Jorge de Lima na oração inter-religiosa

24 Maio 2013 - 22:30


JorgeNeste espaço se entrelaçam poesia e mística. Através de orações de mestres espirituais de diferentes religiões, mergulhamos no Mistério que é a absoluta transcendência e a absoluta proximidade. Este serviço é uma iniciativa feita em parceria com o Prof. Dr. Faustino Teixeira, teólogo, professor e pesquisador do PPG em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora.

O poeta Jorge de Lima começou pelas formas clássicas, posteriormente adotou as ideias modernistas e foi um dos mais completos poetas da língua portuguesa, com uma obra de crítica social, sentido religioso e clara pulsão metafísica, com matizes surrealistas.

Seu estilo argumentativo o afasta de metáforas sugestivas e misteriosas. Pertence ao que se conhece como segunda geração de poetas do modernismo, da qual fazem parte, entre outros, Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes. Jorge de Lima nasceu em União dos Palmares/A, em 23 de abril de 1893 e faleceu no Rio de Janeiro em 15 de novembro 1953, aos 58 anos de idade.

Lâmpada Marinha – Jorge de Lima

As noites ficarão imensas.

A tristeza das coisas será cada vez mais profunda.

Agora passeias nos jardins intemporais.

E aqui, as noites serão imensas

e a solidão do mundo terá uma estatura infinita.

Vejo-te desaparecendo, como arrastada por linhas divergentes,

desfazendo-te misteriosamente como uma sombra, na tarde.

Bruxuleias muito longe, lâmpada marinha,

sob a última ventania que te varreu da terra.

As noites ficarão imensas, oh, ficarão imensas!

Imóvel, jazes entretanto, recostada e serena

e tudo ainda está em ti: a mesma boca amarga,

os mesmos olhos imprecisos, os mesmos cabelos

de teus inúmeros retratos.

E através desta inimaginável quietude serena

desdobra-se a tua meninice e ainda guardas as mãos translúcidas

da primeira comunhão, os lábios túmidos de noiva quase impúbere

e a sequência fotográfica de quando ampliaste os teus seios

e teu ventre e tua alma para conter um filho.

Ah! as noites serão imensas,

e a tristeza das coisas encherá o mundo!

Agora frequentas os tempos infinitos e ilimitados de Deus.

mas ainda repousas teu corpo na última noite que te arrastou da vida.

São os mesmos seios, a mesma fronte, a mesma boca desmaiada,

a mesma sequência de retratos que se interrompem enfim.

Não há um só pedaço de carne nem um membro sequer

que te pertença mais:

Deus te raptou em tua totalidade.

E enquanto tudo em ti parou para nós,

tu és a dançarina que Ele arrebatou dos homens e absorveu em Si.

E as noites ficarão imensas e mais tristes…

Fonte: Jorge de Lima. Poesia Completa – Volume 2. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997, p. 363-364

Notícias Relacionadas:

Comentários