Despadronize-se
15 Maio 2019
Sua existência fetal foi descoberta, e logo seus pais começaram planejar como seriam os próximos dias, desde as suas roupas, brinquedos, quarto, até mínimos detalhes. Num piscar de olhos os meses se passaram e você chegou. Com sua vinda, vieram também as próximas escolhas, e nada mais natural que isso, afinal, nós nascemos serzinhos totalmente dependentes de outrem para sobreviver. E assim como seus avós, bisavós e ancestrais, os seus pais fizeram as primeiras escolhas da sua vida, desde a religião, o batismo, e os locais onde frequentar, até os esportes pelos quais eles almejavam vê-lo praticar.
A virada para a puberdade chegou e com ela vieram uma enxurrada de hormônios, sentimentos e questionamentos desordenados. A confusão entre acatar as escolhas de seus progenitores ou ter suas próprias escolhas fazia-no manter-se em uma constante montanha russa de interrogações. Ao longo dessa viagem do curso da vida, em algum momento, você acaba por descobrir que saiu de um mundo uterino quente e confortável, para um mundo gélido cujas paredes são construídas por uma massa de julgamentos. O calor do leite materno logo é trocado pela cerveja mais gelada que puder encontrar no bar da esquina.
Bem vindo ao mundo adulto! Agora você é independente, livre e maravilhosamente satisfeito por poder fazer as próprias escolhas. Mas, vou levantar um pequeno questionamento: todas as suas escolhas partiram de você? A roupa que está em alta que você comprou na promoção semana passada, foi escolha sua, ou um impulso dos fatores de “estar na moda”, somado ao privilégio de comprar mais barato? Vamos dar passos mais largos… A sua graduação, regada a várias gotas de suor e cafeína, foi escolhida pela sua fiel vontade de alcançar o ofício que deseja para o resto dos seus longos dias, ou por fatores alheios a sua vontade?
Parece uma enorme bobagem pensar que uma sociedade livre e democrática, na verdade, não é nem uma coisa, nem outra. Nós queremos ter o corpo das modelos, o cabelo da propaganda de shampoo, as roupas das atrizes e o comportamento dos personagens daquela série do canal da TV a cabo. Queremos cultivar o jardim da nossa casa com as mudas que temos vontade de extrair do jardim dos vizinhos. Queremos trabalhar pra ter como posses as coisas que outras pessoas já trabalharam o bastante para tê-las. Enquanto os nossos sonhos e vontades reais, esses sim, são impossíveis. Mas deixa eu te contar um segredo: o impossível é uma lenda criada por gente sem coragem de viver.
Acredite, você não precisa ser médico quando pode ser extremamente feliz e bem sucedido sendo músico. Não precisa se vestir com os padrões das passarelas para desfilar no palco das redes sociais. Você não deve se prender a sua cidade natal quando a sua felicidade está no continente vizinho. Também não é justo que você siga a carreira familiar que vem ultrapassando gerações desde o bisavô joalheiro, quando a sua vontade é ser advogado. Não dá pra passar uma vida inteira negando a própria identidade, nem vivendo a vida que esperavam que você quisesse viver.
Despadronize-se. E como citou o escritou e poeta Edson Marques em um de seus poemas: “Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as”. E isso não é sobre pensar fora da caixa, é sobre sair dela, e não aceitar nada menos do que o mundo fora da bolha tem pra você.