Maria Alice Ferreira, hoje com 61 anos, superou diversos obstáculos ao longo da vida graças ao amor da família e amigos.
Hoje, 21 de março, comemora-se o Dia Internacional da Síndrome de Down. Histórias de vida carregadas de dificuldades, desafios, preconceitos e superação fazem parte da jornada desses guerreiros que vêm conquistando seu espaço em todos os âmbitos da sociedade, desde o afeto dentro do núcleo familiar até uma vaga nas universidades e oportunidades no mercado de trabalho.
Muitos desses percalços ainda fazem parte da vida da alagoana Maria Alice Ferreira Costa (61), mais conhecida como ‘Lila’, que nos últimos tempos vem lutando para continuar desfrutando de amor, carinho e cuidados de seus familiares. Estes acreditam que a doação e a dedicação a Lila são a receita que a mantém firme e forte em sua caminhada depois de tantos problemas enfrentados em seus primeiros anos de vida e nos últimos 18 meses, principalmente.
Apesar de todas as limitações que uma pessoa com Síndrome de Down enfrenta, dentre elas um tempo mais curto de vida, a trajetória de Lila é um exemplo de inspiração para todas as famílias, principalmente para aquelas que têm um ente especial, cuja atenção e cuidados são os mesmos. “Das pessoas que conheço, ela foi a que mais soube aproveitar e celebrar a vida com alegria. Durante todos esses anos, Lila sempre foi uma criança feliz. Acredito que ela está até hoje conosco devido à atenção e ao amor que nós e nossos amigos proporcionamos a ela”, diz a aposentada Januária Ferreira, conhecida como ‘Linda’ e irmã de Lila, que sempre a chamou de ‘mãe’.
OS PRIMEIROS ANOS
Maria Alice nasceu no município de Mata Grande, Sertão de Alagoas, em 3 de junho de 1954. É a mais nova numa família de quatorze filhos. Foi a primeira criança a nascer com Síndrome de Down na região.
“No início da vida dela convivemos com a síndrome achando que era algo normal por nunca termos ouvido falar sobre qualquer caso semelhante. Quando Lila cresceu um pouco mais, por volta de seus três anos, percebemos que ela tinha dificuldades em coordenação motora, e só começou a caminhar, de fato, aos quatro anos”, explica Linda, enfatizando que após alguns anos, seus pais e irmãos perceberam que Lila não se desenvolvia normalmente como as demais crianças e que na cidade não havia médicos para darem um diagnóstico preciso, tampouco fisioterapia para estimular suas habilidades de movimento.
Aos doze anos, Lila já morava com a família em Santana do Ipanema, onde vive até hoje. Um médico do município, amigo de seu pai, examinou-a e teve quase certeza de que ela viveria, no máximo, até os seus quatorze anos, por ser portadora de sopro no coração (ruído que é produzido pela passagem, anormal, do fluxo de sangue através das estruturas do coração). Apesar do problema cardíaco, Lila conseguiu conviver com ele por mais de quarenta anos. “Outra pessoa com Síndrome de Down, na situação dela, possivelmente não resistiria. Foi uma providência de Deus”, acredita.
AS ALEGRIAS
“Desde muito cedo, Lila gostava de pegar óculos, chaves, CD’s ou qualquer objeto alheio que lhe chamasse atenção, principalmente de pessoas próximas que andavam aqui em casa. Ela os escondia no guarda-roupa e quando perdia o interesse, eu devolvia tudo para os donos. Era uma graça”, diverte-se, relembrando o quanto Lila cativava as pessoas que frequentavam sua casa, principalmente as crianças. “Eu sempre tive receio de que as crianças a estranhassem por ser especial, mas a verdade é que todas as que apareciam aqui em casa ficavam loucas por ela. Até hoje, quando algumas vêm aqui, só querem estar no quarto lhe fazendo companhia”, orgulha-se.
