Criando riqueza e destruindo o Planeta

Prof_MEONão pairam dúvidas sobre a capacidade inigualável da economia capitalista globalizada em atingir especificamente quatro pontos: criar riqueza, expandir o crédito, estimular os avanços tecnológicos e assegurar o crescimento físico das economias de mercado. Com isso, fica enaltecido o dogma do progresso, consubstanciando de forma equivocada o padrão de vida humana numa perspectiva de acumulação material.

É correto afirmar que, ao menos nesses quatro pontos, a economia capitalista conseguiu nos últimos 60 anos dar provas incontestes de sua supremacia, principalmente no que toca a produzir riqueza e propagar o crescimento econômico.

Contudo, o que essa mesma economia capitalista não soube fazer com a mesma proeminência foi conciliar o crescimento econômico com a preservação ambiental, muito menos soube priorizar o combate à pobreza e à miséria, em lugar de promover, em caráter majoritário, a criação de riqueza, a produção de suntuosidades.

Razão pela qual há atualmente 14% (quase 1 bilhão entre 7 bilhões de pessoas) da população mundial passando fome diuturnamente, ocupando os bolsões de pobreza, margeando os mais indecentes níveis de exclusão social.

Se, por um lado, a economia mundial cresceu exponencialmente (saindo de um PIB global de US$ 5 trilhões, em 1950, para US$ 50 trilhões, em 2000, chegando a mais de US$ 73 trilhões em 2012) em termos de produção material, entulhando assim o mundo com diversas mercadorias; por outro, a destruição ecossistêmica, fruto desse exorbitante crescimento, não encontra precedentes na história do mundo, muito menos os índices de desigualdades socioeconômicas que se avolumam, criando, conforme aludimos, muito mais pobres e miseráveis do que “novos” ricos, ainda que a criação de riqueza seja incontestavelmente um ponto preponderante da economia capitalista globalizada. No entanto, frente às gravidades social, econômica e ambiental, a prioridade não é essa.

Especificamente em relação à destruição ecológica, a economia tradicional, sob a vestimenta do paradigma neoclássico, desde seu surgimento, principiado pela Revolução Marginalista (a partir de 1870), tem sido potencialmente nefasta no modo como faz a economia crescer, pouco se importando para com os custos e a dilapidação do patrimônio ecológico decorrente desse processo, até mesmo porque, se tem algo mais que a economia convencional fez (e ainda faz) com eficiência ímpar, é subordinar toda a biodiversidade ao instinto produtor-dilapidador da atividade econômica. Razão pela qual faz a economia crescer (materialmente), porém, ao custo de destruir (ambientalmente).

São diversos os estudos e análises que corroboram esse argumento. Apenas nas últimas décadas, de acordo com o Millennium Ecosystem Assessment (Avaliação Ecossistêmica do Milênio), 20% dos recifes de corais do planeta foram destruidos, e outros 20% completamente degradados. Apenas em 30 anos (de 1950 a 1980) mais terras foram convertidas em lavouras do que em150 anos (de 1700 a 1850).

Além disso, 35% das áreas de manguezais foram perdidas nas últimas décadas. Atualmente, 25% dos estoques de peixes marinhos comercialmente explorados estão sobreexplorados.

Por conta da pressão econômica em sempre produzir cada vez mais, há, como resultado, um considerável esgotamento dos serviços ecossistêmicos de provisão (lavoura, criação, pesca de captura, madeira, lenha, recursos energéticos, água, produtos bioquímicos e outros), bem como dos serviços reguladores (qualidade do ar, controle de erosão, purificação da água e tratamento de resíduos, entre outros).

Somente a partir de 1959, houve 60% de aumento na concentração de CO2 na atmosfera. Não obstante a esse estrago ambiental, nos últimos anos a desigualdade social deu saltos quantitativos insuportáveis. Atualmente, 1,1 bilhão de pessoas sobrevivem com uma renda menor que US$ 1 por dia; quase 1 bilhão de habitantes do planeta sofrem de subnutrição (consumo abaixo de 1900 kcal/pessoa/dia), e 2,6 bilhões não têm qualquer acesso a saneamento básico, não deixando de mencionar ainda a existência de 1 bilhão de pessoas que não contam com acesso à água potável.

Do outro lado dessa “moeda” chamada desigualdade, a riqueza grassa sorrateiramente a passos largos. Em 2012, o Credit Suisse Group (banco de investimentos sediado em Zurique) emitiu relatório intitulado Global Wealth Report 2012, apontando que a riqueza global foi estimada US$ 223 trilhões (dados de 2012). Possuindo entre cem mil e 1 milhão de dólares encontravam-se exatamente 344 milhões de adultos (equivalente a 7,5% do total de pessoas na maioridade no mundo). A pergunta que emerge dessas observações parece ser uma só: até quando suportaremos a distorção de um modelo econômico capaz de criar riqueza destruindo a natureza?

Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo.

Menos produção e mais proteção

Marcus OliveiraNos últimos 60 anos, a economia mundial expandiu-se de forma considerável. Em 1950, o PIB mundial era de quase US$ 5 trilhões; em 2000, saltou para US$ 50 trilhões. Nove anos depois, já estava em US$ 70 trilhões. Em 2012, chegou a US$ 71,3 trilhões. Em 1945, os Estados Unidos, concentravam, sozinhos, 50% do PIB mundial; hoje respondem por 1/3 da produção global. Entre 2000 e 2050, a taxa anual de crescimento econômico deverá ficar, na média, em 3,5% ao ano. Nas próximas quatro décadas, a produção global irá crescer quatro vezes mais. Em 2050, muito provavelmente teremos um PIB global próximo a US$ 280 trilhões.

Se a maior economia do planeta – EUA – de um lado, terá seu tamanho econômico global reduzido, como já vem acontecendo, do outro, o resto do mundo continuará pisando firme no acelerador do crescimento, expandindo a produção econômica.

