Cada um com sua história
6 setembro 2012
Colegas de todos os nomes e de todos os valores
Todos nós temos um nome, nem sempre exclusivo, mas que nos identifica. No universo, cada criatura é única e o nome é uma importante ferramenta na diferenciação entre os seres. De uma maneira geral todos procuram, uns mais outros menos, dar aos seus filhos um nome que tenha a capacidade de identificá-lo no meio da comunidade onde vive. Alguns desses nomes são mais comuns, fazendo alusão muitas vezes a personalidades que se destacaram ao longo da história, outros são simplesmente inventados, frutos da engenhosidade linguística dos pais da criança, que muitas vezes unem duas palavras, acrescentam letras e sílabas ou simplesmente criam verdadeiros neologismos, de modo que cada um de nós tem sempre uma história sobre a origem dos nossos nomes.
Quando meu pai nasceu, caçula numa família de nove filhos, minha avó Jovita já havia dito que, se o filho fosse homem, seria batizado com o nome de Jugurta… Alguém achou este nome estranho? Por favor sossegue, todos aqueles que ouviram sua pronúncia ou o leram pela primeira vez tiveram a mesma sensação. Muitos pensam tratar-se de um daqueles nomes estranhos, aos ouvidos de hoje, que eram bastante usados no passado ou até mesmo que tratar-se-ia do fruto da imaginação fértil de minha avó. Enganam-se todos. Pelos nomes dados aos irmãos e irmãs de papai, quais sejam: Djalma, Alberto, Albertina, Haroldo, Ana, Hilda, Maria de Lourdes e Celso, nomes usados até nos dias hoje, conclui-se que vovó não era afeita a invenção ou adoção de nomes que possamos considerar como esdrúxulos. Mas, onde teria minha avó buscado inspiração para a escolha de um nome tão incomum?
Quando eu estava servindo o exército, um amigo meu interessou-se pelo tema e, pesquisando numa velha e boa enciclopédia, encontrou citação sobre um personagem da história que tinha este nome. Em épocas mais recentes, usando tanto o “gúgol” como outras fontes de pesquisa, soube que Jugurta foi um rei da Numídia, nascido nos idos de 160 a.C. Falando nisso: Alguém sabe onde fica a Numídia? “Véio!!!”… é num lugar tão longe que até hoje eu não consegui entender onde vovó foi procurar o nome do seu filho caçula. Hoje, nos tempos da internet, em que assistimos a invasão de máquinas terráqueas no planeta Marte, é muito fácil obter informação até de outros planetas, mas em 1933, em pleno sertão alagoano, lá na beira do Rio Ipanema onde a iluminação era a candeeiro e aparelho de rádio era uma novidade encontrada em, no máximo, meia dúzia de casas? Onde ela foi buscar esse nome? Meu bisavô Tertuliano era um comerciante bem sucedido no ramo dos tecidos e pode proporcionar aos seus filhos alguma formação escolar, mas onde ela leu este nome é um mistério que nunca foi desvendado.
Voltando à história desse antigo personagem, contam os livros que Jugurta, o rei dessa tal de Numídia, dividia a governança do reino com dois parentes, mas, querendo ficar com tudo, terminou matando os dois. O caldo azedou pro lado dele porque, durante a perseguição, terminou matando uns mercadores romanos que negociavam na região e não deu outra, Roma declarou-lhe guerra. Acuado pelas legiões romanas, Jugurta refugiou-se no reino do seu sogro, o rei da Mauritânia, só que terminou sendo traído e entregue a Roma. Nesta cidade foi exposto na rua como se fosse um troféu de guerra e no mesmo dia foi assassinado na prisão, isso no ano de 104 a.C.
História antiga a parte e voltando à nossa que é mais recente, convém ressaltar que, quando papai nasceu, vovó estava gravemente enferma de uma doença que, naquela época, não tinha cura, a tuberculose. Em consequência do seu estado de saúde o menino nasceu magrinho e todos pensaram logo que ele não iria sobreviver, então Vovô Pedro procurou um irmão chamado Virgílio, e aí vocês passam a saber também de onde veio o meu nome, e disse:
– Virgílio, leve esse menino pra cuidar que ele não se cria. Quando ele morrer me traga a conta que eu pago.
