Junho Violeta: um olhar para a melhor idade

Foto: Steve Buissinne por Pixabay

O período chamado de melhor idade é parte natural do ciclo da vida, do qual todos nós almejamos alcançar. Planejamos a aposentadoria, e idealizamos ter um tempo para somente esticar as pernas pro alto e repousar da correria de toda uma vida de ocupações. Imaginamos fazer todas as viagens que não deram tempo em tão curtos períodos de férias, e sonhamos em conhecer todos os lugares que foram abandonados na lista dos sonhos da juventude.

Ninguém quer partir aos 40. Ainda não deu pra ver tudo que o mundo tem pra oferecer. Queremos ser centenários, pois a sede de viver é algo insaciável. Sempre falta conhecer um lugar novo, uma pessoa nova, e sempre há novos assuntos para estudar, e novas áreas para trabalhar. Se tivéssemos a imortalidade como prazo, ainda assim, haveriam infinitas possibilidades para vivenciar. Mas, é justamente por ser finita, que a vida tem tanto valor.

Alcançar a terceira idade é algo a se comemorar muito, tanto por todas as experiências que já foram vividas, quanto pela perspectiva de alguns anos (e sonhos) a mais. Talvez, quando alcançamos esta fase é que nos damos conta da importância da vida, justamente por saber que a maior parte dela já passou. Mas, infelizmente, a realidade de manter uma vida ativa, saudável, e de qualidade durante a terceira idade no Brasil, não condiz com a situação de todos os idosos brasileiros. Embora devesse.

Em decorrência da pandemia, as famílias passaram a enfrentar diversos problemas sociais, emocionais e econômicos (entre tantos outros), e a violência entre familiares também cresceu junto a essa maré desastrosa. Segundo a Central Judicial do Idoso (CJI) só nos primeiros cinco meses de 2021 os casos de violência contra idosos ultrapassaram o total do ano passado. Dados do Disque 100, apontam que no primeiro semestre deste ano, foram registrados mais de 33,6 mil casos de violações de direitos humanos contra idosos no país. Na maioria dos casos, as denuncias notificam agressões verbais, físicas ou exploração financeira.

Atualmente, ainda é enfrentado mais um agravante: a fome. Olhar para a história do desenvolvimento do país em meados de 1940 e 50, é também olhar para o crescimento da desigualdade social, o êxodo rural, o alto índice de pobreza e, consequentemente, a fome. Com todos os problemas sociais desencadeados em efeito dominó pela pandemia, o Brasil está voltando ao Mapa Mundial da Fome a passos largos. E se fizermos um cálculo rápido, veremos que os idosos que estão em situação de vulnerabilidade social hoje, com as geladeiras vazias, são os mesmos que passaram fome numa árdua infância. Desencadear este problema é também trazer as sombras de cicatrizes emocionais que haviam sido guardadas, de volta à tona.

Se não fosse o bastante, a OMS sinalizou este mês, a iniciativa de incluir o termo “velhice” na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), a partir de janeiro de 2022. É isso mesmo, você não leu errado. Chegar à terceira idade será classificado como doença. Um enorme retrocesso que pode desencadear no aumento do preconceito para com a pessoa idosa, além de possíveis interferências em diagnósticos médicos, tratamentos e pesquisas científicas na área de geriatria e gerontologia. Imagine você, adoecer aos 60 anos e ser diagnosticado com “velhice”?! Qual seria o tratamento, afinal?

Diante de tudo isso, é de fundamental importância que todos nós, enquanto sociedade civil, possamos sempre abrir espaço para falar sobre o público idoso, e refletir sobre seus direitos e necessidades. No mês atual esta reflexão vem junto à campanha Junho Violeta, que busca combater a violência contra a pessoa idosa. O dia 15 de Junho é o Dia Mundial de Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa, conforme declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e a Rede Internacional de Prevenção a Violência à Pessoa Idosa, em 2006. Assim como outras campanhas nacionais e/ou internacionais, a favor da garantia de direitos de vários outros grupos, esta foi criada pela sua urgente necessidade.

Pensar no público idoso é pensar em 10% da população do país, que serviu, educou, e construiu muito do que somos e alcançamos hoje, e a retribuição está acontecendo da pior forma. O olhar de respeito à nossa ancestralidade jamais deveria ser desviado. Todo o conhecimento e sabedoria passada para nós vieram e vêm da fonte de experiências vividas por eles, e reconhecer a importância dos nossos idosos é, acima de tudo, um ato de gratidão. A população se torna cada dia mais longeva, em breve o número de idosos será cada vez maior, e ainda maior, será a responsabilidade de todos de respeitá-los.

Em casos de violência de qualquer tipo e/ou violação de direitos contra idosos, denuncie. Disque 100. Como sabiamente falou Martin Luther King: “Quem aceita o mal sem protestar, coopera com ele”. O seu silêncio também é violência.

