Áreas públicas de Piranhas foram loteadas por ex-prefeita

27 out 2013 - 00:01


Melina

Mellina Freitas (Foto: José Feitosa/Cortesia/Gazeta de Alagoas)

Piranhas, cidade do Alto Sertão de Alagoas, localizada a 290 km de Maceió, vive hoje uma situação atípica, na qual a quase totalidade das suas áreas públicas estão nas mãos da iniciativa privada, pessoas físicas e jurídicas que, em uma canetada só, foram contempladas por doações suspeitas – a despeito de autorizadas por lei municipal – feitas no apagar das luzes da gestão da ex-prefeita Mellina Torres Freitas (PMDB), em dezembro de 2012.

Não bastasse a irregularidade das doações dos terrenos públicos, acompanhadas de isenção fiscal por um período de 10 anos, figuram entre os beneficiados dois membros do Ministério Público Estadual (MPE/AL), os promotores de Justiça Bolívar Cruz Ferro e Klebert Calheiros da Silva, este último aposentado e cujas ligações com Mellina Freitas já lhe renderam uma denúncia por parte do Grupo Estadual de Combate às Organizações Criminosas (Gecoc).

Órgão do próprio MPE, o Gecoc divulgou em abril deste ano o resultado de quase quatro meses de investigações e que apontaram a ex-prefeita como chefe de uma quadrilha que desviou quase R$ 16 milhões dos cofres públicos.

Candidata derrotada à reeleição nas eleições do ano passado, Mellina infringiu também a legislação eleitoral que proíbe doações em ano eleitoral,  exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

Doações

Nas 97 doações de áreas públicas oficializadas em 2102 pela ex-prefeita em sete leis municipais – sancionadas por ela após aprovação pela Câmara de Vereadores – em nenhuma estão configuradas as excepcionalidades previstas pela Lei 9.504/97. E a maior parte delas – 79 – se deu através de uma única lei, a de número 120/2102, de 17 de dezembro de 2012 e em cuja lista de beneficiários está o promotor de Justiça aposentado Klebert Calheiros da Silva.

Secretário de Educação e Finanças na gestão Mellina Freitas, Klebert Calheiros da Silva recebeu uma área de 19.300 metros quadrados para instalação de um estabelecimento de agronegócio, tendo como único encargo a obrigação de concretizar seu empreendimento no prazo de 24 meses.

Outro antigo auxiliar da ex-prefeita, e assim como o promotor de Justiça aposentado foi denunciado em abril último pelo Gecoc no esquema de desvio de recursos da ordem de R$ 15.930.029,33, aparece como um dos contemplados com uma área pública. Trata-se de Robson Antônio Teixeira, membro da Comissão de Licitação durante aquela gestão. e que ganhou, através da Lei 121/2012, de 17 de dezembro, um terreno com 204 metros quadrados para instalação de uma loja de confecções.

É também de 17 de dezembro de 2012 a Lei nº 123/2012, pela qual o município doou ao promotor Bolivar Cruz Ferro – atualmente respondendo pelas comarcas de Água Branca e Delmiro Gouveia – uma área de 777 metros quadrados para instalação de uma pousada, empreendimento já concretizado e que recebeu o nome de “Pousada da Chave”.

Não bastasse ganhar o terreno, o referido promotor foi também agraciado com isenção fiscal, que estabelece: “Fica concedida isenção do pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU – aos imóveis localizados nas áreas de especial interesse turístico e hoteleiro por um prazo de 10 (dez) anos, caracterizando um incentivo fiscal, atendendo assim o previsto no artigo 4º da Lei Municipal nº 39/2010”.

Como membros do MPE, uma das instituições de maior confiabilidade junto à população, os dois membros ministeriais foram procurados para falar sobre o assunto, mas não foram localizados. A despeito das tentativas de contato em quatro telefones do promotor Bolivar Cruz Ferro e em um do promotor aposentado Klebert Calheiros da Silva.

O festival de doações patrocinado pela ex-prefeita teve início dez meses antes, através de lei municipal, pela qual foi autorizado a doar 525 metros quadrados para implantação de um restaurante, mas sem especificar o beneficiário. Datada de 20 de março de 2012, a então chefe do Executivo municipal a doar 30.435,12 metros quadrados para a Carrancas Empreendimentos Hoteleiros Ltda. Com sede em Aracaju (SE), a empresa ganhou o imóvel com a obrigação de ali construir um “meio de hospedagem”, conforme lei.

Em abril do ano passado a prefeitura doou, com o único encargo de construir um “meio de hospedagem”, uma área de 10 mil metros quadrados para Alice Fernanda Rocha da Silva, uma empresária individual do ramo de hotelaria, cuja empresa fora constituída três meses antes, de acordo com o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica da Receita Federal.

Atividades

Nos pedidos de autorização para as doações, transformados em leis após aprovação pela Câmara de Vereadores, a ex-prefeita alegou interesse no desenvolvimento turístico ou desenvolvimento urbano – argumentos que contrariam uma lei municipal – e estabeleceu os beneficiados sem qualquer justificativa às escolhas, mas também não foi questionada, nem mesmo quanto ao fato de alguns dos “donatários” terem sido contemplados com mais de um imóvel. É o caso de Erisvan Santos Silva, que recebeu uma área de 37,36 metros quadrados para “uso misto, residencial/comercial/unifamiliar”, além de outro terreno, desta vez com 147,20 metros quadrados destinado a uma loja de moto-peças.

Entre vários outros beneficiados com áreas públicas para “uso misto, residencial/comercial/unifamiliar” destaca-se a doação de 82.832 metros quadrados para João de Olanda Magalhães, um dos 79 donatários na qual a destinação dos empreendimentos varia de sorveteria, loja de confecções, lojas de cosméticos, lava-jato, salão de beleza e loja de artesanato a restaurantes, pousadas, curso de inglês e escritório jurídico (caso dos 420 metros quadrados que foram doados a José Ventura).

GECOC

Filha única do desembargador Washington Luiz Damasceno Freitas, ex-presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, Mellina Torres Freitas ocupou as páginas do noticiário local em abril último, quando o Gecoc apresentou os resultados de uma investigação sobre desvio de recursos públicos iniciada em dezembro do ano passado e que culminou no oferecimento de denúncia à Justiça contra a ex-prefeita e outras 12 pessoas.

Na última quarta-feira, o promotor de Justiça Alfredo Gaspar de Mendonça Neto, integrante do Gecoc, afirmou que a doação indiscriminada de terrenos públicos por parte da ex-prefeita não era do conhecimento do grupo especial do Ministério Público Estadual de Alagoas.

Em abril, Mellina Freitas foi apontada como chefe de uma quadrilha que manipulou, no período de 2009 a 2012, 23 processos de licitação e 385 processos de pagamento, resultando em um prejuízo ao erário em mais de R$ 15 milhões. Elas e os outros 12 denunciados foram acusados de diversos crimes autônomos, a exemplo de peculato, peculato-furto, falsidade ideológica, falsificação de documento particular, uso de documento falso, fraude em licitação e formação de quadrilha.

Quando do oferecimento da denúncia, a ex-prefeita obteve um salvo-conduto expedido pelo desembargador Fernando Tourinho de Omena Souza, do Tribunal de Justiça de Alagoas, que a impediu de ser presa.

Vera Alves – Rota do Sertão

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