A Câmara de Vereadores de Santana do Ipanema realizou na ultima quinta-feira (18) um encontro bastante diferente. Além dos parlamentares já conhecidos, a Casa Tácio Chagas Duarte recebeu líderes religiosos locais, um representante do Ministério Público, além de membros da sociedade civil organizada. A reunião tinha por objetivo debater um quesito em específico do Plano Municipal de Educação, aquele que trata… ou melhor, que tratava da “Educação para igualdade das relações de gênero e diversidade sexual”.
Este mesmo tema, que antes estava incluso no PME, agora se chama: “Educação como instrumento de inclusão social”, pois assim foi referendado pelos presentes na reunião e deverá ser aprovado após análise do Poder Legislativo e sancionado pelo Executivo.
Imbuído do sentimento em defesa da família, o promotor de Justiça Amilton Carneiro foi o primeiro a acender o debate na cidade, no qual através do MP, recomendou a mudança de alguns pontos trazidos no PME. Para ele, os trechos da redação original estariam carregados de uma forte carga semântico-ideológica, na qual abririam espaço para uma corrente que defende a ideologia de gênero. O promotor indicou a retirada de termos e palavras como “gênero”, “diversidade”, “identidade”, entre outros aspectos que foram substituídos por palavras mais adequadas.
As mudanças no plano não se deram somente pelo promotor. O padre Clejean Melo, por exemplo, também apresentou sua proposta, e através de uma emenda, solicitou a inclusão de exigências no plano. Nela, o pároco pedia explicitamente para que se proibisse a elaboração/divulgação de materiais e/ou atividades que promovam ou induzam qualquer tipo de orientação ou comportamento de cunho sexual, afetivo e gênero. Esse entre os outros pedidos podem ser vistos CLICANDO AQUI.
Em contato com um dos participantes desta reunião, também foi informado, que um documento, vindo direto da diocese de Palmeira dos Índios foi indicado para modificar totalmente o capítulo que teria sido elaborado pela comissão responsável pelo plano. Aparentemente, essa mudança foi aceita por todos na reunião, pois não houve manifestação contrária.
A título de informação, o site Alagoas na Net disponibiliza aqui as duas redações da proposta do PME. A primeira, elaborada antes da polêmica (CLICANDO AQUI). A segunda, teria sido trazida pelos dirigentes católicos e substituiria a inicial (CLICANDO AQUI).
As ações por parte do promotor e dos religiosos ficaram bem explícitas. A luta era contra a IDEOLOGIA DE GÊNERO, entretanto, ao que parece, poucas pessoas acabaram percebendo que essa mesma intenção, carregou uma forte carga de IDEOLOGIA CRISTÃ. Ora, para ambos, a defesa da família [diga-se de passagem, a família tradicional, na qual eles acreditam] não pode ser abalada com um assunto tão pernicioso quanto este. E para deter isso [decidiram eles], vamos tirar qualquer coisa que ameace nossas crenças atuais.
Já pensou, mostrar para nossos alunos, que há diversidade no mundo? Saber inclusive que há pessoas diferentes gostos sexuais e que eles estão em todos os meios da sociedade, principalmente na escola? Não, jamais, isso seria um absurdo. Um ultraje.
No encontro, se olhou tanto para como era perigoso a ideologia de gênero, que se perdeu até a noção, de que o capitulo do Plano Municipal de Educação de Santana do Ipanema, agora não tem mais uma política na educação para a igualdade e diversidade. Se excluiu do documento essa possibilidade, como se de uma decisão unilateral se dissesse: isso aqui não existe e ponto final.
A coisa só não pereceu mais absurda do que alguns dos comentários encontrados ao logo das redes sociais nos últimos dias. Coisas do tipo: “Não podemos deixar ELES tratarem disso com nossas crianças”; “Cabe a nós dizermos o que é certo e o que é errado; o que é NORMAL e o que é ANORMAL; o que é da NATUREZA, e o que é uma ABERRAÇÃO”. “Isso que querem pôr nas escolas é uma safadeza”.
Em tanta luta para a não prevalência de uma ideologia, o que se viu foi o predomínio de outra. Para alguns, isso seria ótimo, suficiente, já que vivemos em um país repleto de católicos e protestantes, seguidores do cristianismo [pelo menos na teoria]. Contudo, a atitude vale uma boa e longa reflexão, pois é importante destacar, que o direito a educação é realmente um dever conjunto do Estado e da Família, mas temos que deixar bem claro e evidente, que o termo família não é propriedade de uma ou outra crença religiosa.
A família trata-se de um grupo ou unidade da sociedade formada por pessoas ligadas por algum laço afetivo, parental ou não. As famílias foram evoluindo com o passar do tempo e sua constituição nem sempre é aceita por alguns setores conservadores. E é nesse aspecto de esclarecimento e respeito a diversidade que as pessoas devem orientar e deixar seus filhos ao menos saberem a verdade.
Mostrar outros pontos de vista e opiniões não implica em dizer que vamos necessariamente abdicar de nossas crenças atuais ou perder os valores pregados dentro de casa. O assunto deve ser tratado de forma verdadeira e não com empáfia ou desonestidade intelectual, como foi o caso de cartilhas apócrifas que nada tem haver com o debate da diversidade. A família cristã pode e deve sim estar aberta a conhecer e conviver aqueles que nem sempre estão dentro dos seus padrões. E diga-se de passagem, aceitar é bem diferente do que aturar.
Quem sabe esse não seja o maior dos maiores desafios. Aceitar definitivamente a diversidade, ao invés de tentar rechaçar e escondê-la de qualquer forma. O conhecimento se mostra como a melhor e única forma de educação, além de ser também a única maneira de evitar ainda mais o preconceito. Esse assunto não é novidade e está mais perto de nós, do que muitos imaginam. Gostem alguns ou não.