O real e vertiginoso mundo novo

(Foto: Pexels / Pixabay)

Passei a perceber o quanto é laborioso vivenciar a história, a partir do momento que o ato de escrever sobre os acontecimentos atuais se tornou algo difícil de fazer, ato este, que desde a infância foi fluido pra mim. O bombardeamento de notícias negativas que nos jogam goela abaixo, a cada minuto do dia, é algo que nos causa a sensação de precisar ruminar. Temos refluxo, azia, mal estar, má digestão. Não há tempo para digerir.

Era muito mais cômodo ler as histórias de cinquenta anos ou cinco séculos atrás. Nos impressionávamos, tínhamos sensações, ficávamos imaginando como tivera sido passar por determinadas situações. E depois, refletíamos, fechávamos o livro, e seguíamos nossas vidas. No máximo, conversávamos com alguém sobre as problemáticas que vimos nas páginas destes livros. E tínhamos até o super poder desugerir soluções. Tudo em simples e harmoniosa paz. Éramos imbatíveis.

Problemas existiam, sempre existiram, mas sempre fomos ótimos em contornar situações. Um jeitinho brasileiro aqui, outro ali, e as crises do jornal pareciam mais próximas à artificialidade dos filmes do que com o nosso real. Afinal, uma crise parcelada em 12x sem juros era mais fácil pro brasileiro pagar. Mas, pagar à vista, é caro demais. Pagar com a vida, é um prejuízo do qual não estávamos preparados. Ver a história passar diante dos nossos olhos no ao vivo, não nos dá tempo de sugerir soluções como costumávamos fazer.

Um ano depois de começarmos a escrever a primeira página do livro de histórias da qual estamos vivenciando, chegamos à exaustão. O cansaço que antes era relativo e individual, tratado facilmente com terapia e viagem de férias, agora é coletivo, e não existe “band aid”. A terapia se transformou em vídeo-chamada, assim como todos os outros locais dos quais costumávamos ocupar. As férias foram adiadas, pois já não havia lugar para ir, e o aconchego de estar em casa se tornou maçante.

Estamos imersos em descobrir o que é normal e anormal no novo agora. O calor brasileiro de fazer frevo precisou ser apagado com esguichadas de desinfecção e higienização. No novo normal, precisamos vestir não só o corpo, mas também a face. O perfume que costumávamos usar foi substituído pelo cheiro de álcool em gel. E os abraços… ah, os abraços… estes foram subitamente trocados pelas telas de smartphones e laptops. E mesmo já tendo se passado pouco mais de um ano, aparentemente ainda não nos habituamos.

No mês de março, ao mesmo tempo em que se completava um ano da primeira morte por coronavírus no país, o plano político foi alcançado: “Brasil acima de todos”. Estávamos liderando a quantidade de mortes diárias até poucos dias atrás. Na história que estamos escrevendo hoje, o Brasil que antes fora referência de vacinação, agora sofre com uma Revolta da Vacina reversa. Enquanto esperamos uma vacinação em massa, só conseguimos vislumbrar um milagre do amanhã, que nunca chega.

O Brasil que costumava se revoltar por um vintém, protestar por 20 centavos, gritar por liberdade e manifestar-se por impeachment, parece ter sido silenciado pelo luto. No novo normal nós fazemos a escolha entre comer ou pagar as dívidas, calados. Um estudo recente feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), apontou que o valor ideal para sustentar uma família composta por dois adultos e duas crianças, deveria ser de R$5.315,74, em março. Enquanto isso, fazemos o milagre da multiplicação com o salário mínimo de R$1.100,00.

O Brasil das crises estabeleceu uma normalidade assustadora. Nós decidimos resolver a situação com vídeos dançando, “memes”, reality shows e fotos de demonstração da nossa satisfação e felicidade nas redes sociais. Entregamos as crises
políticas, econômicas, sociais, sanitárias e humanas, para Deus, o universo, o cosmos, o senhor tempo, os orixás, e todas as divindades, pois nós estamos ocupados demais com o nosso novo normal. Precisamos alimentar as nossas redes sociais, ficar sempre online e conectado, afinal, não é isso o novo normal?

Ao que parece, até mesmo o maior medo humano foi normalizado. Até caberia aqui, um trecho de Cazuza: “Senhoras e senhores, trago boas novas, eu vi a cara da morte e ela estava viva”. Após quase 400 mil mortes, ao que parece, só nos resta aceitar a ceifadora. Afinal, os lockdowns no Brasil nunca aconteceram, de fato. Para uns, por necessidade, para outros, por pura e simples irresponsabilidade. Estamos engolindo o luto com doses de café (que a propósito teve aumento de 36% em sua produção de 2020), e seguimos nos ludibriando com os sorrisos postados.

Se está tudo bem no reality show da TV, nas redes do Zuckerberg, nas séries e filmes das plataformas de streaming, então está tudo bem com o mundo também. O que nós poderíamos fazer mesmo? Já não somos mais a geração coca-cola de outrora, somos a geração que grava vídeos e espera ficar rico e famoso. Não temos porque nos preocupar com os problemas do país, já temos os nossos próprios problemas do nosso novo normal: “como editar vídeos dançando para postar?” O novo normal causará mudanças longínquas e irreparáveis, o que não se pode saber, ainda, é se essas mudanças serão, ou não, positivas. Quem sabe possamos descobrir nos próximos livros
de história.