Buscando afirmar todo esse crescimento econômico, a atividade industrial mundial, como já o faz em larga medida, continuará não respeitando os limites da natureza, ultrapassando as fronteiras ecossistêmicas, fazendo adoecer mais ainda o já gravemente enfermo planeta Terra.

Desde as últimas seis décadas, esse crescimento econômico sem limites virou sinônimo de derrubar árvores, queimar florestas, aquecer o planeta, poluir o ar, a água e destruir os principais serviços ecossistêmicos (serviços de manutenção da vida no planeta).

Ao praticar essa depredação ecológica, agredindo a natureza na extração, produção e no consumo final ao descartar resíduos e poluir o planeta, a economia mundial vêm contribuindo para que a qualidade da vida humana se dilua no ar.

Ao agir assim, a atividade econômica, conduzida pelos fiéis defensores do crescimento econômico como “receita” infalível de prosperidade, ignora dois importantes pontos: 1) a finitude da biosfera; e 2) os passivos ambientais decorrentes do rompimento dos limites impostos pela natureza.

Contudo, como o mercado pressiona (e continuará pressionando) por mais e mais crescimento econômico, por níveis de produção cada vez mais expansivos, pouca importância darão os “administradores econômicos” aos estragos ocasionados sobre o capital natural.

Com isso, confrontar-se-á ainda mais a “necessidade” de crescimento econômico versus a capacidade de suporte da Terra.

Assim, se intensificará a agressão ecológica, agravando mais ainda a debilitada saúde do planeta Terra.

Para conturbar um pouco mais esse candente confronto, todo dia chega mais gente ao mundo, aumentando a pressão sobre a natureza. A cada novo dia, 220 mil crianças nascem no mundo. Ao ano, são mais de 80 milhões de novos habitantes num planeta que não aumentará de tamanho. Em 2050, dividiremos o mundo (o mesmo espaço físico de sempre) com 9,5 bilhões de pessoas, aumentando consideravelmente a pressão por mais produtos, desequilibrando mais ainda o meio ecológico, provocando mais desigualdades socioeconômicas.

Atualmente, 20% da população mais rica do mundo utilizam ¾ dos recursos naturais, abocanhando 80% de toda a produção global, enquanto 1 bilhão de pessoas (14% da população mundial) dormem todas as noites com as bocas esfaimadas e os estômagos vazios.

Nesse conflito, os recursos naturais se exaurem, o planeta adoece e a vida se degrada.

A agressão sobre o meio ambiente e os serviços ecossistêmicos é intensa. Os oceanos – o maior dos ecossistemas – em 2048, segundo a FAO/ONU, não nos fornecerão mais alimentos, dada à taxa de extração exagerada que vem sofrendo. Vinte e cinco por cento dos solos do planeta estão hoje degradados e a tendência é que isso aumente ainda mais nos próximos anos.

Não obstante, a economia continuará sua sanha exploratória por mais produção, queimando petróleo, gás e carvão, derrubando e queimando florestas, contribuindo assim para o aquecimento global (efeito estufa) que tenderá a se tornar mais insuportável.

Isso tudo resulta numa agressão sem limites imposta pela atividade econômica sobre a base dos recursos naturais. Se isso tem um nome apropriado, certamente chama-se desastre ecológico! A culpa? Grande parte dela, como deixamos claro, pode ser creditada na conta da atividade econômica.

De uma vez por todas, é importante reiterar que o mundo não precisa de mais PRODUÇÃO; precisa, sim, de mais PROTEÇÃO.

(*) Economista e professor, com mestrado pela USP.

prof.marcuseduardo@bol.com.br

Um convite a ação

(Para Cristovam Buarque, nosso mais proeminente semeador de utopias)

Profícua, mobilizadora e instigante a leitura do novo livro de Cristovam Buarque (“Reaja”, ed. Garamond, 54 páginas). Um pequeno livro – no formato – mas “grande” em conteúdo, com uma capacidade ímpar de nos chamar à mobilização em torno de um único movimento: reação.

O livro é um “convite” para reagirmos frente aos desmandos políticos e institucionais, frente às desigualdades socioeconômicas, às incoerências do setor público, à brutal agressão ambiental patrocinada pela sanha consumista alimentada por produções excessivas, à corrupção em diferentes níveis, a falta de moral que permeia algumas Instituições do “alto poder” nacional.

Com mais esse livro, Cristovam Buarque promove, na verdade, um panfleto-manifesto. Uma espécie de “grito de alerta”, um convite/chamado à ação para a reação, para que não nos acomodemos; para que não deixemos escapar a arte de sonhar, ainda que sejam sonhos impossíveis, meras quimeras ou tópicas utopias, mas que, nem por isso, deixam de ser possível realizá-las, dentre essas, a de transformar o mundo.

A cada página, uma reflexão nos chamando a tomar consciência. A cada tópico, um especial pedido para que lutemos bravamente na construção de um mundo melhor, de um meio ambiente que não sofra com o descaso da economia produtivo-expansiva e possa “respirar” aliviado, sem a pressão exercida por uma economia do crescimento que destrói para se fazer grande e pujante.

Um convite, um chamado, uma conclamação para que todos lutem, por exemplo, “contra uma civilização que produz quase setenta trilhões de dólares por ano, dez mil por pessoa”, mas que, em muitos casos fecha os olhos para as “crianças com fome, sem roupas, brinquedos, higiene” (p. 9).

O texto brada para que não deixemos de protestar frente aos desmandos de uma estrutura econômica que destrói a natureza em nome do progresso, em nome de fazer a economia crescer para assim fazer sorrir o mercado de consumo, de uma economia que pouco se importa se, para produzir mais mercadorias, rios são poluídos, o ar é contaminado, os recursos hídricos são escasseados, a biodiversidade é ultrajada.