Vovô Virgílio era viúvo e vivia o seu segundo matrimônio com Francisca, Vovó Chiquinha, uma moça lá das bandas do povoado Capelinha, na beira do Ipanema, entre os municípios de Major Isidoro e Olivença. Moravam no Sítio Caboré, na região da Serra Limpa localizada entre os municípios de Carneiros e Olho d’Água das Flores. Convém lembrar que todos esses atuais municípios eram parte do imenso território que formava o município e a paróquia de Santana do Ipanema até meados de 1949. Nessa época, o pároco era o Padre José Bulhões e cabia a ele a assistência a toda aquela região.
Vovó Chiquinha nunca teve filhos, mas foi uma grande mãe, não apenas do meu pai como de outros filhos que Vovô Virgílio tivera. Vendo o estado do menino, esmerou-se em cuidados. Não podendo amamentar e preocupada com o risco do menino estar contaminado pela doença da sua cunhada, dava-lhe mamadeira de leite com o sumo do mastruço, erva nativa das Américas dotada de reconhecidas propriedades terapêuticas, mas que tem um gosto horrível.
Certo dia, Vovô Virgílio soube que o padre estaria no povoado de Olho d’Água das Flores, então levou o menino para batizar. Chegando à igreja, ele e Vovó Chiquinha apresentaram-se ao padre como sendo os padrinhos da criança e ele logo perguntou:
– Como é o nome do menino?
– É Jugurta.
O susto foi com a molestra e padre refugou logo.
– Ah!? Com esse nome eu não batizo não.
Ouvindo a resposta do Padre Bulhões, a autoridade mais respeitada da região, meus avós ficaram tristes, porque aquele tinha sido praticamente o último pedido da minha avó Jovita e, em sua memória, sua última vontade precisava ser acatada. Com muito jeito e humildade foram tentando convencer o padre a mudar de opinião até que o sacerdote fez uma pergunta que só quem é do interior conhece o sentido.
– Esse menino é de onde?
– É da Serra Limpa.
O Padre Bulhões conhecia cada recanto do município, fazenda por fazenda, casa por casa. Ao ouvir falar na Serra Limpa parou, identificou na memória os moradores daquelas bandas então perguntou:
– E esse menino é filho de quem?
– É filho de Pedro Agra.
O Padre Bulhões sabia quem era meu avô Pedro, sabia que ele não era rico, mas tinha o seu valor. Ai então, em outro tom, falou sem perder a sisudez:
– Se é filho de Pedro Agra então eu batizo.
Muitos anos se passaram de lá para cá, ao longo deste tempo meus avós paternos partiram para a eternidade, mas, enquanto isso, lá pras bandas da Cachoeira de Paulo Afonso, em 27 de agosto deste ano, meu velho pai completou 79 anos de vida, dentro do prazo de validade e contrariando todos aqueles que pensaram que ele não se criava. Apesar da cabeça careca, um tremor nas mãos e algumas marcas de bisturi pelo corpo, o homem mantém uma vitalidade de fazer inveja a muitos cabras que têm metade da idade dele, mas eu acho melhor ir terminando essa história por aqui, porque Jugurta não é assunto para uma simples crônica, e sim para uma biografia inteira, mas eu confesso a vocês, quando eu penso que ele é o caçula da família e todos os seus irmãos e irmãs ainda estão vivos, quando eu lembro que Vovô Pedro só deixou esse mundo após completar os 100 anos de vida e quando eu me lembro da dívida que ele contraiu lá nos idos de 1933, de uma coisa eu tenho certeza, no dia em que a conta da sua criação for apresentada eu prefiro estar na Numídia.
Queridos colegas, com este texto seguem as minhas lembranças de cada um de vocês ao mesmo tempo em que mando o meu abraço e o desejo de que, independentemente da distância, todos estejam felizes e de bem com a vida. Espero que o pior dos males que os aflija, seja tal que possa ser curado com uma simples dose musical de Mastruz com Leite, porque o leite com mastruço, eu me lembro bem, é ruim pra danar.
Saúde, luz e paz