Audiência pública sobre a questão, promovida pelo MPF, foi realizada na última sexta. Sem acordo, a permanência ou não de 66 famílias deve ser definida pela Justiça.
A permanência de moradores na Vila de Pescadores em Jaraguá, bairro histórico de Maceió, foi tema de audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal (MPF), na última sexta-feira (26). Em discussão, os direitos à moradia e ao trabalho dignos e à tradicionalidade.
O debate foi coordenado pela procuradora da República Roberta Lima Barbosa Bomfim e contou com a presença de outra representante do MPF, Raquel Teixeira Maciel Rodrigues. Na mesa, também o vice-prefeito da capital, Marcelo Palmeira; o procurador-geral do Município, Ricardo Wanderley; o secretário de Habitação de Maceió, Mac Lira Paes; e as presidentes da Associação de Moradores e Amigos do Bairro de Jaraguá (Amajar), Maria Enaura Alves do Nascimento, e do Instituto Habitacional Vila dos Pescadores, Maria José dos Santos Martins.
A Amajar defende a permanência de 66 famílias naquela localidade, com o argumento que são moradores do lugar há décadas, vivem da pesca, com direito garantido em razão da tradicionalidade. Já o Instituto Habitacional representa as famílias, também de pescadores e marisqueiras, que acataram o projeto da Prefeitura e se mudaram no ano passado para o conjunto habitacional, localizado no Trapiche da Barra, próximo à Praia do Sobral – a 3 km da vila em Jaraguá.
Mas por que o impasse? A Prefeitura de Maceió requer a retirada dos moradores de Jaraguá para concluir um projeto de reurbanização, que contemplaria estrutura de trabalho para todos que vivem da pesca naquela área – os que resistem à mudança e os que já vivem no Trapiche da Barra. Ainda de acordo com Ricardo Wanderley, caso o projeto não seja concluído, a Prefeitura terá que devolver R$ 24 milhões ao governo federal.
A questão já foi levada à Justiça Federal, por ser bem da União. O MPF deve elaborar um parecer sobre a discussão. Estão envolvidos também Defensoria Pública da União – na defesa dos moradores que permanecem em Jaraguá – e a Secretaria do Patrimônio da União. As duas últimas instituições estiveram representadas na audiência, com direito à manifestação oral.
Na primeira parte da audiência, foi dada a palavra à Prefeitura, que apresentou o projeto de reurbanização, e às duas presidentes da Amajar e do Instituto. De acordo com o secretário Mac Lira Paes, o projeto de reurbanização compreende: mercado de peixe, estaleiro, galpão para armazenamento de materiais e do pescado, estacionamento e área de lazer.
A presidente da Amajar, Maria Enaura Alves do Nascimento, destacou o abandono do poder público em face da comunidade e a tradicionalidade. “Fomos nós, os nativos da Vila de Pescadores de Jaraguá, que demos origem à cidade de Maceió. Foi aquele grupo de pescadores, marisqueiras, trabalhadores da pesca. É por isso, que hoje, eu como representante daqueles que resistem, faço o apelo às autoridades pela permanência”, disse Maria Enaura, que também é gestora do Ponto de Cultura Enseada das Canoas, que atua na Vila.
Passada a oportunidade à presidente do Instituto, Maria José dos Santos Martins, ela foi enfática na necessidade de uma melhor estrutura de trabalho para os pescadores, com a concretização do projeto da Prefeitura. “Nós precisamos de um mercado, de depósitos, daquele lugar ser limpo. Nós queremos um local digno de trabalho”, ressaltou. Maria José salientou que a mudança para o conjunto habitacional foi positiva para a comunidade, que passou a viver em casas, com melhor estrutura para as crianças, e também que não interfere na tradição de quem vive da pesca.
A segunda fase da audiência consistiu nas manifestações da Secretaria do Patrimônio da União, Defensoria Pública e do analista pericial em Antropologia do MPF, Ivan Farias. O trabalho do antropólogo teve início em 2011. Para Ivan farias, a mudança de lugar não representa a perda dos valores tradicionais cultuados pela comunidade da Vila dos Pescadores.
Houve ainda a participação de três pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), inscritos previamente para manifestação, conforme edital: Marluce Cavalcante Santos, Simone Maria Huming e Parmenedes Justino Pereira. Foram todos favoráveis à permanência das famílias em Jaraguá, ainda sob o aspecto da tradicionalidade.
Já a insegurança, causada pelo tráfico de drogas no lugar, seria motivo alegado a favor da retirada dos moradores. O capitão Santos, da Polícia Militar de Alagoas, participou da audiência, com índices de criminalidade na Vila de Pescadores no período de 2011 a 2013 e tratou acerca da dificuldade de acesso.
Para a procuradora da República Roberta Lima Barbosa Bomfim, um acordo seria a melhor alternativa para a questão. “Eu venho insistindo no consenso, no debate, na discussão respeitosa. A ação judicial vai trazer uma resposta, mas vai trazer uma resposta que talvez seja mais traumatizante para todos que estão envolvidos. É por isso que eu, mais uma vez, peço que os senhores reflitam sobre tudo que foi dito aqui para chegarmos num consenso”, explica.
A ação judicial sobre a permanência ou não dos moradores na Vila de Pescadores em Jaraguá tramita na 13ª Vara da Justiça Federal, sob o número 0004070-23.2012.4.05.8000.
Da Assessoria MPE