Por isso o autor de “Reaja” pede para que não nos acostumemos “com o fato de que, para acender a luz de sua casa, foi preciso destruir florestas, expulsar índios de seus hábitats, exterminar espécies biológicas e até biomas inteiros” (p. 10)

O texto de Buarque ecoa como um grito de ordem para que reajamos às imposições vindas do mercado, consubstanciadas numa economia brutalmente desigual que separa e não inclui, de uma macroeconomia da injustiça social, de uma estrutura política perversa e tacanha que, em pleno século XXI, ainda privilegia quem tem os bolsos e as contas bancárias mais cheias de cédulas ou influência e apadrinhamentos múltiplos, que apenas nos vê (só em épocas de campanha eleitoral) como “eleitores”, não como cidadãos.

“Reaja à propaganda que amplia suas necessidades e manipula seus gostos e gastos” (p.24). Eis aqui um grito contra esse “deus mercado” que nos quer “converter” à “religião do consumo fácil”, conspícuo (como gostam de dizer os economistas), regado de futilidades (como observam e nos alertam os filósofos)

“Reaja contra a economia que considera produtos as armas que matam e comemora o aumento da riqueza medido pelo uso delas” (p. 27). Eis aqui a estupidez de um indicador chamado PIB que contabiliza de bom grado as mortes, os terremotos, os desastres automobilísticos, a poluição dos rios, pois tudo isso faz a economia crescer, faz o PIB disparar e ajuda a eleger (dá votos) muita gente.

Ao nos chamar à reação contra todos esses desmandos, Buarque deixa expresso nas páginas de “Reaja” o sentimento de que a vida só tem sentido quando passamos por ela com o intuito de transformar algo, de não nos acomodarmos à letargia, mas, antes, de colocarmos mãos na massa para moldarmos um novo mundo, um mundo diferente, mais fraterno, pautado numa nova maneira de construir às relações que enlaçam o nosso dia a dia numa perspectiva de melhoria da qualidade de vida.

Esse “reaja” propagado por Buarque vem nos alertar para o “não se acostume”, evidenciando que uma eficaz saída para superarmos os mais diferentes desequilíbrios passa pela mobiliz(ação), pela re(ação) e pela agiliz(ação).

“Não se acostume com o conforto pessoal que vem da concentração de renda e com o custo de destruição ambiental. Lembre que hoje não nos acostumaríamos com os privilégios da nobreza ou com a exploração de escravos. E naquele tempo todos estavam acostumados. Não se acostume agora com o luxo dos ricos ao lado da miséria dos pobres. Escravocratas são todos os que vivem indiferentes à pobreza que os rodeia.” (p.36)

Esse “Reaja” se enquadra naquela linha de análise defendida por Leonardo Boff: “Ideias boas podemos até tê-las aos montes, mas o que de fato move o mundo são as nossas ações”.

Dito ainda de outra forma por L. Boff, esse “Reaja” de Cristovam Buarque pode ser assim resumido: “O que convence as pessoas não são as prédicas, mas as práticas. As ideias podem iluminar. Mas são os exemplos que atraem e nos põem em marcha”.

Para sorte de todos nós, a história está repleta de exemplos que corroboram com o texto apresentado por Cristovam Buarque. De nossa parte, que não deixemos “escapar” mais essa oportunidade.

Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. prof.marcuseduardo@bol.com.br

Financiando a aparência da felicidade

marcus_0311Muito interessante e oportuno o discurso proferido por Jose Alberto “Pepe” Mujica, presidente do Uruguai, na 68° Assembléia Geral da ONU (em 24/09/13): “A humanidade sacrificou os deuses imateriais e ocupou o templo com o deus mercado, que organiza a economia, a vida e financia a aparência da felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos a frustração, a pobreza, a autoexclusão”.

Pepe Mujica ainda mencionou ter “angústia pelo futuro” e contextualizou que a nossa “primeira tarefa é salvar a vida humana”. Além disso, o governante uruguaio ressaltou a necessidade em defender as riquezas naturais: “Carrego a dívida social e a necessidade de defender a Amazônia, nossos rios (…)

O discurso de Mujica, além de ser pontualmente interessante, é também oportuno para se discutir a busca pela felicidade que, pretensamente, estaria repousada no ato de consumir, característica típica da sociedade de consumo capitalista.

Em outras palavras, o presidente do Uruguai reafirmou a crítica disparada especialmente pela economia ecológica (ciência e gestão da sustentabilidade, na definição empregada por Martinez-Alier) apontando dedo em riste para a sociedade de mercado que se empanturra de futilidades, e se regozija na superficialidade estabelecida no consumo de massa, como se os elevados níveis de consumo fossem, per si, os determinantes máximos para se alcançar a felicidade.

Por trás desse deus mercado que, como bem disse Mujica, “financia a aparência da felicidade” há que se observar a existência de milhões de seres humanos vagando por aí, completamente alijados do consumo básico e indispensável para a manutenção da vida.

Esses, os excluídos da economia mundial, para usarmos a expressão empregada por Amartya Sen (Nobel em economia), se atormentam diariamente com a fome, com a miséria, com a ausência de condições básicas de higiene, sem acesso à água potável, a saneamento básico, sem moradia, sem esperanças num amanhã mais calmo e próspero.

Ao todo, são quase 1 bilhão de estômagos vazios e bocas esfaimadas que conformam os excluídos da economia mundial apenas em relação aos que passam fome, “perambulando” pelas grandes cidades do mundo. Esses são os desesperançados que se contrapõem aos 20% da humanidade (1,4 bilhão de pessoas) que se chafurdam na prática do consumo fácil, abocanhando 80% de toda a produção mundial.

Contudo, cabe indagar: será que esses “privilegiados” do consumo, por deterem essa “facilidade” são mais felizes (possuem mais bem-estar) que os 5,6 bilhões de pessoas (80% da população mundial) que estão “do lado oposto do balcão de consumo”?

Felicidade estaria nessa facilidade em consumir? Dirigido por Helio Mattar, o Instituto Akatu, a maior referência brasileira quando o assunto é “consumo consciente”, em recente pesquisa intitulada Rumo à Sociedade do Bem-Estar mostrou que o brasileiro relaciona o bem-estar muito mais ao convívio social do que ao consumo.