Silenciadas pela Quarentena

Foto: Christopher Ross / Pixabay

Chegamos ao último mês do ano, e que ano! Tantas turbulências, tantas perdas, tantas angústias, que houveram vários momentos de difícil digestão. Fomos surpreendidos dia após dia, com inúmeras notícias, sobre infinitas pautas. Mas, para além do vírus, há uma pauta pouco citada pela mídia, que me incomodou bastante, diria até, que de forma particular. E creio que essa é a sensação da maioria das mulheres.

Fui acompanhando os dados ao longo de alguns meses, e ficando cada vez mais angustiada e incomodada com os resultados. A violência doméstica, e o abuso sexual contra a mulher, cresceu mundialmente nesse período de isolamento social. Se já é complicado o suficiente estarmos expostas em diversas situações corriqueiras, já se pode imaginar o quanto as coisas se obscureceram quando algumas tiveram que ficar isoladas na quarentena com seus agressores/abusadores.

De acordo com a revista Dom Total, em um levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre janeiro e junho, foi identificado um recuo nas notificações de lesão corporal dolosa (de 122,9 mil para 110,8 mil), ameaças (de 282,9 mil para 238,1 mil), estupros (de 9,6 mil para 7,4 mil) e estupros de vulneráveis (de 18,9 mil para 14 7 mil), comparadas com o mesmo período de 2019. Seria motivo de comemoração, se o problema não estivesse por trás disso. Pois, a razão dessa queda se deu ao aumento da dificuldade de denunciar. A presença constante do agressor nos lares, fizeram com que as vítimas ficassem constrangidas e silenciadas, ainda mais.

Enquanto isso, segundo à revista ISTOÉ, em uma inspeção feita pelo software SEMrush, no qual foram analisadas pesquisas na internet, a busca no Google por “Lei Maria da Penha” apresentou o estratosférico salto de 238% em Pernambuco, seguido por Rio de Janeiro, com 124%. Certamente esta não se trata de uma busca aleatória na internet, mas talvez, uma possibilidade de pedido de socorro. Infelizmente, muitos pedidos não saem da garganta das incontáveis mulheres que não conseguem pedir ajuda, por uma infinidade de motivos.

Por todo o meu incômodo, por todo o incômodo e nó na garganta de todas as mulheres, e a sensação de incapacidade de solucionar essas dores de todas nós, trago em versos o meu manifesto. Que nossa voz possa ser ouvida, com ou sem isolamento, independente das circunstâncias.

A culpa não é minha, não!

Ah, se ela não andasse
com todo esse quadril,
com todo esse formato
do meu antigo violão.
Se ela não tivesse
esses seios desenhados
de amamentar a criação…
e se não amamentasse na rua
com toda aquela fartura,
eu jamais a desejaria
como um bebê faminto chorão.

Era melhor que nem trabalhasse,
que ficasse lá, a beira do fogão.
E que não estudasse,
pra acabar com essa inteligência
que me causa tesão…
Ah, se ela não postasse
aquelas fotos de biquíni
me causando comichão,
e se não treinasse na academia
eu nem olharia pra ela
na legging apertada da malhação.

Ah, se ela não olhasse
pra todos os lados
ao atravessar a rua,
e se não tivesse toda essa beleza
enquanto anda no calçadão…
Se ela não usasse decote,
ela nem me chamaria a atenção.
E vocês já viram aquela saia?
Tanta perna à mostra
que a mim só resta
arregalar meu olhão!

Ah, se ela não tivesse
todas essas tatuagens
chamando minha atenção…
Se ela não pintasse o cabelo,
se não fizesse as unhas,
eu não repararia nela, não!
Se ela não se maquiasse,
se não andasse toda pintada
como uma tentação,
eu não teria motivos
pra desejá-la não, não!

Se ela não bebesse,
se ela não fumasse,
se ela não dançasse até o chão,
eu jamais teria motivos
pra querer possuir
tudo que há naquele corpão.
Se ela não andasse
toda elegante num saltão,
se ela não tivesse piercings
pra alimentar minha imaginação,
eu nem cogitaria querer ela, não.

Que culpa tenho eu?
Se ela nasceu mulher,
fruto de tentação?
Se ela não sorrisse,
se ela não olhasse,
se ela não andasse,
se ela não respirasse,
se ela não vivesse,
se ela não existisse,
ai sim, eu não teria motivos
pra querer estuprar ela não, não!

Deixo a todas as mulheres o meu abraço, e aos leitores, o meu pedido de consciência. Precisamos começar a “meter a colher” sempre que necessário.

Em caso de denúncia, disque 180. O Disque-Denúncia foi criado pela Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM). A denúncia é anônima e gratuita, disponível 24 horas, em todo o país.

