No jargão comum usa-se esta expressão para se referir a disciplina de não criticar o portador da má notícia, mas se concentrar na origem do problema. Pelo que se sabe, a origem da expressão seria a ordem dada por Dario III, rei da Pérsia, quando lhe chegou a notícia da derrota de seu exército para Alexandre, o Grande. Ao invés de enfrentar a realidade da derrota, determinou que cortassem a cabeça do mensageiro grego. O dito popular instrui para a concentração no foco do problema.
À medida que o panorama ocidental piorou, com a Covid, ataques a democracia, guerra da Ucrânia, endurecimento das políticas monetárias dos bancos centrais e a insegurança alimentar mundial, agravaram-se a polarização extremada de ideias e discursos de ódio e aumentaram os ataques à mídia e às plataformas digitais.
Guardadas as devidas proporções, a discussão agressiva sobre o PL da Fake News, soa como a clássica história: ao invés de refletir sobre a origem do problema, a formulação da notícia dolosamente mentirosa, concentra-se fogo na condenação dos veículos que divulgam conteúdo.
E claro que as próprias plataformas estão fazendo um péssimo papel de contenção de crise e gestão de imagem, deixando-se posicionar como contrárias ao combate de fake news. Deveriam ser as maiores interessadas em criar mecanismos tecnológicos que ajudassem neste combate e poderiam liderar o tema pela maior capacidade de conhecimento sobre os meandros das redes sociais.
O PL das fake news está tramitando no congresso brasileiro há três anos, sem que as plataformas tenham feito algo concreto para ajudar a mitigar este câncer social tecnológico do incitamento ao crime pela via eletrônica. Preferem, casuisticamente, se aterem na simplória discussão do binômio liberdade de expressão x censura.
Perdem a chance do bom debate, sobre como as plataformas podem ajudar a frear a disseminação de conteúdo ilegal prejudicial ao ser humano, sociedade, meio ambiente e a democracia. É crescente a discussão mundial sobre a função das redes sociais e seu modelo de negócio. Se não mudarem rapidamente de postura serão atropeladas pelos fatos em futuro próximo.
Há alguns anos as Nações Unidas fizeram uma acusação formal ao Facebook por permitir que sua tecnologia contribuísse para provocar, em Mianmar, um dos piores genocídios desde a Segunda Guerra Mundial.
Às plataformas sociais falta uma cara, uma pessoa, um representante legitimo nas sociedades onde atuam. Sabemos que figuras como Elon Musk, Mark Zuckerberg, Pavel e Nikolai Durov representam o universo da internet mundial, mas estes estão distantes, inacessíveis e insensíveis aos problemas cotidianos dos países de terceiro mundo e com isso pouco representam de credibilidade na sociedade brasileira, que os acompanha mais pelas suas excentricidades do que pelos eventuais trabalhos sociais, ou educacionais e filantrópicos.
Além do mais, pregam discursos conflitantes, pois se dizem anti-Estado, mas controlam empresas que receberam subsídio publico, caso da Tesla, ou controlam empresas que sobrevivem de contratos com o governo americano, como a Space X.
Falta, ainda, transparência quanto a remuneração auferida por estas empresas, que, apesar de não cobrarem pelos serviços da internet, conseguem faturar bilhões de dólares todos os anos. Se todos sabem claramente como as empresas lucram é legitimo e aceitável que estas empresas defendam o seu negócio e a sua fonte de riqueza.
Maurício Ferro chama a atenção que as big techs, apelido já pejorativo, posicionam-se estranhamente contrárias a qualquer legislação específica, cuja finalidade visa regrar a moderação de conteúdo, pelo argumento de que isto impactaria as vidas de várias pessoas. Como assim? Estas empresas geridas, nascidas e desenvolvidas em sociedade capitalista aguda (nada contra o capitalismo), agora se arvoram como defensoras dos mais humildes, pobres cidadãos brasileiros? A postura destas empresas demonstra um desconhecimento total da sociedade em que estão inseridas. É de uma arrogância atroz.
Ferro diz que sempre que uma crise aparece, logo surge um projeto de lei para ampliar pena, regular conduta, ou imputar responsáveis. Portanto, perdem a chance de ajudar a criar um bom projeto de lei. Aquele que realmente iniba o criador da fake news, ou que evite sua disseminação.