Ser feliz é: estar com a família; ter amigos e relacionar-se bem com eles; e ter saúde. Segundo a pesquisa, para 6 em cada 10 brasileiros, conviver bem com a família e os amigos é parte considerável da concepção de felicidade. A tranquilidade financeira é entendida como atendimento às necessidades básicas para uma vida decente: boa alimentação, educação, saúde, lazer. Acima disso, o dinheiro e as posses materiais, para o brasileiro, não trazem felicidade – apenas 3 em cada 10 brasileiros “escolheram” a posse de tranquilidade financeira como elemento responsável pela felicidade.

A utilidade

Um ponto importante em torno dessa discussão está no fato da economia ser construída em cima da estrutura da utilidade. Utilidade (utilitarismo econômico) para os economistas só faz sentido se for pensada em forma de benefício, de bem-estar.

A base da Teoria do Consumidor passa pelo conceito de utilitarismo. Esse pode ser definido como o bem que se identifica com o útil. Os utilitaristas mais proeminentes – Jeremy Bentham (1748 – 1832) e John Stuart Mill (1806 – 1873) – foram claros a esse respeito: “a felicidade está na aquisição daquilo que nos é útil”. O útil, grosso modo, leva à satisfação, leva ao prazer, leva ao bem-estar.

Em essência, esse é o objetivo da economia: proporcionar oportunidades e escolhas disponíveis a todos no dia a dia, auxiliando o maior número de pessoas na busca de algo fundamental: de algo útil, de bem-estar.

Bem-estar, então, se relaciona à busca pela própria felicidade. Pelo menos é isso o que diz a ciência econômica quando recomenda a seus “fiéis consumidores” que maximizem a utilidade esperada, ou seja, que no ato de tomada de decisões (não somente no ato de consumir) cada indivíduo alcance o maior nível possível de utilidade.

Conquanto, nem sempre essa utilidade está relacionada apenas (e tão somente) ao ato de consumir, como insistentemente parece recomendar a lógica mercadológica. Posso perfeitamente obter utilidade (ser feliz, ter bem-estar) ao encontrar alguém, ao falar com alguém, ao pensar em algo prazeroso, ao ler um poema agradável, ao respirar ar puro, ao contemplar uma obra de arte ou um monumento público.

Estou assim consumindo algo? Sem dúvida; no entanto, não estou tendo nenhum dispêndio para esse consumo. Para desespero do capitalismo do moderno e de seus asseclas, nem sempre um “consumo” vem seguido de gastos. O resultado obtido aqui é de ordem social, e não econômica.

Resultados sociais

Ora, se a economia é uma ciência social, nada mais justo que seus resultados apresentem significados sociais – e não apenas econômicos, como reiteradamente expressa a ordem econômico-consumista-mercadológica.

No entanto, esse lado social imerso nessa lógica econômica tem ficado à margem das decisões que priorizam, apenas e, tão somente, o lado econômico. O lado social, lamentavelmente, sempre foi – e continua a ser – relegado a quinto plano.

Pelo lado econômico, o que tem validade são os ganhos financeiros, não os prazeres-utilitários, ou seja, as felicidades que não passam pela disponibilidade financeira.

O que interessa para o lado econômico é o predomínio econômico-financeiro, não a abrangência social. Essa é a razão da existência de algumas discrepâncias que beiram, em nosso entendimento, a patologia.

O que precisa ficar claro é que definitivamente o mundo não é uma mercadoria e, “nem tudo está à venda” (everything for sale) para outra situação que “causa” profundo desespero nas bases do sistema capitalista/consumista. Logo, a felicidade, nesse sentido, não pode (e nem deve) repousar suavemente sobre o “nobre” ato do consumo exagerado que exige, por consequência, elevados dispêndios. Há algo muito mais interessante que leva à felicidade, ainda que a publicidade, diuturnamente, nos bombardeie recomendando o consumo a qualquer custo.

E a economia tem tudo a ver com isso. Basta atentarmos para o seguinte: aonde a economia estará no futuro depende daquilo que milhões de nós faremos nesse meio tempo até lá. Cabe a nós decidirmos o futuro. O futuro nos pertence e a felicidade, certamente, há de nos esperar na próxima esquina abraçada à maximização da utilidade esperada, ainda que o deus mercado esteja “financiando a aparência da felicidade”, como bem ponderou o presidente Mujica.

Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. prof.marcuseduardo@bol.com.br

Crescimento Destrutivo

Foto: Arquivo Pessoal

Foto: Arquivo Pessoal

A Ciência Econômica “criou” um tipo de crescimento baseado no consumo destrutivo da natureza e, como resultado, nos entregou um “produto final” chamado aquecimento global – o sintoma mais claro da crise ambiental, resultado de um processo crescente de degradação entrópica da natureza (de matéria e energia) gerada pelo processo de produção industrial que destrói os ecossistemas produzindo emissões crescentes de gases de efeito estufa (GEE).

Atrelado a isso, têm-se que o processo econômico produz calor pelo consumo de natureza, que se degrada em calor tal qual descreve a lei da entropia. Assim, uma economia que entra acelerando na rota do crescimento contínuo produz mais calor que é aprisionado pelo efeito estufa, aquecendo a atmosfera, provocando na ponta final catástrofes ecológicas e a destruição socioambiental.

Estudos realizados mostram que nos últimos 160 anos a temperatura média da Terra sofreu uma elevação de 0,5 ºC e, se persistir a atual taxa de poluição atmosférica (no mundo, a cada minuto, 10 mil toneladas de dióxido de carbono são lançadas na atmosfera), prevê-se que entre os anos 2025 a 2050 a temperatura sofrerá um aumento de 2,5 a 5,5 °C. As principais conseqüências seriam a alteração das paisagens vegetais, que caracterizam as diferentes regiões terrestres, e o derretimento das massas de gelo, provocando a elevação do nível do mar e o desaparecimento de inúmeras cidades e regiões litorâneas. Na Antártida, cerca de 3 mil Km2 de geleiras viraram água entre 1998 e 1999. Dezenas de ilhas da Oceania, entre elas Fiji, Nauru, Tuvalu e Vanuatu, correm o risco de submergir com o aumento do nível dos oceanos. No Recife, capital de Pernambuco, o contorno da praia está encolhendo ano a ano.