Observações de Isolamento (Parte II) – Da reflexão ao agradecimento

Foto: Gerd Altmann / Pixabay

Na lembrança de alguns
Ainda deve está fresca a memória,
Da luta que foi cravada
Com suor e sangue
Em nossa história.

Nem tem muito tempo assim
Que se rezava pra ter saúde,
E se saúde não tivesse
Se orava ao nosso “padin”,
O padre Cícero era o médico
De cada milagre que não tinha mais fim.

O programa que hoje está salvando
Não existia nem em sonho.
Adoecer era coisa de rico,
E o pobre que adoecesse
Apelasse pra benzedeira
Seja espinhela caída, cobreiro ou quebranto.

Quando o direito à saúde chegou
A felicidade foi sem tamanho,
A mortalidade infantil despencou,
E se começou a prosperar
A novidade de poder viver
Muito mais que cinquenta anos.

A empregada ganhou pré natal,
A professora regulou a pressão,
E o agricultor, com dor a tanto tempo
Pôde se tratar do cansaço
Que ele achava que a qualquer momento
Ia matá-lo do coração.

Agora imaginem só,
Teve um tempo desse
Um tempinho ali, bem pertinho
Que queriam desmantelar
Esse direito à saúde
Que é de nós tudinho…

Queriam voltar a ditar
Quem ia na sala do doutor,
E a gente que começasse a rezar
Pedir saúde a nosso Senhor,
Porque dinheiro não ia sobrar
Pra o luxo de sentir dor.

Já pensou que confusão?
O vírus chegou de mansinho
E já pegou pra mais de milhão,
Imagina se não tivesse
Acesso a saúde pra toda população?

E o malvado do COVID num escolhe não,
Pode ser pobre, rico, jogador ou jardineiro,
E quando o bicho chega
Não tem curandeira que obre milagre não…

Mas eu soube que lá no posto
E também no hospital
Tem super-homem de capa branca,
E mulher maravilha de capote
Que tem feito cada milagre sem igual.

Tem também o pessoal,
Que faz todo o sistema funcionar,
Serviços gerais, técnicos e administrativos,
Que estão a todo momento
Botando o vírus pra chispar.

Trocaram a própria segurança
Do seio familiar,
Pra cuidar de todo mundo
Que houvesse de precisar.
O que seria de nós agora
Sem esses heróis pra nos ajudar?

Vou encerrando o meu verso
Deixando o meu: Muito obrigada!
Pra todos os profissionais
Que abriram mão da vida
Pra nos dar um tantinho de vida a mais.

Observações de Isolamento (Parte 1)

 

 
 
 
 
 
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Foi um alvoroço danado 

quando todo mundo 

teve que ficar trancafiado.

Afinal, como é que pode 

o homem evoluído viver isolado?

Era empresário se agoniando 

para manter seu capital…

Eram os CNPJ’s com a mão na cabeça

com medo de perder cada real.

Era mãe de menino estressada,

sem saber como ia assumir 

o trabalho da professora 

de letramento, tabuada 

e até descobrir o valor de Pi.

Era a mulherada tudo doida 

com os salões de beleza fechados,

E os fitness na maior tristeza 

com as academias com placa de “notificado”.

Era rico indo para praia 

que comprou ano passado,

e postando a foto com #tbt 

para não ser criticado.

Era gente saindo escondido 

pra ir ver o namorado,

até um dos dois adoecer 

e ver que o tal do vírus não era inventado.

Mas nesses isolamentos de luxo

o que muitos ignoraram,

foi o agricultor garantindo a mesa farta

se arriscando pra cuidar do roçado.

A empregada não se isolou 

porque a patroa quebrou a unha 

e já ficou sem paciência

no primeiro dia que ela faltou.

A padaria ficou aberta,

porque o pão quente 

tem que chegar em todas as mesas, 

religiosamente na hora certa.

Era eletrônico com medo 

do novo vírus pegar 

mas tinha que consertar a TV 

porque no isolamento

série e filme não podiam faltar.

Era borracheiro de máscara

trocando a câmara de ar,

porque o carro de luxo 

precisa estar no ponto para poder viajar.

Era gente deprimida 

porque tinha que se trancar,

E gente mais deprimida ainda 

quando era obrigado a trabalhar.

Nessa bifurcação 

que tinha um lado isolado 

e outro sem poder se isolar,

os problemas que já existiam 

começaram a se escancarar.

A grande empresa não fechou 

mas o empresário parou de ir,

deu máscaras aos funcionários 

e “continuem a produzir!”.

Já o autônomo não teve escolha,

ou trabalhava escondido 

ou fazia milagre com auxílio,

e dividia o prato com os cinco filhos.

Tinham ainda os desavisados 

que em casa podiam ficar,

mas os pés davam até coceira 

se tivessem que ficar parados.

Ôh, “resfriadinho” danado!

chegou arrancando a máscara do sistema 

que bem antes da quarentena 

já estava fracassado…

Quando Raul profetizou

sobre “o dia em que a terra parou”

mal sabia ele que para a maioria 

nunca houve de ter parado…

Falei tudo no verbo passado 

querendo que acabe logo 

o que ainda não passou,

não só o virus maldito,

mas toda desigualdade 

que desde menino já reclamava vovô.