Desde a partida dos pais (a mãe faleceu em 1990 e o pai em 1995), Lila passou a viver sob os cuidados de Linda até o momento. “Quando nossa mãe ainda estava conosco, ela se preocupava muito com Lila devido às suas limitações. Quando eu passei a cuidar dela, percebi que não tinha problema em levá-la para todos os lugares, incluindo eventos festivos. Sempre que íamos a uma festa, eu sempre a levava. O único trabalho que Lila nos dava era não querer voltar mais para casa (risos). Mas, foi uma fase da vida em que ela aproveitou bastante”, frisa.
A alegria de Lila, estampada nos diversos álbuns de fotografias de suas festas de aniversário, não nega o prazer de sua família em vê-la desfrutar do melhor da vida ao lado dos parentes e amigos. “A cada ano organizávamos uma grande festa temática para ela. Cinderela, Festa Cigana, Branca de Neve, Anos Dourados e Uma Noite no Japão foram algumas delas. Proporcionar esses momentos para ela, para mim, não tinha preço”, alegra-se.
“Uma vez fomos a um restaurante com música ao vivo em Juazeiro (CE) e Lila me perguntou se poderia dançar. Com todo prazer, falei que sim. Achei que ela iria dançar perto de mim, mas quando menos esperei, ela estava dançando próximo ao cantor, inventando passos e mandando beijos para ele. Havia, inclusive, um casal dançando perto dela. Quando o rapaz, num passo, rodou a esposa e a soltou, Lila correu e o agarrou. Nesse momento, todos do restaurante se levantaram e aplaudiram (risos)”, diverte-se.
AS BATALHAS
Com mais de cinquenta anos de idade, Lila passou a sentir cansaço frequente, ocasionado pelo sopro cardíaco que a acompanhava desde a infância. Submeteu-se a uma cirurgia de risco no coração em 2008. Sua recuperação surpreendeu a todos que a conheciam, incluindo médicos que cuidaram e acompanharam seu caso.
Lila continuou a ter uma vida normal após os seis anos que sucederam a cirurgia. Em setembro de 2014, já com sessenta anos, apresentou um sério problema na vesícula, precisando ser urgentemente operada. Todos os profissionais que a assistiram se surpreenderam com sua força de viver, apesar dos problemas de saúde e por ter Síndrome de Down. “Um professor soube da situação de Lila e me pediu para tirar algumas fotos dela no quarto do hospital. O objetivo era apresentar a história dela aos seus alunos da universidade. Ninguém acreditava que ela já tinha sessenta anos”, relembra Linda.
Esse foi mais um obstáculo superado com êxito na vida de Lila. Entretanto, após a cirurgia, passou a receber cuidados redobrados da família e de colaboradoras, pois perdeu as forças para caminhar e a capacidade de pronunciar as palavras.
“Antes da cirurgia, ela foi encaminhada para fazer todos os exames. O cardiologista garantiu que seu coração estava trabalhando normalmente. Sendo assim, ela se submeteu à cirurgia no dia seguinte, que, graças a Deus, foi realizada com sucesso”, conta, reforçando que, apesar das limitações físicas e de comunicação, Lila ainda sorri, brinca e reconhece as pessoas.
“Ela ama a vida e ainda luta para vivê-la. Quando teve a oportunidade, soube aproveitá-la da melhor forma”, completa, emocionada.
A DATA
O Dia Internacional da Síndrome de Down foi instituído oficialmente em 2006 com a finalidade de combater a origem do preconceito, bem como o rótulo de “diferente” criado por uma sociedade sem preparo, paciência ou sensibilidade para lidar com o portador da síndrome.
A data 21/3 foi selecionada pelo fato de a Síndrome de Down ser uma alteração genética do cromossomo 21, que deve ser constituído por um par, mas em pessoas com a síndrome, aparece com “3” exemplares (trissomia). A ideia partiu do geneticista da Universidade de Genebra, Stylianos E. Antonarakis, na Down Syndrome International, e foi firmada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em seu calendário oficial.
Por Gustavo Aquino – colaboração