O fato real é que para “custear” o crescimento econômico promove-se a destruição ecológica. Para fazer a economia se expandir, mina-se as bases de sustentabilidade destruindo os frágeis equilíbrios ecológicos dos quais depende a conservação dos ecossistemas e da própria vida. Isso explica o fato de a ciência econômica “dominar” o mundo através do automatismo do mercado, tratando a natureza como mero objeto de trabalho.

Lamentavelmente, o planeta não “gira” regido pelas leis do universo e da natureza, mas pelas ordens impostas no mercado global. Isso resulta que estamos submetidos a uma racionalidade de um poder concentrador da riqueza, gerador de desigualdades e insustentabilidade.

A economia neoclássica (a economia tradicional) não faz nenhuma “força” para entender que a degradação ambiental não se deve a causas naturais; sua existência está relacionada às ações antrópicas. Não obstante, como bem apontou o economista mexicano Enrique Leff, “os tomadores de decisões continuam dando mais importância aos imperativos do crescimento econômico e à estabilidade macroeconômica nas políticas de desenvolvimento sustentável que aos estudos prospectivos sobre o risco ecológico e o desencadeamento do aquecimento global”.

Essa economia neoclássica não pode desconsiderar um fato primordial: a economia se alimenta da natureza; o processo econômico ao se “alimentar” de matéria e energia transforma esses recursos em calor, respeitando assim a segunda lei da termodinâmica (entropia). Com o avanço do processo econômico avança-se junto à concentração de GEE.

Até antes da Revolução Industrial essa concentração de gases de efeito estufa na atmosfera manteve-se abaixo dos 280 ppm (partículas por milhão). Atualmente, os níveis de CO2 na atmosfera equivalem a 430 ppm. O otimismo fica por conta do seguinte: se forem tomadas medidas a tempo, em 2050 poderá ocorrer um equilíbrio entre 450 e 550 ppm.

Até chegarmos lá, cabe pensar e repensar seriamente em “refundar” a economia sobre suas bases ecológicas ajustando os “mecanismos” da economia às leis da termodinâmica, fazendo com que a economia neoclássica deixe de negar a contribuição dos processos ecológicos para a produção e passe a “entender” definitivamente que o crescimento não é a solução, mas sim o problema.

(*) Professor de economia do UNIFIEO e da FAC-FITO (São Paulo). Articulista do Portal Ecodebate. Mestre em Integração da América Latina (USP).

Mundo Desigual

Foto: Arquivo Pessoal

Foto: Arquivo Pessoal

Marcus Eduardo de Oliveira

As desigualdades socioeconômicas em escala mundial são cada vez mais assombrosas. Definitivamente, o mundo está mais desigual e menos fraternal. Parece mesmo que o mundo está de cabeça para baixo – The world turned upside down, como diz a letra da música do Coldplay, e como também foi intitulado o relatório sobre as desigualdades publicado pela prestigiosa revista inglesa The Economist.

Os números da desigualdade formam um triste cenário: um em cada dois seres humanos vive com menos de dois dólares diários; um em cada três não têm acesso à eletricidade; um em cada cinco não têm acesso à água potável; um em cada seis é analfabeto. Num mundo ocupado por 7 bilhões de pessoas, um adulto em cada sete e uma criança em cada três sofre de desnutrição. A cada cinco segundos uma criança morre de fome; embora haja terras férteis para o cultivo dos alimentos, pois, apenas como exemplo, cabe apontar que o plantio destinado para produzir alimentos para o gado nos Estados Unidos da América é de 64% da quantidade de terras próprias, enquanto que a produção de frutas e alimentos ocupa apenas 2%. Na desenrolar dos fatos e na somatória dos números, resulta que uma pessoa a cada sete padece de fome.

Enquanto o consumo de alimentos cresce apenas para uma parte da população mundial, a outra parte se vê alijada desse banquete gastronômico: simplesmente 20% da população mundial – ou uma em cada cinco pessoas – está excluída da participação no consumo de alimentos. Nada mais que 300 milhões de pessoas no mundo têm uma expectativa de vida inferior a 60 anos; em parte, decorrente da má alimentação, além das patologias comuns pela carência de alimentos e nutrientes.

Os números que corroboram a desigualdade mundial continuam: 35% da população mundial não têm energia e proteínas suficientes em sua dieta. Há dois bilhões de pessoas anêmicas, incluindo 5,5 milhões que habitam os países do capitalismo avançado.

No entanto, enquanto as sequelas da fome vitimam considerável parte da população, do outro lado da história a opulência dá um colorido todo especial a alguns “privilegiados”. Apenas quatro cidadãos norte-americanos – Bill Gates, Paul Allen, Warren Buffet e Larry Ellyson – poucos anos atrás concentravam em suas mãos uma fortuna equivalente ao PIB das 42 nações mais pobres que abrigam uma população de mais de 600 milhões de estômagos vazios e bocas esfaimadas.

Essa desigualdade socioeconômica ganha contornos de aberração quando nos damos conta que 80% da riqueza mundial está nas mãos de 15% de “privilegiados”. Essa “turminha” afortunada se esbalda no consumo suntuoso. Exemplo disso? O consumo anual de cigarros, apenas na Europa, gira em torno de 70 bilhões de dólares. As diversas bebidas alcoólicas, também na Europa, atingem gastos superiores a 110 bilhões de dólares ao ano. Somente nos EUA, o gasto anual em cosméticos atinge 9 bilhões de dólares.

De acordo com o International Institute for Strategic Studies, a quantia de dinheiro que os países ricos – especialmente os EUA – destinam aos gastos militares durante onze dias daria para alimentar e curar todas as crianças famintas e enfermas do planeta. Repetindo: apenas 11 dias seriam suficientes para eliminar a fome de inocentes crianças pelo mundo afora.