POEMA DA OPRESSÃO

Foto: Jhon Dal / Pixabay

Educação não,
porque educar um povo
é sinônimo de libertação.

Educação não,
porque se tiverem educação
os libertaremos da manipulação.

Educação não,
porque se educas um indivíduo
livras ele da prisão.

Educação não,
porque não podes alienar
um sujeito dotado de informação.

Educação não,
porque se todos se levantarem
tombam um governo e sua opressão.

Educação não,
porque com sabedoria podem derrubar
qualquer discurso só com argumentação.

Educação não,
porque a ciência desvenda mistérios
que escondemos nas sombras de nossa escuridão.

Educação não,
pois preferimos a ignorância
assim o povo não cobra a nossa obrigação.

Educação não,
porque um indivíduo ingênuo
aceitará qualquer migalha de pão.

Educação não,
porque poderemos conseguir votos
em troca de um botijão.

Educação não,
porque prefiro o futebol
este sim, passa na televisão.

Educação não,
porque preciso de empregados
pra pagar pouco e ganhar meu milhão.

Educação não,
porque meu salário tem que ser grande como o mar
mas o do professor do tamanho de um botão.

Educação não,
pois meu caviar é caro
eles que comam arroz e feijão.

Educação não,
porque prefiro que precisem me pedir
usando de toda sua lamentação.

Educação não,
porque um povo humilhado
perde as forças de cobrar o que há na Constituição.

Educação não,
porque prefiro os meus filhos na Disney
e os de vocês catando papelão.

Não daremos liberdade a ninguém
queremos marionetes sendo nossos reféns.
Eles que lutem por Educação,
pois se depender de mim, jamais terão.

HOMENS, DESARMEM-SE!

Foto: Rawpixel / Pixabay

Há muito tempo venho pensando nas mais diversas formas de falar sobre esse tema tão complexo, e ao mesmo tempo, tão peculiar que é o universo masculino. Alguns podem enxergar isso como leve audácia, ou pura travessura minha, querer falar destes seres vindos de Marte, sendo eu, mais um fragmento mandado de Vênus. Mas, enxergo o público masculino como uma ampla corporação que, assim como todas as outras “categorias” que um povo se deixa subdividir, também precisa de atenção. No entanto, por uma enorme (e cruel) soma de aculturações, eles são estatisticamente os que menos recebem cuidados.

Percebo o quanto a sociedade é cruel quando a visualizo sendo refém de seus próprios pré-requisitos para viver dentro de uma minúscula caixa. Nessa caixa, homens não podem chorar, não têm sentimentos, não precisam ir ao médico, não podem ser vencidos, e ser sensível é quase uma ofensa. Homens só podem se enquadrar no papel indestrutível de ser macho. O seu papel é ter sempre força braçal, raciocínio lógico e infalível, e saúde em abundância. Chorar é um crime inafiançável, porque desde crianças ouvem uma lenda de que “homem que é homem não chora”. Para ter sentimentos, só se enquadram em duas hipóteses nas conversas dos parceiros de futebol: ou é “dominado”, ou traído pela mulher – porque homem deve ser eminente, sempre.

E pra quê ir ao médico? “Isso aí é frescura”, “toma uma dose que resolve”. E por muitos anos, nos índices do mundo todo, o homem é o que mais vem a óbito por não tratar de patologias a tempo de curá-las, por descobrir tarde demais. Assim como, pelas mais diversas razões, o homem esconde por muito mais tempo a depressão, sendo mais propício a tentar o suicídio. De acordo com os dados de análise da Tábua completa de mortalidade para o Brasil de 2018, publicado pelo IBGE, a probabilidade do homem alcançar os 60 anos no ano de 1940 era de 11,6%, enquanto que para a mulher atingir a mesma idade as chances eram de 14,5%. Já em 2017, 20,5% para homens e 24,1% de chances para mulheres alcançarem a melhor idade. Quase oitenta anos depois, embora o índice de mortalidade tenha caído para ambos, a diferença entre os sexos continua muito semelhante.

Até quando os homens precisarão carregar essa pesada armadura e essa incômoda máscara? Vamos lá sociedade, não é tão difícil assim perceber que não há outra saída senão a igualdade. Homens e mulheres, antes de serem indivíduos socialmente encaixilhados, são biologicamente humanos. Todos nós temos necessidades inerentes as nossas opções de escolher tê-las. Humanos sentem dor, medo, cansaço, raiva, mas também sentem desejo, carência, afeto, amor. Homens não são uma classe diferenciada de seres humanos. Não existem super heróis por aqui (e olhem que o homem-aranha é louco pela Mary Jane)… Enquanto o “sexo-frágil” ganha os holofotes, o grito silencioso dos homens continua a vagar em torno do seu particular universo, mas lá, buracos negros não engolem dores, estas permanecem.

