Neste espaço se entrelaçam poesia e mística. Através de orações de mestres espirituais de diferentes religiões, mergulhamos no Mistério que é a absoluta transcendência e a absoluta proximidade. Este serviço é uma iniciativa feita em parceria com o Prof. Dr. Faustino Teixeira, teólogo, professor e pesquisador do PPG em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora.
O poeta Jorge de Lima começou pelas formas clássicas, posteriormente adotou as ideias modernistas e foi um dos mais completos poetas da língua portuguesa, com uma obra de crítica social, sentido religioso e clara pulsão metafísica, com matizes surrealistas.
Seu estilo argumentativo o afasta de metáforas sugestivas e misteriosas. Pertence ao que se conhece como segunda geração de poetas do modernismo, da qual fazem parte, entre outros, Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes. Jorge de Lima nasceu em União dos Palmares/A, em 23 de abril de 1893 e faleceu no Rio de Janeiro em 15 de novembro 1953, aos 58 anos de idade.
Lâmpada Marinha – Jorge de Lima
As noites ficarão imensas.
A tristeza das coisas será cada vez mais profunda.
Agora passeias nos jardins intemporais.
E aqui, as noites serão imensas
e a solidão do mundo terá uma estatura infinita.
Vejo-te desaparecendo, como arrastada por linhas divergentes,
desfazendo-te misteriosamente como uma sombra, na tarde.
Bruxuleias muito longe, lâmpada marinha,
sob a última ventania que te varreu da terra.
As noites ficarão imensas, oh, ficarão imensas!
Imóvel, jazes entretanto, recostada e serena
e tudo ainda está em ti: a mesma boca amarga,
os mesmos olhos imprecisos, os mesmos cabelos
de teus inúmeros retratos.
E através desta inimaginável quietude serena
desdobra-se a tua meninice e ainda guardas as mãos translúcidas
da primeira comunhão, os lábios túmidos de noiva quase impúbere
e a sequência fotográfica de quando ampliaste os teus seios
e teu ventre e tua alma para conter um filho.
Ah! as noites serão imensas,
e a tristeza das coisas encherá o mundo!
Agora frequentas os tempos infinitos e ilimitados de Deus.
mas ainda repousas teu corpo na última noite que te arrastou da vida.
São os mesmos seios, a mesma fronte, a mesma boca desmaiada,
a mesma sequência de retratos que se interrompem enfim.
Não há um só pedaço de carne nem um membro sequer
que te pertença mais:
Deus te raptou em tua totalidade.
E enquanto tudo em ti parou para nós,
tu és a dançarina que Ele arrebatou dos homens e absorveu em Si.
E as noites ficarão imensas e mais tristes…
Fonte: Jorge de Lima. Poesia Completa – Volume 2. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997, p. 363-364