Por fim, cabe apontar que especialistas no assunto acreditam que 200 milhões de dólares (menos de vinte vezes o que se gasta com sorvetes ao ano apenas na Europa ou o que as forças armadas dos países ricos gastam em apenas três horas de “bom trabalho” dizimando inocentes) poderiam “exterminar” (para usar um termo bem comum aos países bélicos) doenças como difteria, coqueluche, tétano, sarampo e poliomielite que, juntas, matam quatro milhões de crianças por ano.

É por essas e outras que o mundo está cada vez mais desigual, mais injusto e mais selvagem configurando um triste cenário que agride o maior de todos os princípios: a vida humana. Até quando suportaremos um mundo tão desigual assim?

Marcus Eduardo de Oliveira é economista, professor e especialista em Política Internacional, com mestrado em Estudos da América Latina (USP).

prof.marcuseduardo@bol.com.br

Uma economia só é sustentável quando respeita os princípios da Ecologia

Foto: Divulgação

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Marcus Eduardo de Oliveira (*)

Foi o mercado que formou o atual e devastador modelo econômico que, por se sustentar numa escala de produção crescente para “satisfazer” níveis de consumo exagerados, dilapida os principais serviços ecossistêmicos, exaurindo recursos ambientais acima da capacidade de regeneração do sistema ecológico.

Mesmo tal nível de consumo não sendo extensivo a todos, visto estar concentrado em poucas mãos, fere substancialmente o patrimônio natural. Os números que conformam esse argumento são ilustrativos: Pouco mais de 250 pessoas, com ativos superiores a US$ 1 bilhão cada, têm, juntas, mais do que o produto bruto conjunto dos 40 países mais pobres, onde vivem 600 milhões de pessoas. Os 16% mais ricos do mundo são responsáveis por 78% do total do consumo mundial. E 92 mil pessoas acumulam em paraísos fiscais mais de US$ 20 trilhões. As 500 milhões de pessoas mais ricas do planeta são responsáveis por 50% da emissão de dióxido de carbono, agravando o efeito estufa.

De acordo com o relatório “O Estado do Mundo” (elaborado pelo Worldwatch Institute), em 2008 foram vendidos no mundo 68 milhões de veículos, 85 milhões de refrigeradores, 297 milhões de computadores e 1,2 bilhão de telefones celulares. O consumo da humanidade em bens e serviços saiu de US$ 4,9 trilhões, em 1960 (calculado em dólares de 2008); para US$ 23,9 trilhões (1996), chegando em US$ 30 trilhões (2006) e, em US$ 41 trilhões, em2012.

O consumo suntuoso, conspícuo, no “idioma economês”, grassa aceleradamente, “consumindo” o capital natural do planeta. Os gastos com cosméticos ao ano -somente nos EUA- chegam à importância de US$ 9 bilhões. A Europa (com 740 milhões de habitantes) gasta com cigarros, também ao ano, mais de US$ 50 bilhões, e mais US$ 105 bilhões são gastos em bebidas alcóolicas. O gasto mundial anual em armamentos e equipamentos bélicos se aproxima de US$ 900 bilhões, enquanto apenas US$ 9 bilhões (portanto, 1% do que as grandes potências gastam para matar gente inocente) seriam suficientes para levar água e saneamento básico para toda a população mundial.

Esse modelo econômico de elevada produção “alimentado” com exagerado consumo, como dissemos, é destruidor dos serviços ecossistêmicos. Basta atentar para o estrago generalizado nos quatro ecossistemas que fornecem nosso alimento – florestas, pradarias, pesqueiros e terras agrícolas. Especificamente, nesses dois últimos, a atividade econômica tem se manifestado ao longo do tempo de forma muito invasiva. Das 17 reservas pesqueiras oceânicas conhecidas no mundo, 11 delas possuem taxas de retirada maior do que a capacidade de reposição. Das terras firmes do mundo, quatro bilhões de hectares encontram-se deteriorados. Os últimos 50 anos de atividade econômica respondem pela depredação de 60% dos ecossistemas.

Relacionado a isso, o crescimento populacional e, logo, de suas “necessidades”, se apresentam num ritmo mais acelerado do que a natureza é capaz de suportar. Descontadas as mortes, a cada dia 220 mil novas pessoas nascem no mundo – são 80 milhões ao ano. Nos últimos 112 anos, a população cresceu mais de 350%; passou de 1,5 bilhão, no ano 1.900, para os atuais 7 bilhões. Por isso, de 1980 pra cá, o consumo mundial dos recursos aumentou 50% – a cada ano são extraídas 60 bilhões de toneladas de recursos.

Quando o consumo material excede o nível necessário, o bem-estar consequentemente declina. Talvez isso explique a necessidade de se criar uma nova economia, um novo modelo econômico projetado para a Terra – e não para o mercado -, sendo considerado sustentável, na acepção do termo, somente se praticar o imprescindível respeito aos princípios ecológicos. Para alcançar esse novo estágio de modelo econômico é necessário, antes, mudar o modus operandi do sistema econômico.

É inaceitável mantê-lo da forma como está, criando cada vez mais necessidades fúteis. É assim que esse modelo se sustenta, pouco se importando em satisfazer plenamente as necessidades da população, mas sim em continuar criando novas produções para alimentar um consumismo, em geral, de futilidades, mantendo sempre em nível elevado essas “necessidades”. Para isso, estimula-se em ritmo alucinante a produção econômica, “oferecendo”, como espécie de “recompensa”, à biosfera mais poluição, mais degradação ecológica.

A obsolescência programada (mecanismo para diminuir a vida útil dos produtos forçando assim novas vendas) ocupa considerável espaço nessa dinâmica. Apenas para ilustrar: somente em 2012, a população brasileira descartou (jogou no lixo) 200 milhões de telefones celulares.