Muito se fala nas conquistas da mulher ao longo de todos os anos de estruturação e tentativas de desmonte do patriarcado, do dia 8 de março, do dia das mães, das campanhas de Agosto Lilás e Outubro Rosa, e de todos os espaços que a mulher conquistou. E como boa feminista que sou, tenho que abrir aspas aqui para duas coisas, a primeira, é que todas essas conquistas são de fundamental importância para nós mulheres, embora ainda tenhamos muitos caminhos a serem desbravados; e a segunda, é que esse mesmo feminismo importante para nós é importante para vocês, rapazes. E antes que me interpretem mal, respirem, que a explicação já está logo a diante. Lembram da igualdade que eu citei no parágrafo anterior? Quando nós, mulheres, lutamos por equidade, levantamos a bandeira também por vocês. Da mesma forma que queremos espaços, esperamos que vocês também ocupem alguns espaços que a “sociedade” julga não precisarem ocupar.

Diferente do público feminino que é cercado por campanhas de cuidado, saúde, valorização e inúmeras jogadas de marketing capitalista para estar sempre impecável, para o público masculino restam propagandas de cervejas, carros, preservativos e futebol, algumas poucas vitrines dedicadas ao dia dos pais, e finalmente, o Novembro Azul. A essa altura já se pode imaginar que não foi coincidência que escolhi este mês em questão para lembrá-los do quanto são importantes. A campanha vem para reforçar a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de próstata, que segundo Fundação do Câncer, este é o segundo tipo de câncer mais comum entre os homens brasileiros e as maiores vítimas são homens a partir dos 50 anos.

Bem, se o simples fato de precisar ir ao médico já é uma muralha para os homens, e fazer terapia com um psicólogo é um passo tão difícil quanto escalar o Monte Everest, já podemos imaginar que a campanha do Novembro Azul é essencial. Porém, não suficiente. Todos nós somos responsáveis pelos obstáculos sociais que criamos, e principalmente, que continuamos a alimentar. A misoginia precisa ser combatida, assim como a homofobia, o racismo, e quaisquer outros tipos de intolerância. Não deixando fora destes, o machismo, que diferente do feminismo (que é um movimento social), é um comportamento fundamentado na compreensão de que os homens são superiores às mulheres. E com muita tristeza eu lhes digo que vocês vêm sendo superiores a nós nos mais diversos índices de mortalidade.

Segundo a estimativa da Incidência de Câncer no Brasil para o biênio 2018-2019, todos os tipos de câncer, com exceção do câncer de mama, útero, ovários e tireóides, têm a probabilidade de acometer muito mais homens que mulheres. Além disso, de acordo com o CVV, em média, uma pessoa comete suicídio por hora no Brasil. Também a cada hora, três pessoas tentam, sem sucesso, cometer suicídio. Dentre estes, as mulheres têm a taxa oficial de morte por suicídio de 1,9 para cada cem mil habitantes, e os homens, o índice é de 7,1. E a diferença é gritante. Além do mais, segundo o Ministério da Saúde “Acidentes de trânsito são a segunda maior causa de mortes externas no país. Em 82% dos caso, as vítimas fatais são do sexo masculino”. Mesmo as mulheres sendo taxadas de dirigir mal. Bem, eu poderia continuar uma listagem de outros dados, mas a ideia aqui é apenas uma: chamar a atenção de vocês, homens, para o autocuidado.

A carreira, a família, as ocupações, tudo isso é importante, claro. Mas se a saúde for por água abaixo, todo o resto escoará junto. O trabalho pode esperar, as obrigações rotineiras podem esperar, tenham certeza que não haverá nada de mais importante que estar bem, inclusive para conseguir realizar essas atribuições com melhor eficiência. E a família, bem, estes irão agradecer por poder contar com sua presença por alguns anos a mais, com longevidade e saúde. Com as palavras de Arthur Schopenhauer “O maior erro que um homem pode cometer é sacrificar a sua saúde a qualquer outra vantagem”. Afinal, quais vantagens temos carregando os pesos do descuido? Desarmem-se meus queridos, não há motivos para tanto silêncio, pois seus gritos ecoam somente no próprio interior de cada um, mas haverão de sair por algum lugar um dia. E talvez, seja tarde demais para tentar gritar. Cuidem-se!

PARA ONDE FOI A INFÂNCIA?

Foto: esudroff / Pixabay

Aproveitando a abertura para o mês das crianças, senhores pais, mães, avós e avôs, senhores tios, madrinhas, professores, educadores e demais responsáveis, é para vocês que escrevo desta vez. Apesar da minha pouca idade, inicio refletindo que a infância que eu tive, já não existe mais. Então devo presumir que a infância de vocês também tenha sido completamente diferente, não só da infância atual, mas também da minha, que nem faz tanto tempo assim. E, sinceramente, olhando para a atualidade, eu já sinto lamentar muito pelas próximas gerações.

De acordo com a Lei 8.069/90 do Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Art. 4º, “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” a crianças e adolescentes, mas o que me parece, é que as crianças estão voltando a se tornar as miniaturas de adultos que o século XIII costumava construir.