Fazem exatamente ao contrário, reconhecem que a fake news possa existir e ser difundida, mas querem se eximir de responsabilidade. Incitam o debate parlamentar para criticar o projeto de lei de forma transversal, com impulsionamento de posições parlamentares mentirosas, ou radicais.
E Já que estamos falando de excentricidades legislativas, é típico no Brasil, principalmente nestes projetos de lei emblemáticos serem inseridas clausulas de proteção, ou com benefício comercial para alguns grupos econômicos. No caso do projeto de lei das fake news, encontramos o dispositivo que institui o pagamento às grandes empresas de mídia pelo uso de conteúdo jornalístico.
Este tema não deveria estar neste projeto de lei. Contamina a discussão da sua essência e facilita o discurso contrário dos divergentes. O bom projeto de lei é aquele que é inatacável no seu conceito, mas que admite discussão quanto a forma. Trazer para a mesma pauta que contém defesa de democracia, inibição de crime, transparência, proibição de práticas ilícitas, o pagamento pelo conteúdo jornalístico fragiliza a discussão.
As empresas de mídia, se realmente estiverem preocupadas com o assunto central, deveriam abrir mão deste tema e instruírem a bancada da mídia no congresso a retirá-lo do projeto de lei. Esta discussão é válida, mas se dá em outro ambiente.
Já as plataformas eletrônicas deveriam se concentrar no que realmente importa, qual seja, como evitar a divulgação de notícias criminosas. O que está ao alcance da tecnologia e dos recursos financeiros para conter a propagação deste mal? Quais as novas tecnologias que se podem desenvolver para frear este dano?
As plataformas eletrônicas são um negócio de escala global e há a necessidade de uma adequação sistemática, paulatina e adaptativa aos limites e consequências da velocidade da informação, não só no Brasil como em outros países. Aliás, a União Europeia já regulamentou as redes sociais no ano passado e as big techs, também fizeram um barulho danado.
Lá o resultado foi a aprovação da lei mais rigorosa que existe, com previsão de multa de até 6% do faturamento global da empresa. A lei brasileira se inspirou na lei europeia, mas acabou fazendo tanta concessão de excludente de punição que desidratou o projeto original. A forma utilizada atualmente concentra esforço na retirada de publicações e na punição, pois ainda não se achou a forma ideal para conter a formulação da fake news.
É aqui que as plataformas podem contribuir, com tecnologia e políticas rígidas de uso da sua ferramenta digital. Certas posturas que estão adotando só servem para aumentar a desconfiança da sociedade do que realmente almejam. Há justificativa para o Twitter se recusar a tirar do ar contas que incentivam a violência, ou ao Telegram se recusar a obedecer a uma ordem judicial, cujo resultado culminou com a suspensão temporária em todo território nacional? Por que persiste a dúvida sobre a manipulação do algoritmo?
À sociedade falta exigir das escolas a disciplina voltada a educação social, com foco para o uso correto das redes sociais. Seria o retorno de uma espécie de educação moral e cívica, sem o viés militarizado de outro tempos. Este assunto, fake news dificilmente terá uma solução única, quer seja por projeto de lei, ou por qualquer medida restritiva. Não existe a bala de prata para este tema, pois ele requer uma mudança de hábitos, costumes, de mentalidade e da forma com que pensamos. Se mitiga o problema, por conjunto de várias ações, em função da aceitação social em determinado tempo e espaço.
O momento da discussão de projeto que coiba fake news é oportuno e o debate surte efeitos na sociedade. Poderia ter uma postura mais educativa, mas para isso as plataformas têm que se engajar na solução de forma plena, ajudando com recursos financeiros e tecnológicos, divulgação de dados, transparência e postura contributiva, para que sejam vistas como querem ser vistas, meros mensageiros.
Atualmente, a postura aponta o oposto. Parecem ser uma incentivadora dos problemas humanos que desembocam nas redes sociais, cujo modelo de negócio é manter gente vidrada na plataforma pelo maior número de horas possível, com tecnologia subjacente para atingir esta meta.
Não há como culpar as plataformas pelas fragilidades psicológicas individuais que nos levam a fazer mal, ou agir contra o interesse social, arrasando noção de bem-estar comum, mas quando as plataformas passam a não serem percebidas como instituições que defendam a governança social e o bem comum, não podem esperar que se eximam de qualquer responsabilidade. Ser árbitro de uma democracia decidida a se destruir é uma função ingrata, mas se as plataformas não se impõem limites, estes lhe serão impostos com regulamentação pelo Estado.
*Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School.