Coluna Farofafá: O Sangue no Linho Branco

28 out 2013 - 11:57


Foto: Reprodução TV Globo

Foto: Reprodução TV Globo

É costume de muitos brasileiros ditos intelectualizados vilanizar Roberto Carlos em regra, por qualquer coisa que ele cante, fale ou faça. Na mesma medida, é costume entre essa mesma camada social eundeusar Chico Buarque na mesma medida e proporção.

São, ambas, atitudes bisonhas, irracionais, moldadas à base de torcida, e não à luz do mundo-como-ele-é, nem sequer do mundo-como-gostaríamos-que-ele-fosse.

No mesmo dia em que morreu o grande Lou Reed, Roberto Carlos veio a público, em sua própria casa (a Rede Globo), para se posicionar pela primeira vez sobre a corrosiva celeuma das biografias.

Falando à repórter Renata Vasconcellos, demonstrando no semblante grave um leve e surpreendente traço de irritação, Roberto tergiversou em diversos momentos, como lhe é comum. Aqui e ali soou confuso, algo contraditório, como também estamos acostumados. Em resumo, foi ele mesmo – ainda que nos exaspere muitas vezes, é irracional de nossa parte exigir de Roberto Carlos que não seja Roberto Carlos.

No entanto, houve algo de muito especial no pronunciamento do “Rei”, comparável ao que ele fez, anos atrás, na mesma praça eletrônica das noites dominicais, quando falou a uma desconcertada Glória Maria sobre sofrer de TOC, transtorno obsessivo-compulsivo.

Na noite da sunday morning que levou Lou Reed, Roberto quebrou mais um tabu e homenageou a todos nós – a ele mesmo, quiçá até a Lou Reed, que tão pouco teve a ver com ele durante toda a vida, ou a Andy Warhol, padrinho artístico de Reed e da pop art (ou seja, de Roberto Carlos).

O artista brasileiro mais popular de todos os tempos quebrou um fortíssimo tabu (seria demais especular que o TOC ergue tabus internos às dezenas na vida de um ser humano?): falou sobre o acidente que sofreu ainda na infância e lhe tirou parte de uma das pernas, e que certamente marcou profundamente toda a sua existência.

Roberto disse mais ou menos assim, daquilo que a Globo (a casa dele) nos permitiu compartilhar:

“Pessoas têm dito que eu sou contra (as biografias não-autorizadas) por causa do meu acidente. Não é isso, não. Eu, quando escrever meu livro, eu vou contar do meu acidente. Ninguém poderá contar do meu acidente melhor que eu. Ninguém poderá dizer aquilo que aconteceu com todos os detalhes que eu posso. Porque ninguém poderá dizer o que eu senti e o que eu passei. Desculpa a rima, porque isso aí só eu sei“.

Nesse ponto, o grande Roberto Carlos (obrigado por estar vivo, Roberto!) está repleto de razão – e há de ser uma catarse coletiva, de todo o Brasil, quando soubermos que ele pode compartilhar conosco o que há de mais íntimo, particular e doloroso em suas lembranças.

Esperávamos por isso há décadas, Roberto.

Nossa história se confunde com a sua em tamanha intensidade que é preciso que você nos conte de suas dores para que nós possamos nos entender, entender as nossas próprias dores.

O Natal de todos nós (inclusive o seu, Roberto) será mais feliz e totalmente diferente, depois que isso tiver acontecido. A sua liberdade é a nossa liberdade, Roberto.

Por enquanto, acima de todas as coisas, e apesar dos (muitos) detalhes talvez pesados em que discordamos, há só isto para dizer: apenas o dia de hoje já foi bem emocionante. Obrigado por tudo, Roberto, ainda mais esta vez.

Por Farofafá / Carta Capital

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