Quando me refiro a esse retrocesso da infância, do qual volta a declinar à sua inexistência de séculos atrás, estou apontando que o processo de adultecer as crianças de hoje é algo que grita pela nossa atenção. As nossas crianças não estão menos vulneráveis, menos ingênuas ou menos inocentes só por que o mundo evoluiu a largos passos tecnológicos. Muito pelo contrário, a evolução também trouxe a exposição, e permitir que esses pequenos indivíduos fiquem expostos com tamanha normalidade, gera uma provável (e triste) ideia de extinção da infância.

As crianças de hoje não só portam um aparelho celular/smartphone, como também possuem redes sociais inapropriadas pra sua idade. Com isso, os padrões de moda lançados para adultos nas mídias online, passam também a serem padrão para as crianças que acreditam que a aquele perfil social lhes cabe. E como numa reação em cadeia, passam a fabricar miniaturas de roupas adultas sensuais, onde os pais não só permitem usar, mas ajudam na escolha da compra. E se não bastasse as vestes, o que falar das músicas e coreografias de linguajar e movimentos sensuais (para não dizer sexuais), que são ensinadas  com direito à aplausos aos nossos pequenos? 

A educação sozinha não consegue mediar conhecimento, a saúde sozinha não consegue conter o alto índice de gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis, a assistência social sozinha não consegue proteger proativamente, o conselho tutelar sozinho não consegue defender, se os pais, os responsáveis e a sociedade como um todo, não fizerem o seu principal papel de separar a infância da vida adulta, como cada fase deve ser. A educação primeira (leia-se familiar) será sempre a base para todas as outras portas que se abrirão na vida de um indivíduo. No entanto, com a falha desta, nenhuma outra consegue construir o alicerce que deixou de ser feito.

Acredito que a maioria de vocês, que agora refletem junto comigo enquanto lêem, se colocaram a lembrar de suas respectivas infâncias, e também tiveram a nostálgica vontade de voltar lá e brincar de pés descalços ao menos uma vez. Pois é, então vamos lembrar que, assim como todas as fases da vida, a infância não volta, ela simplesmente passa. Não deixe que as nossas crianças percam a magia do brincar, aprender e serem curiosas com seus inúmeros porquês. Não esperem que elas busquem suas respostas num vídeo do YouTube, ouçam-nas para respondê-las. Ser criança é tão mágico, que o poeta Fabrício Carpinejar teve uma feliz reflexão ao dizer que “Na infância, bastava sol lá fora, e o resto se resolvia”. Sejamos o sol dos nossos pequenos.

NÃO SEJA UM GATILHO

Foto: Gerd Altmann / Pixabay

Em uma pesquisa rápida é possível constatar dados alarmantes quanto aos índices de depressão, e de suicídio decorrente da mesma. De acordo com os dados da Organização PanAmericana de Saúde (OPAS) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), atualizados em 2018, estima-se que mais de 300 milhões de pessoas sofrem de depressão em todo o mundo, além de cerca de 800 mil pessoas morrerem por suicídio todos os anos. Segundo este levantamento, o suicídio é a segunda principal causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos.

Diante disso, muito se fala na doença do século, no mal da nova Era, mas, de maneira geral, pouco se faz. É claro que existem políticas públicas que buscam prevenir e tratar, podendo ser citado aqui, o programa de saúde mental da própria OMS, “que fornece aos países orientação técnica baseada em evidências para ampliar a prestação de serviços e cuidados para transtornos mentais e de uso de substâncias” (OPAS). Em seu plano de ação de Saúde Mental de 2013-2020, seus membros buscam e têm por objetivo, reduzir as taxas de suicídio nos países em pelo menos 10%. Mas, quando eu coloco aqui que pouco se faz, me refiro, principalmente, às nossas atitudes corriqueiras, das quais praticamos espontaneamente, às vezes (na maioria delas), sem perceber.

Fui pega de surpresa esses dias quando abri um aplicativo de mensagens, e em alguns grupos, diferentes pessoas haviam encaminhado a mesma mensagem, com os seguintes dizeres:

“Depressão = excesso de passado

Ansiedade = excesso de futuro

Estresse = excesso de presente

– Se livre dos excessos.”

Após observar que a quantidade de pessoas que compartilhavam da mesma ideia só crescia, me coloquei a questionar se as coisas haviam chegado a tal ponto por que as pessoas andam com “excesso” de falta de empatia e falta de informação. Muito se julga, pouco se busca saber. Com isso, a cada julgamento, a cada dedo apontado por meio do nosso pré conceito sobre outrem, nos tornamos os principais culpados. Nós somos as pedras que existem sob a ponte, somos a corda, a imensidão após o penhasco, a navalha que autolesiona e automutila. Somos o gatilho.

É muito mais fácil menosprezar um problema quando este não é um peso nosso. Assim, nós reproduzimos atitudes das quais fazem com que as pessoas que já compõe uma lacuna de pré-disposição ao suicídio sejam impulsionadas a plantar essa semente em seus subconscientes. E nós, somos a irrigação à umidificá-las dia após dia.

