Nesse ano, completaremos 60 anos do Golpe Militar, realizado em 1º de abril de 1964, e o mais preocupante é perceber que boa parte do povo não consegue entender a gravidade de um golpe de Estado e a importância de defendermos a Constituição Brasileira. Afinal, para que ela serve? O que ela realmente é? São perguntas corriqueiras, e essas noções jurídicas básicas de Direito são fundamentais na formação cultural e educacional de um povo, e mereciam ter tido mais atenção nas escolas, porque a Constituição de um país é o seu “pacto social”, a base da construção da nossa vida como ela é, evitando a anarquia, o caos social e a guerra.
A Constituição é a carta de direitos fundamentais de seu povo, garante a igualdade entre os seres humanos, regula desde o seu direito de ir e vir, como o direito a ter casa própria, 13º salário, atendimento de saúde pública no SUS e aposentadoria. A Constituição de 1988 não é, e nunca será “letra morta”, e nosso país tem uma das “cartas magnas” mais protetivas e bem escritas do mundo – é nela que todas as outras leis, incluindo a que o impede de ser despejado no meio da noite por não pagar o aluguel – encontram força para serem aplicadas, como frutos de uma árvore em que o tronco jurídico é, justamente, o texto constitucional.
Hoje, às vésperas do dia 25 de março, “Dia da Constituição”, nos deparamos com as íntegras de depoimentos dos idealizadores de novo golpe militar. Isso é grave, e muito triste. Explico. Nossa Constituição da República, que completará 36 anos em 5 de outubro de 2024, sofreu séria ameaça de morte em dezembro de 2022, ao tentarem declarar Estado de Sítio e o Decreto de “garantia da lei e da ordem”. Isso sob o pretexto de que tal mecanismo jurídico (inconstitucional) seria teoricamente utilizável no caso de guerras civis, revoltas separatistas, invasões armadas por países estrangeiros. Nem de longe, reverter os resultados das urnas.
Durante esse tipo de “Estado de Exceção”, todos os direitos e garantias constitucionais passam às mãos do Poder Executivo, ao melhor estilo absolutista do rei Luiz XIV (o “rei Sol”) e podem ser restringidos de acordo com os interesses do governante, sem qualquer controle por nenhuma outra instância. Isso abriria caminho para atos sucessivos como o conhecido AI-5, que em dezembro de 1968 permitiu o patrulhamento ideológico da população civil, levando milhares a perseguições, exílios, desaparecimentos e mortes.
É triste constatar como parte da população não percebeu o risco que correu, e não entende que liberdade é inegociável. Toda história se repete em ciclos, a menos que amadureçamos. Nos resta sonhar que, com um aprendizado reforçado em Direitos Humanos, as futuras gerações se libertem da tentação em apoiar esse tipo de disparate político, e que nunca mais o Brasil sofra esse tipo de agressão, como há 60 anos, ou há apenas duas folhas do calendário.
*Leonardo de Moraes é mestre em Direito do Estado, professor de Direitos Humanos e autor do romance Tia Beth, sobre as dores da violência no Brasil