Junto à insidiosa indústria da publicidade (o segundo maior orçamento mundial, perdendo apenas para os gastos bélicos) a dinâmica capitalista “surfa” cada vez mais nessa onda consumista. Quem sofre com isso é o planeta que fica arranhado em sua textura principal pelas garras afiadas desse consumo voraz, ainda que restrito para poucas mãos.

(*) Professor de economia. Mestre em Integração da América Latina (USP).

prof.marcuseduardo@bol.com.br

Por uma sociedade de sustentação de toda a vida

Prof-Marcus OliveiraMarcus Eduardo de Oliveira

A dinâmica do modo de produção capitalista, em sua íntima relação com a economia, centrada numa visão egoísta (pois privilegia a acumulação individual) e antropocêntrica, na qual o homem pode tudo, inclusive sobrepujar às leis da natureza, produziu um tipo de crescimento econômico dilapidador dos sistemas ecológicos da Terra, da biodiversidade, agredindo os principais serviços ecossistêmicos (água limpa, ar puro, regulação do clima, polinização das flores, semeação do solo, fotossíntese etc).

O que poderia ser um crescimento agregador, não fosse à voracidade mercadológica, consubstanciou-se num tipo de economia que, via sistema de preços, transformou absolutamente tudo em mercadoria (incluindo a vida humana, com o tráfico de pessoas e de órgãos humanos). Resultou disso um foco de tensão dicotômico entre “crescer” (sistema econômico) e “preservar o meio ambiente” (sistema ecológico).

Como a ordem que impera no mercado de consumo recomenda sistematicamente políticas de crescimento econômico exponencial, preservar o meio ambiente e a biota (conjunto de seres animais e vegetais de uma região) acabou se transfigurando numa condição que foi relegada a escanteio, de pouca relevância.

Na atualidade, a consequência disso é o severo desastre ambiental: um planeta doente, uma Terra cansada, uma economia socialmente desequilibrada, cujo retrato desse descaso ecológico/econômico se expressa na morte de espécies (uma espécie desaparece por dia), na pobreza e fome crônicas que acomete quase 1 bilhão de estômagos vazios e bocas esfaimadas (14% da população mundial) e na desertificação e desflorestamento (já foram destruídas mais de 40% das florestas tropicais).

Se a tentativa era melhorar o mundo via crescimento econômico, o que presenciamos no transcorrer dos dias é uma piora acentuada do espaço que habitamos: lixo radioativo, chuva ácida, poluição urbana, maré vermelha, excesso de dióxido de carbono (a cada minuto, 10 mil toneladas são lançadas na atmosfera) são alguns dos “elementos” de nosso atual convívio. O fato concreto é que o “homem-econômico”, no afã em saciar sua sede de consumo, estreitou relações e se entregou abertamente ao modo de produção em larga escala ora vigente nas economias de ponta, esquecendo-se, contudo, que ao patrocinar esse superconsumo abastecido por uma superprodução de mercadorias artificiais (na maioria das vezes fúteis) somente fez arrebentar os mais elementares serviços ecossistêmicos, comprometendo, sobremaneira, os processos naturais que sustentam a vida.

Isso explica, ipsis litteris, o posicionamento crítico de Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU que, durante o Fórum Econômico Mundial em Davos (2011), chamou esse modelo aqui descrito de “pacto de suicídio global”.

De fato, estamos todos propensos a esse “suicídio global” uma vez que, dentro da espaço nave Terra, somos todos pilotos e passageiros ao mesmo tempo, já que estamos “inseridos” na natureza. Leonardo Boff, a esse respeito, assevera que “no universo e na natureza, em todas as circunstâncias, tudo tem a ver com tudo, afinal, somos todos feitos do mesmo pó cósmico que se originou com a explosão das grandes estrelas vermelhas”.

Da terra tiramos nosso sustento e à terra devolvemos dejetos do processo produtivo (resíduo, poluição, matéria dissipada). É assim que age o sistema econômico: usa e explora os limitados recursos naturais (input) e devolve lixo (output) à natureza. Quanto mais crescimento (econômico), maior é a agressão (ecológica). Assim, aumenta a tensão entre essas correntes. Esse processo é tão agressivo que, de acordo com estudos recentes, 60% dos serviços ecossistêmicos estão degradados. Por isso crescer economicamente é sinônimo de poluir assoberbadamente.

Dito de outra maneira, produzir é também sinônimo de destruir. Não por acaso, a etimologia da palavra “consumir” (a razão de ser da produção) significa “destruir”.

Lamentavelmente, as economias modernas têm aperfeiçoado os mecanismos dessa destruição, esgotando em várias frentes o patrimônio natural (biomassa das florestas, solo arável, disponibilidade de água etc).

Na Carta da Terra, um dos mais importantes e sérios documentos elaborados pela inteligência humana, lê-se que “os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, redução dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos equitativamente e o fosse entre ricos e pobres está aumentando”.

No visor do relógio econômico, os ponteiros marcam um crescimento destruidor da natureza, cuja poluição e depleção dos recursos naturais talvez sejam as faces mais evidentes. É chegada a hora, portanto, de frear esse processo.

Dado o pouco espaço aqui para uma contextualização mais aprofundada, o que dissemos fica apenas para efeito da seguinte reflexão: até quando esse tipo de crescimento econômico que provoca mortes e destruição continuará vigorando? Será que, como bem pontuou o filósofo Sigmund Kwaloy, não está na hora de promover-se a passagem de uma sociedade de crescimento industrial para uma sociedade de sustentação de toda a vida?

Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor, com mestrado pela (USP)

Se não há meio ambiente, não há economia

No caminho da prosperidade, as economias modernas devastaram boa parte dos recursos naturais. Em nome do crescimento econômico, a atividade industrial dilapidou os serviços ecossistêmicos (responsáveis pela manutenção da biodiversidade), desfigurando a natureza em várias frentes. Indiscutivelmente, mudanças climáticas foram – e estão sendo – provocadas pelo “homem-econômico”. O objetivo? Fazer a economia crescer exponencialmente produzindo em excesso para atender o consumo exagerado. O resultado? O ambiente ameaçado pelo consumo excessivo. A consequência? Depleção ambiental.