Quando menos esperamos, uma notícia é compartilhada: “alguém tirou a própria vida”. Parte das pessoas que a conhecia lamenta, parte procura culpados, enquanto outros se culpam, e parte simplesmente ora se questiona, ora julga. E agora, já não se pode tentar ajudar, tentar ouvir, tentar compreender. Estivemos ocupados demais com prioridades de nossas vidas, que  na maior parte do tempo, diz respeito ao nosso ego inflado, seja ele um componente da nossa vida real, ou da vida virtual (perfeita) que fazemos as outras pessoas idealizarem.

Imagine se os seres que compõe a sociedade fossem um tanto mais humanos, a demasiada quantidade de caos que poderia ser evitada. E não só relacionado a depressão, ansiedade, suicídio ou todos os fatores que os envolvem, mas sobre todo o universo de coisas que nos fazem, de fato, humanos. Ora, somos a “raça superior”, os racionais e evoluídos.

Superior? Até que ponto?

Todos os meus estudos à cerca das ciências sociais, questionamentos filosóficos e estudos biológicos quanto à evolução humana, chegam diante dos meus olhos e caem por terra, ao perceber que o egoísmo humano pesa muito mais que uma outra vida. Ainda assim, prefiro acreditar que a alucinação de Belchior era uma previsão para um bem que ainda está por vir logo adiante, onde todos despertem para a ideia de que “amar e mudar as coisas me interessa
mais”.

Que nós sejamos tão evoluídos ao ponto de parar de reproduzir situações gatilho. Alcancemos o mais alto nível de capacidade de inteligência humana, e usemo-los da forma mais, de fato, humana que consigamos ser: altruístas.

15 Maio

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Despadronize-se

Foto: congerdesign / Pixabay

Sua existência fetal foi descoberta, e logo seus pais começaram planejar como seriam os próximos dias, desde as suas roupas, brinquedos, quarto, até mínimos detalhes. Num piscar de olhos os meses se passaram e você chegou. Com sua vinda, vieram também as próximas escolhas, e nada mais natural que isso, afinal, nós nascemos serzinhos totalmente dependentes de outrem para sobreviver. E assim como seus avós, bisavós e ancestrais, os seus pais fizeram as primeiras escolhas da sua vida, desde a religião, o batismo, e os locais onde frequentar, até os esportes pelos quais eles almejavam vê-lo praticar.

A virada para a puberdade chegou e com ela vieram uma enxurrada de hormônios, sentimentos e questionamentos desordenados. A confusão entre acatar as escolhas de seus progenitores ou ter suas próprias escolhas fazia-no manter-se em uma constante montanha russa de interrogações. Ao longo dessa viagem do curso da vida, em algum momento, você acaba por descobrir que saiu de um mundo uterino quente e confortável, para um mundo gélido cujas paredes são construídas por uma massa de julgamentos. O calor do leite materno logo é trocado pela cerveja mais gelada que puder encontrar no bar da esquina.

Bem vindo ao mundo adulto! Agora você é independente, livre e maravilhosamente satisfeito por poder fazer as próprias escolhas. Mas, vou levantar um pequeno questionamento: todas as suas escolhas partiram de você? A roupa que está em alta que você comprou na promoção semana passada, foi escolha sua, ou um impulso dos fatores de “estar na moda”, somado ao privilégio de comprar mais barato? Vamos dar passos mais largos… A sua graduação, regada a várias gotas de suor e cafeína, foi escolhida pela sua fiel vontade de alcançar o ofício que deseja para o resto dos seus longos dias, ou por fatores alheios a sua vontade?

Parece uma enorme bobagem pensar que uma sociedade livre e democrática, na verdade, não é nem uma coisa, nem outra. Nós queremos ter o corpo das modelos, o cabelo da propaganda de shampoo, as roupas das atrizes e o comportamento dos personagens daquela série do canal da TV a cabo. Queremos cultivar o jardim da nossa casa com as mudas que temos vontade de extrair do jardim dos vizinhos. Queremos trabalhar pra ter como posses as coisas que outras pessoas já trabalharam o bastante para tê-las. Enquanto os nossos sonhos e vontades reais, esses sim, são impossíveis. Mas deixa eu te contar um segredo: o impossível é uma lenda criada por gente sem coragem de viver.

Acredite, você não precisa ser médico quando pode ser extremamente feliz e bem sucedido sendo músico. Não precisa se vestir com os padrões das passarelas para desfilar no palco das redes sociais. Você não deve se prender a sua cidade natal quando a sua felicidade está no continente vizinho. Também não é justo que você siga a carreira familiar que vem ultrapassando gerações desde o bisavô joalheiro, quando a sua vontade é ser advogado. Não dá pra passar uma vida inteira negando a própria identidade, nem vivendo a vida que esperavam que você quisesse viver.

Despadronize-se. E como citou o escritou e poeta Edson Marques em um de seus poemas: “Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as”. E isso não é sobre pensar fora da caixa, é sobre sair dela, e não aceitar nada menos do que o mundo fora da bolha tem pra você.