Crescimento sustentável é pura enganação, diz Marcus Eduardo em entrevista
3 dezembro 2012
Para o economista paulista Marcus Eduardo de Oliveira, falar em economia sustentável é pura farsa. Em entrevista à rádio Imaculada Conceição, de Campo Grande (MS), no último dia 26 de novembro, o economista ressaltou que “defender o crescimento da economia destruindo as bases ambientais, os serviços ecossistêmicos, desejando que esse crescimento seja sustentável é pura enganação”. A seguir, a entrevista completa do economista.
1. PROFESSOR, QUAL É A SUA VISÃO DA CHAMADA ECONOMIA SUSTENTÁVEL, TÃO DIVULGADA NOS ÚLTIMOS DIAS?
A economia sustentável, tal qual é colocada por aí, para mim é um verdadeiro engodo, uma farsa. Não é possível fazer a economia crescer, sem destruir e ainda querer que essa destruição seja sustentável. Portanto, defender o crescimento da economia, destruindo as bases ambientais, os serviços ecossistêmicos, desejando ainda que esse crescimento seja sustentável é pura enganação. Para mim, a palavra sustentável não se coaduna com a palavra crescimento. Uma fere a outra. Destruir a natureza em troca dos apelos da voracidade do mercado de consumo é, antes disso, destruir as teias que sustentam a vida. Nós temos que entender que o mercado, assim como toda a economia, depende de algo que está acima de tudo isso: a natureza, o planeta, a Terra. A economia, como atividade produtiva, é apenas um subproduto do ambiente natural e depende escandalosamente dos mais variados recursos que a natureza emana. Nós, seres humanos, como todos os seres vivos, somos partes e não o todo desse ambiente natural que contempla a riqueza do viver. É forçoso ressaltar que não estamos na Terra; nós somos a Terra. Portanto, destruir esse habitat em nome de fazer a economia crescer é destruir nossa casa, é tirar o nosso chão. Isso não pode ser, em hipótese alguma, considerado algo sustentável.
2. O SR. ACREDITA QUE AS PESSOAS (DE MANEIRA GERAL) CONSOMEM MAIS DO QUE PRECISAM?
Não tenho dúvidas disso. Eu costumo dizer que “o consumo consome o consumidor”. E isso em escala mundial; porém, o consumo não é para todos. Apenas a parcela mais abastada da humanidade exagera nos hábitos de consumo. Só para termos uma ideia do que estou lhe dizendo, 20% da população mundial consomem 80% de tudo o que é produzido. Ou seja, o grosso do consumo está restrito a uma parcela pequena da população mundial. Para os outros 80% da população restam apenas 20% da produção de bens. O fato é que há uma desigualdade enorme, abissal entre os povos. No mundo, hoje, 20% da Humanidade não hesita em gastar três dólares (algo em torno de R$ 6,00) por dia num simples cappuccino; enquanto, do outro lado do planeta, 40% da população mundial (quase 3 bilhões de pessoas) “tenta” sobreviver com menos de dois dólares por dia. Isso é uma pequena amostra do quão desigual é o acesso aos ganhos monetários e, por consequência, aos bens de consumo.
3. ESSE CONSUMO DESNECESSÁRIO INFLUENCIA NO MEIO AMBIENTE? POR QUÊ?
Influencia da seguinte maneira: a ordem na economia é uma só: abastecer o mercado, produzir mais e mais. Acontece que toda a produção de bens precisa de recursos naturais. Para isso, agride-se a natureza, extraindo recursos em quantidade tal que não é possível sua reposição. Fora isso, grande parte, para não dizer a maioria, dos recursos naturais são finitos, vão acabar um dia. E quanto mais se usa, menos se tem. Essa é a questão primordial. Eu digo que mais economia (ou seja: mais produtos, maior produção) significa menos ambiente (menos recursos). A conta que temos que fazer é a seguinte: a população mundial aumenta a cada dia, mas o espaço habitável não. Ou seja, o que eu quero dizer com isso é que, em números, por dia, 200 mil novas pessoas nascem no mundo, ao ano são mais de 70 milhões…e o número de mortes é menor – mesmo sabendo-se que morre muita, mas muita gente no mundo por motivos diversos – . Bom, essas pessoas estão chegando num mesmo espaço de terra, num planeta Terra que não irá aumentar de tamanho, é e será sempre o mesmo…a Terra não irá aumentar de tamanho…o espaço é fixo, limitado, assim como são limitados os recursos para a produção que é cada vez mais intensa, cada vez maior para atender as necessidades da população que são ilimitadas. Essa é a conta que não fecha. Tem um dado bem interessante que é o seguinte: em 1900 havia exatamente 1,5 bilhão de pessoas no mundo. Hoje, somos 7 bilhões. Em 1900, o planeta Terra tinha exatamente o mesmo tamanho que tem hoje. Está claro isso? Logo, as consequências disso são cada vez mais desastrosas, cada vez mais se gera com isso desigualdades, distorções. Não é à toa que temos no mundo 1 bilhão de estômagos vazios e de bocas esfaimadas…não porque faltam alimentos, mas porque a distribuição não é feita de forma igual. Eric Hobsbawn, um dos maiores intelectuais de todos os tempos, falecido recentemente, dizia que “Ou ingressamos num outro paradigma ou vamos logo mais à frente encontrar a escuridão”.
4. NESTA ÉPOCA DO ANO AS PESSOAS COSTUMAM CONSUMIR MAIS, AS INDÚSTRIAS PRODUZEM MAIS E AS PROPAGANDAS NOS CHAMAM O TEMPO TODO PARA O CONSUMO. COMO MANTER A CALMA E UTILIZAR BEM ESSE DINHEIRO A MAIS (COMO O 13° E GRATIFICAÇÕES)?
A primeira coisa mais saudável que temos que fazer é fugir das tentações expostas pela propaganda televisiva. Até para não cairmos naquilo que disse de sermos devorados pelo consumo. Eu entendo que deveríamos adotar a prática da poupança, ou seja, sempre guardarmos um percentual dos ganhos. Grande parte das pessoas, por estarem inseridos nessa onda do consumo fácil, entrega 100% de seus ganhos ao consumo. Adotar uma postura mais moderada, conservadora e poupar pelo menos 25% de seus ganhos somente irão trazer benefícios a todos, até mesmo porque, lá na frente sempre aparecem gastos de última hora, que não estavam previstos, e nada melhor para enfrenta-los do que estar preparado para isso. Ao mesmo tempo, fazendo isso, diminuímos a sanha consumista.
5. QUE TIPOS DE VALORES DEVEMOS CULTIVAR PARA CONSEGUIR NÃO SER ATINGIDO PELO MUNDO DO “TER”?
Eu penso que se cultivarmos uma filosofia de vida diferente isso nos fará muito bem. Que tipo de filosofia é essa? Entender que o materialismo não leva à nada, apenas produz mais estragos que benefícios. Santo Agostinho tem uma frase que eu acho espetacular. Dizia ele que “o supérfluo dos ricos é o necessário dos pobres”. Ou seja, todo consumo excedente, exagerado, sem limites, apenas faz desequilibrar a balança da desigualdade. Um colega de profissão, economista britânico chamado Tim Jackson, diz que “A Era de comprar coisas que você não precisa, com dinheiro que você, às vezes, não tem, para impressionar pessoas com quem você não se importa, já se esgotou, já chegou ao fim”. Se cultivarmos esse tipo de filosofia, entendendo sempre que o mais importante é SER e não TER, é um bom caminho para frearmos essa sociedade consumista que vemos estampadas todos os dias por aí.