Inequivocamente, produção econômica implica destruição e degradação do meio ambiente. Por si só, isso já é o bastante para orientar à tomada de decisão rumo à elaboração de um novo paradigma econômico voltado às ordens ecológicas; não às mercadológicas.

Se não mudarmos o atual paradigma econômico é a própria economia que cada vez mais se joga no abismo da destruição, tendo em vista que, como bem lembrou Lester Brown, “a economia depende do meio ambiente. Se não há meio ambiente, se tudo está destruído, não há economia”.

Nessa mesma linha de análise, Clóvis Cavalcanti nos diz que “não existe sociedade (e economia) sem sistema ecológico, mas pode haver meio ambiente sem sociedade (e economia)”. “Sem recuperar o meio ambiente, não se salva a economia; sem recuperar a economia, não se salva o meio ambiente”, contextualizou o ecologista norte-americano Berry Commoner (1917-2012).

Embora em seus modelos convencionais a economia tradicional faça questão de não contemplar a moldura ou restrições ambientais, pois a visão predominante do sistema econômico como um todo enaltece loas ao fluxo circular da riqueza, imaginando, com isso, uma economia como sendo um sistema isolado, como se fosse um corpo humano dotado apenas do aparelho circulatório, não há como negar o enorme grau de dependência da economia em relação ao ecossistema natural finito (meio ambiente), uma vez que a natureza fundamental da economia é extrair, produzir e consumir.

É intensa a relação da economia (atividade industrial) com o meio ambiente. Não se pode perder de vista que o sistema econômico é um sistema aberto que troca energia com o ambiente. Nessa troca, recebe energia nobre (limpa) e a devolve de forma degradada (suja).

Portanto, metaforicamente, se a economia é um corpo humano, o aparelho digestivo está aí contemplado, uma vez que recebe da natureza matéria e energia e devolve lixo, dejetos. Reafirmando essa ideia, convém resgatar uma passagem de Nicholas Georgescu-Rogen (1906-94): “o sistema econômico consome natureza – matéria e energia de baixa entropia – e fornece lixo – matéria e energia de alta entropia – de volta a natureza”.

Diante disso, é de fundamental importância subordinar o crescimento aos limites ecossistêmicos, uma vez que crescer além do “normal” é altamente prejudicial ao meio ambiente.

Por isso, o novo paradigma econômico precisa convergir com a ecologia, uma vez que dependemos dessa para nossa própria sobrevivência. O desafio é ímpar: produzir mais (bem-estar) com menos (recursos naturais). Produzir mais qualidade (desenvolvimento), e não quantidade (crescimento).

Decorre daí a máxima de que somos, pois, dependentes do meio ambiente, contrariando assim o discurso de René Descartes (1596-1650) de que “somos senhores e dominadores da natureza”. Por essa ideia do filósofo francês, a economia dilapidadora dos recursos naturais, manejada pelo “homem-econômico”, estaria agindo de forma correta em propagar destruição, poluição e degradação ambiental, uma vez que para gerar riqueza gera-se antes destruição natural.

O futuro da vida – e especialmente, da vida humana – na Terra, dependerá do rumo que se der hoje à economia. Se nosso objetivo maior for pela continuidade da vida de nossa espécie devemos seguir o receituário propugnado por Georgescu-Rogen: “(…) um dia a humanidade terá de compatibilizar desenvolvimento com retração econômica”. Caso contrário, pereceremos.

Marcus Eduardo de Oliveira é economista, especialista em Política Internacional pela (FESP) e mestre pela (USP).

prof.marcuseduardo@bol.com.br

23 Maio

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Economia mundial está perdendo mais dinheiro com o desaparecimento das florestas do que com a crise econômica, diz professor

São Paulo – A economia mundial está perdendo mais dinheiro com o desaparecimento das florestas do que com a crise econômica global. Essa é a avaliação do economista Marcus Eduardo de Oliveira, ouvido pela Folha Oeste.

Falando sobre a problemática ambiental, em especial a relação da atividade econômica com os recursos naturais finitos, Marcus de Oliveira, professor de economia do UNIFIEO e da FAC-FITO, em São Paulo, disse que “a comunidade dos economistas precisa, em consenso, defender sistematicamente a ideia de desacelerar o crescimento econômico, pois isso permitirá ao planeta mais capacidade de “respiração” sem o convívio com a agressão patrocinada pela atividade econômica”.

Para ele, “a economia mundial já chegou ao limite em termos de absorção de políticas de crescimento econômico que são potencialmente agressoras da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos”. Para o professor, “mais economia significa menos meio ambiente, uma vez que poluição e dejetos são produtos da atividade econômica”.

O que mais tem chamado à atenção é o desaparecimento das florestas. Baseado no estudo “A Economia dos Ecossistemas e Biodiversidade”, encomendada pela União Europeia em 2008, o economista lembrou que “as perdas com a destruição das florestas equivalem a 7% do PIB mundial, e que os desperdícios com o desmatamento anual chegam próximos a US$ 5 trilhões”.

Oliveira comentou ainda que “a destruição das florestas leva junto perdas no fornecimento de oxigênio, água potável e a absorção de dióxido de carbono”.

As florestas desapareceram por completo em 25 países e outros 29 países perderam mais de 90% de sua cobertura florestal. Para o economista, “a sociedade moderna, no afã em reproduzir o modelo centrado na excessiva produção para o atendimento do consumo exagerado, esquece o valor da natureza e prefere enaltecer mais o som da buzina dos automóveis do que o canto dos pássaros. Nessa sociedade de consumo, a fumaça das fábricas, desde o início da expansão industrial, passou a ter mais importância do que o cheiro do mato pós-chuva”.

Para suprir essa carência, diz o economista que “teremos que produzir esses serviços que antes eram gratuitos, oferecidos pela natureza. Isso tem um custo. Por sinal, um custo bem elevado”, concluiu.

(Ricardo Almeida – Folha Oeste)