-queixo com castanha ou amendoim, tijolo de jaca, de raiz de imbuzeiro… Descia pelo estreito e imundo Beco do Mercado de Carne construído pelo coronel Lucena Maranhão. Na outra esquina do beco ficava a Casa Vieira. Por trás do seu quintal o monturo cheio de mato ralo, trilhas, onde os homens urinavam e amarravam os cavalos em que vinham para a feira. Mas descobri que ali os matutos matavam bodes, rapidinhos, para suprir o Mercado de Carne ou às bancas espalhadas.
O cabrito era abatido na hora, com um macete de madeira, sem mais delongas, e pendurado ligeiro por uma das patas, numa trave rude, com corda de caroá. O matuto saía tirando o couro do animal, iniciando pela pata amarrada, numa rapidez de ladrão. Eu admirava aquela faquinha amolada que só a gota serena, retirando o couro sem um golpe errado, sequer.
Depois era passear na feira, vê os porcos engradados na Rua do Barulho, contemplar esteiras de caboclos, abanos, vassouras e chapéus de palha no início da Rua Tertuliano Nepomuceno ou ver e comprar besta com caçuás e boi de barro na feira das panelas. Ali, um cabra vendendo o “óleo do peixe-elétrico”, acolá um cordelista oferecendo e cantando folhetos; uma cega bonita tocando sanfona; o repentista Zéquinha Quelé balançando o ganzá; e, mais à frente, dois emboladores em desafio: “Viva a feira de Santana/Viva todo o pessoá/ Viva a feira de Santana/ Tu quer peito pra mamar?”.
Hoje em dia ficamos abismados com as ações que travam e roubam os direitos do povo brasileiro. Levam o dinheiro da merenda escolar; sucateiam o transporte dos estudantes; não concluem obras de relevo; não mantêm médicos nos postos de saúde; Surrupiam verbas de hospitais; fraudam orçamento público e criam leis para abafar os gritos populares, dentre outras misérias que levam o nome de Estado de Direito.
E quando vamos passar a limpo o calendário vivido, temos a impressão de que o povo virou cabrito e vive pendurado na trave, amarrado de caroá, igualzinho aos bodes do monturo da Casa Vieira. O macete de pau e a peste da faca amolada de tirar o couro passaram das mãos do matuto para as garras dos políticos do Brasil.
Clerisvaldo B. Chagas, 13 de julho de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 1.941